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Edição de 31-03-2024
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    Arquivo: Edição de 10-10-2010

    SECÇÃO: Crónicas


    Nos incêndios, a realidade nua e crua ou as inverdades manipuladas? (**)

    Já aqui confessei que “com os fogos arde a minha alma” e, por isso, procuro “desligar-me” das notícias e reportagens sobre esta calamidade que nos “ataca” logo que o calor aperta e que tem sido designada como a “época dos fogos” – como se fosse a “época futebolística!”. Disse “procuro” porque, de facto, é impossível passar ao lado deste período negro (negro como o fumo que chega a sufocar-nos) e que acaba por ser um castigo daquilo que não soubemos ou não quisemos fazer para os evitar ou atenuar os seus efeitos devastadores e a sua extensão.

    Não sou um “expert na matéria”, mas custa--me a aceitar que esta seja uma fatalidade que nos castiga e se repete em cada ano, só porque temos um clima quente e seco e uma vegetação e uma floresta facilmente combustíveis (pinheiro, eucalipto, etc.), além de mato com a mesma característica (tojo, carqueja, esteva, etc.), que não só funciona como “detonador” mas também como alimentador de fogos que, muitas vezes, se tornam incontroláveis e que tudo devoram na sua onda assassina, não deixando viva qualquer espécie vegetal ou animal, incluindo, muitas vezes, campos agrícolas e habitações.

    Acredito que esta seja uma área de difícil consenso na estratégia e na prática de acções e afectações de recursos, sempre escassos, no combate a este flagelo, com destaque para as medidas de prevenção, mas se todos os anos assistimos a esta onda de fogos, poderemos concluir que esta desgraça pode ser indicadora de que muita coisa terá ficado por fazer ou não foi correctamente planeada e executada? Enquanto bombeiros e outros agentes (militares, GNR, etc.) combatem os fogos, vamos assistindo, de acordo com a imprensa, a diferentes pontos de vista ou mesmo acusações entre as partes envolvidas nesta matéria (bombeiros, governo central e distrital, etc.), cada um “puxando a brasa para o seu fogo”.

    Como disse atrás, procuro abstrair-me deste drama e, por isso, tento nem ouvir ou ver as notícias, mas esta auto-censura que imponho a mim mesmo, na “época dos fogos”, não impede que muita matéria informativa chegue ao meu conhecimento, como aconteceu na tórrida e terrível última semana de Julho, com o contributo do programa “antena aberta” (da RDP e RTPN) e de que ouvi parte no auto-rádio do meu carro. Se já dias antes tinha estranhado as notícias sobre o número (reduzido) de fogos activos, fiquei estupefacto com o depoimento, naquele programa, de um bombeiro de Viana do Castelo em que afirmou que estes números noticiados eram manipulados, por pressão do Governo, e disse ainda que os bombeiros eram obrigados a considerar o fogo por extinto quando tal não era verdade. Porque não vivemos em censura, essa terça-feira e dia seguintes mostrou-nos que a realidade era bem diferente daquela que os “media” noticiavam, pois os distritos de V. Castelo, Aveiro e Viseu estavam a arder, com fogos a “rebentarem” por todo o lado, levando por isso o Governador Civil de Aveiro a afirmar, nesse programa, que admitia que 90% dos fogos seriam de origem criminosa, face aos cenários que observava. Dias depois, o seu homólogo de Viana do Castelo fez uma afirmação semelhante, “violando” as regras do “politicamente correcto”, isto é, há ou não fogos de origem criminosa e que as autoridades tendem a negar?

    Instado telefónica e directamente do “teatro das operações” (infeliz designação tal como se usa o mesmo termo no relatos da guerra), o comandante dos Bombeiros de Oliveira de Azeméis afirmava que as suas equipas estavam exaustas e que, para fazer frente aos incêndios a lavrar no seu concelho precisaria do triplo dos homens e dos equipamentos. Em jeito de remate, perguntou-lhe o jornalista se não achava que tinha havido uma evolução em relação a outros anos. Corajosamente, respondeu que a única evolução verificada foi na propaganda governamental sobre esta temática. Disse ainda que a sua corporação há mais de cinco anos que não recebe um tostão de ajudas para se apetrechar e, desse modo, ficar melhor habilitada a combater esta praga.

    Apesar de leigo na matéria, mas como cidadão e face a estas três afirmações aqui descritas, apetece--me perguntar: quem fala verdade ou quem usa as inverdades para sacudir a “água do capote” ou, mais apropriadamente, para “atirar as brasas para a quinta do adversário”? Mas mais do que usar as palavras para, eventualmente, enganar os tolos, preocupa-me, como cidadão, que os responsáveis (afinal somos todos nós) tardem em encontrar e adoptar legislação (sobre o reordenamento florestal, obrigatoriedade da “posse real” das terras e não de abandono, etc.), incluindo legislação punitiva para os “pirómanos” (os tais que toda a gente diz que os há, mas que afinal ninguém os apanha, ou “interna” nestes períodos críticos, se para tal for recomendado) que evitem que fiquemos mais pobres por cada Verão que passa. Por outro lado, os recursos gastos, nos combates aos fogos e muitas vezes ingloriamente aos quais devem ser acrescidos os incalculáveis prejuízos, não seriam mais eficazes se fossem gastos na prevenção, mas, para isso, com o envolvimento de muitos responsáveis e legislação adequada? É também uma questão da ecologia e da economia, ainda mais num país cujos recursos são escassos e no qual a floresta é de extrema importância.

    (**) mas mais do que falar verdade ou dizer inverdades, o que me preocupa, como cidadão, é que continue a arder algo que é de todos nós e que nos deixa (ainda) mais pobres. O fogo é o único inimigo comum a todas as partes.

    Por: Serafim Marques

     

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