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    Arquivo: Edição de 30-09-2010

    SECÇÃO: Arte Nona


    Mais um grãozinho (de areia) na engrenagem

    Com data de Maio de 2010 a editora Asa pôs finalmente nas bancas o Tomo 2 da obra de François Schuiten e Benoît Peeters, “A Teoria do Grão de Areia”, a cujo primeiro tomo já nos tínhamos referido em “A Voz de Ermesinde” n.º 832, de 10 de Setembro de 2009. Tínhamos então apontado a radicação da estória na grande saga das Cidades Obscuras, que apontámos como «uma criação fundamental da Banda Desenhada europeia.

    Tínhamos referenciado o enredo cuja acção, embora com o foco algures, decorria sobretudo em Brüsel, uma cidade desse mágico universo paralelo criado por Schuiten e Peeters, e a sua incursão pelos domínios do fantástico, com a alteração das regras da física que deveria reger o mundo (um pouco à maneira das “interrupções” de José Saramago).

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    Não querendo repetir-nos sobre o que já escrevemos acerca de “A Teoria do Grão de Areia”, em que abordámos já a obra (em dois tomos), de forma genérica, tentaremos agora debruçar-nos mais sobre o este segundo tomo especificamente.

    Mais uma vez a rimeira coisa quwe salta à vista é a existência de uma terceira cor para além do preto e branco, o tal beige muito claro que representa aqui o opsto do preto, sendo o branco a cor da anomalia, visível nas pedras que caem sem razão aparente, ou na areia que se acumula sem motivo. Mais uma vez, como em todas as obras das Cidades Obscuras a arquitectura tem um lugar central, bem como um efeito sempre presente nesta dupla de autores, a proliferação de arcaísmos e futurismos lado a lado, conferindo familiaridade e estranheza ao mesmo tempo.

    Neste segundo tomo é agora a vez de se encontrar a “explicação” para a incrível sucessão de acontecimentos mais ou menos desastrosos ou, no mínimo anómalos, que vão acometendo a cidade de Brüsel e os seus habitantes, como se se tivesse produzido uma fractura nas leis que regulam o harmonioso funcionamento planetário (Maurice, que continuamente perde peso e mais peso – embora conservando a mesma aparência física; as pedras que surgem misteriosamente e em cada vez mior número ameçando fazer ruir o prédio onde habita Constant; a areia que começa a inundar toda a cidade).

    Toda esta desordem é provocada pelo nawabi, um pequeno objecto fascinante, de forma semi--esférica, que fora retirado do seu local original, por via de uma disputa bélica entre bugtis e moktars no distante Bulaquistão.

    O modelo deste país tecnologicamente menos avançado, o vestuário e mesmo o clima de guerra civil entre os referidos povos parece ser qualquer coisa parecida com a imagem que fazemos do actual Afeganistão, enfim dizemos nós. «Havia um equilíbrio ancestral entre os bugtis e os seus vizinhos, os moktars... guerras incessantes, mas limitadas... era quase um desporto. A utilização de armas foi catastrófica». A única diferença entre a estória de Benoît Peeters e a realidade que conhecemos nesse Oriente conturbado é que no mundo aqui redesenhado pelos quadrinistas foram esses próprios povos que desencadearam o caos, não sendo este deflagrado pelas potências imperiais a Ocidente que, uma após oputra, tentaram impor ali uma ordem pré-definida como superior.

    No argumento de Benoît Peeters são os próprios bugtis quem se encarrega de reparar a perda infligida aos seus inimigos, com o roubo do nawabi pelo guerreiro bugti Gholam Mortiza Khan, devolvendo o objecto furtado e conscientes de que, com a reinstalação deste no local em que estava, a antiga fortaleza sagrada dos moktars, pudesse voltar a repor-se a ordem do mundo.

    Os acontecimentos catastróficos produzidos em Brüsel, cidade onde Gholam Mortiza Khan esperava poder comprar armas na sua luta contra os moktars, foram apenas o resultado do atropelamento do guerreiro por um eléctrico qure o matou, no que parce ter sido apenas um acidente fortuito, e na sua perca do nawabi, então perdido e responsável pela posterior desordem natural das coisas tão sentida na grande cidade “europeia”.

    Mais uma vez realça-se a magia da combinação da linha com as formas no traço de François Schuiten, a sua capacidade de recriar o mundo, a sua dinâmica – a diversidade dos planos atesta-o bem.

    No fim, subtilmente, emerge uma alegoria da paz contra a barbárie e o caos.

    Por: LC

     

     

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