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    Arquivo: Edição de 30-09-2010

    SECÇÃO: Crónicas


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    Superstição

    A superstição inscreve-se no domínio da Fé. O dicionário Aurélio, que retira a designação do facto de ter sido dirigido e coordenado pelo eminente filólogo brasileiro Aurélio Buarque de Hollanda, define-a deste modo: sentimento religioso baseado no temor ou na ignorância e que induz ao conhecimento de falsos deveres, ao receio de coisas fantásticas e à confiança em coisas ineficazes; crendice; crença em presságios tirados de factos puramente fortuitos; apego exagerado e/ou infundado a qualquer coisa. Já o Grande Dicionário Enciclopédico atribui-lhe os seguintes significados: resto de velhas crenças; desvio do sentimento religioso que consiste em atribuir a certas práticas uma espécie de poder mágico ou, pelo menos, uma eficácia sem razão.

    Ainda que relacionada com a prática religiosa, mergulhando as suas raízes no sentimento religioso e recorrendo a invocações a Deus por intercessão dos Santos católicos, a superstição remete mais para a Magia do que para a Religião. Esta baseia-se num conjunto de princípios que buscam justificação científica, num corpus doutrinal considerado como lógico e coerente, em rituais litúrgicos que procuram exprimir a adesão dos crentes a esses princípios e a essa doutrina. Já a magia, em que se funda a superstição, não parte do real, apenas de aspectos exteriores e ilusórios que produzem a convicção de eficácia no espírito de pessoas débeis, ingénuas e de reduzida capacidade para distinguir fenómenos que aparentam proximidade. Tal não significa que a superstição seja exclusiva de pessoas incultas, existem homens e mulheres que dominam certas áreas de conhecimento mas que, por medo de situações sobre as quais não têm poder, agem sem verdadeiro discernimento. O que distingue a superstição da sabedoria e do senso comum é que afirma existir uma relação causal entre os acontecimentos devido a forças supranormais como: a) destino; b) poder universal dos astros; c) poder invisível dos ritos mágicos; d) poder invisível dos espíritos e outros.

    EM TEMPOS

    RECUADOS

    Em tempos recuados e em determinadas sociedades, a superstição tinha uma força e importância enormes na vida das pessoas. Não sabemos ao certo a origem exacta de como a superstição começou a influenciar a vida dos homens mas, com certeza, essas práticas que hoje conhecemos provêm de antiquíssimas religiões da Suméria, Assíria, Babilónia, Egipto, Grécia e Roma. Serão resquícios de práticas idólatras que a Bíblia condenou e as grandes religiões modernas excluíram das suas crenças e dos seus rituais. Os praticantes de crenças animistas têm mais propensão para cultos mágicos, logo para a superstição. Nas sociedades ocidentais, muitas dessas superstições foram estudadas e praticadas em sítios recônditos, em cavernas ou lugares secretos, alguns até nas grandes catedrais e foram por isso designadas Ciências Ocultas. Na Wikipédia pode ler-se que «com o pensamento da Ciência Moderna, algumas dessas pseudociências deram passo ao nascimento das ciências actualmente existentes: É o caso da Astrologia, de que surgiu a Astronomia, da Alquimia, que deu origem à Química e de outras ainda». Talvez seja uma forma algo simplista de explicar a relação entre antigos estudos, proibidos pela Religião mas prestigiados por inúmeras pessoas que se lhes devotavam inteiramente, inclusive membros da própria Igreja fundada por Jesus Cristo, e os conceitos actuais de Ciência. De qualquer maneira, se não houve propriamente uma derivação directa, certamente a Astronomia, a Química e outras áreas do saber muito devem ao desenvolvimento dessas actividades marginais. O conhecimento, tal como os rios, nem sempre escolheu as vias mais adequadas para alcançar os seus fins.

    Há superstições que fazem parte do dia-a-dia e contagiam até quem as utiliza por automatismo ou mero hábito social, sem verdadeira convicção da sua eficácia: bater na madeira três vezes para afastar um perigo imprevisto e supostamente na iminência de ocorrer, que pode resultar de algo que se diz e motiva uma expressão como “vira p´ra lá essa boca”; fazer figas quando se diz uma mentira ou se deseja muito que algo seja realidade; recusar “cruzamento” no estender dos braços para cumprimentar alguém quando outros manifestam a mesma intenção. Em tais casos e noutros semelhantes, não há espaço para romper com os hábitos, aceitamo-los porque não vem daí nenhum mal ao mundo e assinalar uma posição contrária podia ser mal aceite pelo grupo.

    Não existem grupos sociais ou comunidades totalmente imunes à superstição. Algumas são de tal modo generalizadas que quase constituem signos de uma linguagem universal: o número 13 é comummente aceite como símbolo de azar, de perigo, de grave risco, a tal ponto que chega a ser eliminado na contagem de apartamentos em edifícios de habitação e noutras circunstâncias em que pode perturbar fortemente a vida das pessoas. Em relação ao calendário, se o dia 13 coincide com uma sexta-feira, pode justificar a mudança de reuniões de grande importância, assim causando desperdício de tempo e daí significativos prejuízos económicos. Explica-se esta superstição com a Última Ceia em que Jesus participou com mais doze pessoas (os apóstolos) e ocorreu numa sexta-feira, provocando a Sua paixão e morte. Entrar num recinto sempre com o pé direito à frente parece ter originado o hábito de o noivo carregar a noiva nos seus braços ao entrar na alcova nupcial para que não haja a possibilidade de trocarem a ordem dos pés e, deste modo, atraírem uma qualquer desgraça. Além da visão de um gato preto, de passar por baixo de uma escada, de usar amuletos ao pescoço, de colocar uma ferradura numa porta ou na frente de um veículo, existem milhares de outros sinais que indiciam a sorte ou o azar.

    No exercício das minhas funções docentes, muitas vezes transmiti aos alunos a recusa em acreditar nas superstições e até de invocar a sorte ou o azar como factor positivo ou negativo em qualquer evento ou circunstância da nossa vida. Lembro-me de, certa vez, ter sido contestado pelo Rafael ao dizer à turma que a sorte ou o azar somos nós próprios que os fazemos.

    - O professor acha que não há sorte?

    - Da maneira como as pessoas a referem, acho que não existe. Somos nós que fazemos a nossa sorte ou o nosso azar. Na minha terra usam um provérbio “fia-te na Virgem… e não corras!”, que é como quem diz, temos que lutar pelos nossos objectivos e, embora acreditando que Deus e a Virgem Maria velam por nós, a verdade é que nunca os atingiremos só por intervenção de forças sobrenaturais.

    A conversa durou ainda algum tempo, outros alunos tomaram posição, quase todos a favor do Rafael. Como este é um tema que “daria pano para mangas” propus que mudássemos de assunto, mas que reflectissem: as circunstâncias da nossa vida variam, mas tal não se deve a algo fatalista ou aleatório como a sorte ou o azar.

    Não obstante o progresso no bem-estar das sociedades modernas, parece que o homem jamais sentiu tamanha insegurança e tão extremada necessidade espiritual. E, se por um lado, tem perdido a vivência religiosa devido, sobretudo, à Igreja, enquanto Instituição, que devia zelar melhor pelos valores que Jesus Cristo trouxe ao mundo, por outro, procura apoio na superstição e em falsas ciências do foro espiritual para orientar a sua vida e resolver o seu desassossego íntimo. Eis porque, desde os lugarejos mais esconsos até às grandes metrópoles, proliferam os que, vulgarmente, são designados por bruxos ou feiticeiros e que englobam rezadeiras, videntes, cartomantes, tarólogos, astrólogos, adivinhos e quejandos, muitos deles intitulando-se professores (as), “diplomados” por universidades que ninguém conhece e prometendo resolver qualquer problema que incomode os possíveis clientes. E são incontáveis os que recorrem a esses charlatães em busca de uma felicidade que, tal como a sorte ou o azar, depende exclusivamente deles.

    Por: Nuno Afonso

     

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