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    Arquivo: Edição de 30-04-2010

    SECÇÃO: Destaque


    O CENTENÁRIO DA REPÚBLICA

    Problemas no Cemitério de Ermesinde no período republicano

    Quando há cem anos se deu a implantação da República o Cemitério de Ermesinde foi motivo de grande polémica por se encontrar dividido entre sepulturas de católicos e de não católicos. A parte destes últimos estava em estado de quase completo abandono e os cadáveres dos não católicos tinham de passar por cima do muro, no dia em que eram enterrados. Os republicanos não puderam pactuar com este estado de coisas.

    Foi durante a segunda metade do século XIX que se construiu o primeiro Cemitério Público de Ermesinde, situado nas proximidades da Igreja.

    A Junta da Paróquia de S. Lourenço de Asmes decidiu, no início do último quartel do século XIX, construir o Cemitério da freguesia num terreno cultivável do Passal, que se localizava num espaço que ficava entre as linhas do Douro e do Minho (segundo se refere na acta da reunião da Junta da Paróquia de 9 de Março de 1876). Inviabilizada esta hipótese, mais tarde, a Junta deliberou construir urgentemente o novo Cemitério, já que o Adro, local onde entretanto se faziam os enterramentos, era demasiado pequeno para tanta população, e mais pequeno ficou quando se construiu a linha do Douro que lhe cortou algum espaço. O novo Cemitério seria construído no lugar da Seara, em terreno pertencente a João José de Carvalho, que foi adquirido para esse efeito. A Junta teve, então, de recorrer a um empréstimo para poder levar por diante este importante e necessário empreendimento.

    As actas da Junta da Freguesia de S. Lourenço de Asmes das últimas décadas de oitocentos estão cheias de referências a obras de manutenção no Cemitério. Ainda assim, ao tempo da implantação da República, o Cemitério de Ermesinde era motivo de discórdia, estava dividido (uma parte para os católicos, outra para os não católicos) e maltratado.

    Uma Lei anterior à República permitia, de facto, que os católicos e os não católicos fossem enterrados em recintos separados, mas muitos (provavelmente a maioria) dos cemitérios portugueses não tinham separação física entre uns e outros. Em Ermesinde, cuja paróquia era presidida por Monsenhor Paulo António Antunes, um monárquico convicto que, alguns meses depois da Revolução Republicana, abandonou esta Paróquia para participar directamente nas incursões monárquicas comandadas por Paiva Couceiro, o cemitério estava dividido por um muro, separando o espaço reservado aos defuntos católicos, do dos não católicos. Este último espaço estava votado ao mais completo abandono.

    A questão só foi levantada nas sessões da Junta da Freguesia, depois da Revolução Republicana. Os dois excertos de actas da Junta da Freguesia que vamos transcrever, em linguagem actual, para melhor entendimento dos nossos leitores, ilustram bem aquele estado de coisas.

    A PROPOSTA DO PRESIDENTE, AMADEU VILAR:

    Na sessão de 4 de Dezembro de 1910, pelo Presidente [Amadeu Ferreira de Sousa Vilar] foi apresentada a seguinte proposta: Não querendo deixar de prestar o nosso maior respeito pelos mortos, proponho que o recinto que existe no Cemitério dos não católicos seja o mais breve possível reformado de forma que se não torne tão vergonhoso como está! Por isso, proponho mais que seja tapada a porta e que a entrada seja pela porta principal do Cemitério e que na parte de dentro seja retirado o muro que divide o recinto. Pelo pároco desta freguesia foi dito que a porta que existe tinha sido mandada pôr pelo Prelado. O Presidente disse que estranhava tais ordens pois que no Porto a entrada do Cemitério dos não católicos é feita pela porta principal; o Presidente disse mais que o que o obrigava a apresentar esta proposta era por ver no estado vergonhoso em que se encontrava o recinto e por se ter informado que a porta nunca tinha sido aberta para dar entrada aos Cadáveres, pois pelo Coveiro soube que a entrada dos ditos era feita pela porta principal e depois passados por cima do muro para o dito recinto. Posta à votação a proposta foi aprovada por unanimidade.

    A DECLARAÇÃO DO PÁROCO:

    Algumas sepulturas no Cemitério Central de Ermesinde
    Algumas sepulturas no Cemitério Central de Ermesinde
    Na sessão de 18 de Dezembro de 1910, o pároco pedindo a palavra, que lhe foi concedida, disse que: a Religião Católica ainda é a Religião do Estado e que ainda não está revogada a lei concordatária entre a Igreja e o Estado e que as leis da Igreja determinam que nos Cemitérios haja separação entre o recinto destinado a católicos e não católicos; que a razão da porta do Cemitério dos não católicos não abrir é única e exclusivamente por a fechadura estar com muita ferrugem e que esta parte do Cemitério estava perfeitamente defendida de qualquer acção vandálica e que não tinha silvas nem mato embora estivessem as ervas um pouco crescidas e que pedia autorização à Junta para dar conhecimento desta sua declaração à Administração do Concelho.

    Apesar da aprovação anterior, a Junta deliberou não fazer qualquer alteração no Cemitério sem dar prévio conhecimento à Administração do Concelho, mas não deixou de manifestar estranheza pelo facto da Junta transacta (ainda do tempo da Monarquia e presidida precisamente por Monsenhor Paulo Antunes), gastar 8 000 réis por ano na limpeza do Cemitério, e não chegar para arranjar a fechadura.

    Mais tarde, com a Lei da Separação do Estado das Igrejas, e a passagem da administração dos cemitérios para o Poder Civil, o Cemitério passou a ser único para todos os defuntos, independentemente da crença de cada um.

    No ano de 1918, durante o período sidonista, o Cemitério de Ermesinde mostrava-se acanhado para receber todos os cadáveres que a grande mortandade daquele tempo (tempo da 1.ª Guerra Mundial e, logo depois, da Pneumónica) provocava, obrigando à remoção de cadáveres antes de decorridos os 5 anos de lei. Por isso, a Junta da Freguesia da Presidência de António Silva Baltazar Brites deliberou ampliar o Cemitério, com a aquisição de terrenos do lado Sul, que pertenciam a Manuel Marques Pereira, Domingos Francisco de Sousa, António Luís da Silva, António da Silva Carvalho Júnior e Manuel Fernandes Baltazar. Para fazer face às despesas com a ampliação do Cemitério, a Junta alienou dez títulos, na importância nominal de dois mil e seiscentos e quarenta escudos e recorreu à cobrança de 10% sobre as contribuições directas do Estado (contribuições predial, industrial e sumptuária).

    Com a queda do sidonismo, ficou sem efeito a deliberação sobre a forma como fazer a ampliação do cemitério. O problema foi retomado em 1920, já sob a Presidência de José Antero de Sá, tendo sido aprovado aumentar o cemitério, recorrendo a um empréstimo de 2.500$00 (reunião de 29 de Fevereiro de 1920), que mais tarde foi alterado para 3.000$00 (reunião de 14 de Março de 1920). Para que esta resolução se tornasse executória era necessário ser submetida a referendo popular, devendo os eleitores da freguesia pronunciarem-se sobre o assunto. E assim sucedeu, tendo o referido referendo popular ocorrido no dia 28 de Março de 1920, sob orientação de uma Mesa que era presidida pelo cidadão Artur Elísio de Melo e Castro.

    O empréstimo de 3.000$00 foi garantido por Alberto Taborda, sem cobrança de qualquer juro (conforme se pode ler na acta da reunião de 11 de Abril de 1920) e as obras de ampliação do cemitério foram uma realidade.

    Desde então para cá, muitas e grandes obras de conservação e melhoramento foram feitas no Cemitério Central de Ermesinde, por parte do executivo da Junta de Freguesia de Ermesinde.

    Por: Manuel Augusto Dias

     

     

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