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    Arquivo: Edição de 30-04-2010

    SECÇÃO: Saúde


    Sobre os medicamentos vendidos em unidose afinal em que ficamos?

    Quando eu era pequeno, há cinco décadas atrás, mandavam-me à mercearia da minha terra (em Lisboa também era um pouco assim) comprar, que poderia ser “fiado” (aquilo que hoje se diz “a crédito”), cem gramas de açúcar, de café, etc. Comprava-se em “micro unidades/quantidades” , porque o dinheiro ou o racionamento (este no tempo da guerra que eu não “vivi” mas que foi sentido pela geração anterior à minha) não dava para mais. Era um desperdício? Depende da óptica que queiramos ou tenhamos que analisar o problema, mas, essencialmente, era a questão económica que levava o consumidor a comprar apenas essas pequenas quantidades dos bens de que necessitava. Garantidamente que, assim, não haveria desperdícios caseiros, porque, bem pelo contrário, a escassez doméstica provocava “dores no estômago”, não as da abundância de agora, mas as da “fome” desses tempos. Essas práticas do consumidor/cliente não poderiam ser do agrado do merceeiro, porque a esse interessava vender o mais possível, mas era mesmo assim a vida daquele tempo.

    Vem tudo isto a propósito sobre o “consumo” e venda dos medicamentos e da intenção do governo em incentivar a venda em “unidose”, para, assim, atingir vários objectivos, isto é, poupar no orçamento do SNS (Serviço Nacional de Saúde) e combater o desperdício. Assim, com a publicação da Portaria 697 de 2009 de 1 de Julho, o Governo pretendia regulamentar “... a dispensa de medicamentos ao público, em quantidade individualizada, nas farmácias de oficina ou de dispensa de medicamentos ao público instaladas nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde.” Reconhecia, que “ aquela medida visava evitar o desperdício e permitir uma maior poupança.”

    Infelizmente, sofro duma “doença crónica” (cardíaca, por causa dois enfartes do miocárdio), pelo que tomo, diária e rigorosamente, um conjunto (nove por dia) de medicamentos, desde há catorze anos. Sou, assim, um bom cliente das farmácias e da indústria farmacêutica. Tenho também o “direito” de ter outro tipo de doenças, felizmente de menor gravidade, sendo-me, nessas situações, prescritos uma outra panóplia de medicamentos. Frequentemente, as quantidades “aviadas” na farmácia excedem largamente as quantidades de toma recomendada pelo médico, pelo que os desperdícios acabam por ser grandes, ao contrário dos medicamentos da “doença crónica”, pois nesses não há desperdícios, dada a regularidade e a continuidade da toma. Acabo, assim, por acumular o “lixo” que terei que “devolver” à farmácia, não para esta me “ressarcir” com o excesso do dinheiro gasto, mas para que sejam encaminhados para a “reciclagem”, pois deitar medicamentos no lixo ou no campo pode ser perigoso para o ambiente ou para a saúde pública. O “lixo” acaba assim por ser o destino daqueles medicamentos que foram adquiridos (porque prescritos pela autoridade nesta matéria que é o médico) em quantidades excessivas, por não haver, geralmente, embalagens mais pequenas e mais apropriadas a tratamentos menos graves ou de menor duração. (..numa quantidade de medicamento adequada à necessidade terapêutica de determinado –in Portaria).

    O consumidor, que já não lhe basta o sofrimento da doença, ainda tem que suportar a despesa e ser “penalizado” pela compra (forçada) de quantidades de que não necessita, isto é, paradoxalmente “pagamos por sermos doentes”, mas também por termos que comprar aquilo de que não necessitamos. E o Estado como financiador do SNS, mas não só, acaba também por ser o pagador deste desperdício, porque os impostos cobrados por esse excesso de venda não compensam. É óbvio que para os agentes do “negócio” dos medicamentos (produtores, importadores e distribuidores) esta medida diminuiria o seu volume de negócio e, consequentemente, os seus lucros deste tipo de venda em unidose não interessa, porque eles ganham com a venda e não com o consumo, mesmo que o “excesso” não consumido pelo paciente seja deitado no lixo. Assim, a mediada que seria benéfica para o doente e para o SNC tarda a arrancar, porque esses agentes ainda não criaram as condições para que os medicamentos sejam vendidos, se não em uni dose, pelo menos em quantidades (embalagens) adequadas à terapia e não tenhamos que fazer com os medicamentos, (muitos deles bastante caros) aquilo que não fazemos com outros bens. Agora não vou, como antigamente, à mercearia do bairro, mas no supermercado compro apenas aquilo de que necessito e ninguém me “impõe” a compra de quantidades de que não necessito ou será um desperdício a compra, mesmo que o custo unitário baixe por essa razão, se o custo absoluto é mais alto. Se assim é neste tipo de bens, por que não, por maioria de razão, naqueles que nos doem, duplamente (os medicamentoso)? Haja pois coragem e bom senso na implementação desta medida e que o Governo dialogue com os “agentes do medicamento” e se encontre uma solução de combate ao desperdício e se alivie a “dores da carteira” do doente.

    Por: Serafim Marques (*)

    (*) Economista.

     

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