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Edição de 31-03-2024
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    Arquivo: Edição de 30-03-2010

    SECÇÃO: Crónicas


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    A Língua factor de coesão ou de ruptura

    Os mais inadvertidos terão ficado surpresos quando, após a independência, as nossas antigas colónias escolheram o Português como a sua Língua Oficial, sabendo-se que quase todos esses novos países tinham línguas autóctones e, em muitos deles, sangravam ainda as feridas abertas pela Guerra Colonial. O facto não era novo: tinha acontecido com outros países colonizados pela Inglaterra, pela França, pela Bélgica e pela Holanda anos antes.

    Muitos pensaram tratar-se de uma daquelas esquisitices ou habilidades da política, outros, displicentemente, terão arrumado o caso como se a questão não lhes dissesse respeito num “isso é lá com eles, se lhes dá mais jeito…” a acompanhar um encolher de ombros depreciativo. Deviam ter reparado que as autoridades desses novos países substituíram os nomes atribuídos pelos colonizadores às cidades por outros mais significativos para os seus povos, alteraram antigas designações de variada natureza, efectuaram mudanças em vários aspectos ligados a séculos de dependência, mas compreenderam que a língua dos que consideravam opressores seria para eles um imenso campo de liberdade, o lugar onde gente de etnias diversas, de raízes culturais nem sempre convergentes, que se expressavam em múltiplos falares, poderiam ser iguais enquanto usuários de um idioma rico de potencialidades culturais e sociais.

    Outrossim o Brasil resistiu sempre ao canto de sereia da emancipação linguística. Lembro-me de ter acompanhado, da outra margem atlântica, pelos órgãos de comunicação social e na Universidade, celeumas acaloradas entre os que advogavam a libertação idiomática e os que, sensatamente, sempre refrearam esses ímpetos autonomistas. Figuras de grande craveira intelectual, membros da Academia Brasileira de Letras, escritores conceituados, cientistas da língua colocaram-se em lados opostos da trincheira. Numa época em que o grande capital ainda não lograra impor o Inglês como idioma internacional por excelência, os Estados Unidos da América deslumbravam muitos espíritos que apontavam este país como modelo da “exemplar” colonização inglesa. O Brasil, comparável ao grande vizinho do Norte em extensão territorial, era ainda um país subdesenvolvido, com enormes problemas de afirmação. Daí o paralelismo estabelecido entre as duas antigas potências colonizadoras, ficando Portugal em nítida desvantagem com base na alegada inferioridade da sua cultura de que a língua é a porta-bandeira, situação comparável à dos que julgam o valor das pessoas pelo automóvel que ostentam ou pela forma como falam ou como vestem. Premissas duvidosas, conclusão ilógica.

    É verdade que o sistema linguístico do Português dispõe de normas diferentes em Portugal e no Brasil cujas desigualdades não se confinam à pronúncia e ao âmbito lexical, são notórias também na morfologia, na sintaxe, na estilística e noutros capítulos da Gramática, mas elas não bastam para justificar a existência de dois sistemas. Ainda que, no plano formal, tais diferenças pareçam distintivas, falantes portugueses e brasileiros entendem-se perfeitamente, quer no código oral, quer no escrito. Sendo inexequível a intervenção noutras áreas, o Acordo Ortográfico, celebrado em 1990 e recentemente entrado em vigor, teve como grande objectivo obviar a um maior desvio entre as duas normas existentes. A criação da CPLP e os esforços desenvolvidos por outros organismos oficiais de um lado e do outro do Atlântico constituem barreira segura contra as investidas dos que julgariam vantajoso o surgimento de uma nova língua. Ademais, a existência de tantos países independentes, em diversos continentes, detentores de uma só língua, oferece a todos extraordinária confiança e favorece a sua actuação no concerto internacional.

    A Língua unifica, não divide; a Língua congrega, não dispersa; a Língua enriquece, não diminui. A Língua é o mais poderoso instrumento de unidade, um elo de integração e de comunhão, veículo que irmana sociedades e lhes permite o acesso e a fruição aos valores culturais que séculos de história foram solidificando.

    Portugal é o mais antigo Estado europeu com território definido desde o século XIII para o que a Língua contribuiu de forma determinante. Com efeito, os mais antigos textos em Português datam do início desse século. A partir de 1255 o Português foi adoptado como “língua de registo” na chancelaria régia por determinação de D. Afonso III. Em 1290 D. Dinis cria a primeira Universidade (Estudos Gerais) em Lisboa e decreta que o Português, até então conhecido como língua vulgar, passe a ser considerado como Língua Portuguesa e como tal oficialmente usado. De Português arcaico desde então e até ao século XVI, torna-se Português moderno a partir de 1516 com a publicação do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende. Tratava-se já de uma língua robusta, dona de todos os atributos necessários para representar um povo indómito em plena expansão e domínio de mares e continentes. Foi ela o elemento agregador não apenas de todos os portugueses mas do mundos novos que estes criaram.

    Em contrapartida, veja-se o que sucedeu no resto da Península Ibérica. De muitos reinos é constituída a Espanha actual: Leão, Aragão, Navarra, Catalunha, Castela, Andaluzia, País Basco (Euskadi). Deixei este no fim para mostrar como a sua Língua, o Euskara, foi e continua a ser porta-bandeira de um território cuja origem e características se perdem no tempo e determinam um sentimento de independência, manifesto numa guerrilha que parece nunca mais ter fim. Na Verbo- Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, L. Gonzalez afirma que «o povo basco é um enigma na origem étnica e linguística, que o idioma vasconço é o mais antigo do Ocidente e não apresenta analogias com nenhum outro conhecido». Desde o final do Império Romano, os Bascos uniram-se aos Godos contra o Islão no séc. VIII, e a Castela nos séculos XII, XIII e XV conservando, no entanto, as suas liberdades fundamentais. Devido a uma política errada da monarquia espanhola, no séc. XIX instituiu-se o separatismo fundado por Sabino Arana Goiri e, desde então, mantém-se em todo o seu território uma aspiração independentista que, entre outras formas, se expressa na guerrilha da ETA responsável por tantas vítimas inocentes. O que a Língua estrutura, os interesses económicos e a miopia política com frequência destroem. A Língua Catalã, também de origem latina, é, embora em menor escala e talvez por isso, outro exemplo de distinção relativamente ao castelhano. Ao longo de séculos, este território já foi independente, deixou de o ser e mantém aceso esse ideal que o pode conduzir à separação caso os ventos nacionalistas continuem a soprar. Talvez com traços menos distintos, a Galiza e a Andaluzia alcançaram uma autonomia muito alargada. Como é sabido, o galego é uma língua que a separação histórica fez divergir do Português, possuindo em comum o período da Poesia Trovadoresca até ao séc. XIV. A Andaluzia guarda a herança duma época extensa de domínio árabe.

    Inúmeros são os exemplos que poderiam aqui ser desenvolvidos mas não cabem nas limitações desta crónica. De todas as considerações feitas, creio depreender-se a inegável e fundamental importância que os idiomas representam na existência humana.

    Por: Nuno Afonso

     

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