Subscrever RSS Subscrever RSS
Edição de 31-03-2024
  • Edição Actual
  • Jornal Online

    Arquivo: Edição de 28-02-2010

    SECÇÃO: Destaque


    DIA INTERNACIONAL DA MULHER

    A mulher – libertadora de si própria

    Em mais esta ocorrência do Dia Internacional da Mulher, decidiu “A Voz de Ermesinde” debruçar-se mais uma vez sobre os progressos que em matéria de igualdade e políticas de género têm vindo a ser feitos, quer a nível mais geral (legislativo nomeadamente), quer a nível da realidade local. Para isso decidimos propor à conselheira municipal para a Igualdade Eunice Neves que nos falasse da evolução da situação da mulher a vários níveis, no âmbito do concelho, e das políticas e serviços que, nesse sentido, se projectam ou têm vindo a ocorrer no município de Valongo, através da actividade da Agência para a Vida Local.

    Fotos URSULA ZANGGER
    Fotos URSULA ZANGGER
    Eunice Neves, técnica municipal responsável pela Agência para a Vida Local, é também a figura, que ao nível da edilidade, mais tem representado a evolução das políticas para a igualdade de género, questões a que está ligada também ao nível da investigação académica.

    Recebe-nos precisamente nas instalações da Agência para a Vida Local em Ermesinde, uma divisão da Câmara Municipal de Valongo responsável pelo lançamento de diversos serviços que tentam, de algum modo, responder a solicitações que têm que ver, em grande parte, também com estas preocupações.

    De imediato começa por abordar a evolução da situação da mulher no nosso país, e a produção legislativa mais recente em matérias de política de género.

    As atitudes mentais interiorizadas por séculos de discriminação são uma barreira difícil de transpor.

    «A alteração das mentalidades é difícil de operar – adverte – não basta fazer sessões de sensibilização, há ideias tendentes à igualdade de género que até causam estranheza nas pessoas».

    «Estes conceitos têm que ser de disseminação transversal – precisa ainda melhor –, as medidas favoráveis à igualdade de género não se destinam apenas às mulheres».

    E mais ainda, refere a conselheira, muitas vezes são as próprias mulheres que persistem em reproduzir os mecanismos da sua própria desigualdade. E isto é tanto mais notório nos estratos sociais de menores recursos.

    Por outro lado, insiste Eunice Neves, não basta realizar a promoção da igualdade de género ao nível da intervenção por uma evolução das mentalidades, processo que, em si, será sempre muito moroso e complexo, é necessário acompanhar esse trabalho com medidas que impliquem a obrigatoriedade de novos comportamentos. Essas medidas acabam por traduzir-se, a prazo, numa alavanca que leva, a pouco e pouco à adopção espontânea de novos comportamentos e de novos valores.

    Exemplos de medidas desse género são os últimos pacotes legislativos no que diz respeito aos direitos de parentalidade. O facto de se prever o direito ao uso de um tempo destinado aos cuidados com os filhos, não apenas por parte da mãe, mas igualmente por parte do pai, pode ser motivador de uma atitude diferente no que respeita ao papel de cuidador dos filhos na família, que tradicionalmente era atribuído apenas à mulher. Mas isto também não se faz sem alguma sagacidade no sentido de tornar as medidas realmente efectivas. Por exemplo, neste caso, se o tempo de apoio aos filhos pode atingir um máximo de seis meses, tal direito só é conferido na circunstância da participação do pai no mínimo de um mês desse tempo destinado ao cuidado dos filhos.

    Outro exemplo de políticas de promoção da igualdade é a recente aprovação (e aplicação efectiva) do sistema de quotas nas candidaturas eleitorais, “obrigando” a que uma perspectiva feminina se possa exprimir melhor ao nível dos poderes políticos que também tradicionalmente lhes estavam vedados.

    Sobre esta questão, Eunice Neves está a investigar até que ponto estes mecanismos legais de paridade podem, na prática, ser completamente ultrapassados nas áreas e situações que a legislação não abordou.

    Se há uma quota obrigatória para a apresentação de uma lista, nada obriga a que a nível efectivo da representação, o princípio da paridade se mantenha, ele pode ser subvertido de diversas formas, por exemplo através de desistências (das eleitas a favor dos homens) ou, noutro exemplo, como na formação da Junta de Freguesia a partir dos eleitos na Assembleia, em que esse Executivo poderia eventualmente ser até inteiramente constituído por homens. É uma questão curiosa, cuja investigação trará, com certeza, resultados esclarecedores a propósito.

    A SITUAÇÃO

    DA MULHER

    NO MERCADO

    DE TRABALHO

    foto
    Com base num breve apanhado de notas estatísticas sobre a situação da mulher no trabalho, em Portugal, a que recorreu para uma recente participação sua num seminário em Vouzela, Eunice Neves, ajuda-nos a traçar uma imagem da situação da mulher entre nós, a nível social e económico.

    É desde logo óbvia a especialização da mulher para certas tarefas em detrimento de outras. Por exemplo, a taxa de feminilização por ramos de actividade, segundo dados do INE (2006), apontava para 75,7% de mulheres na Educação, 81,9% na Saúde e Serviços Sociais e apenas 4,5% na Construção.

    Também a análise da mesma taxa ao nível de grupos de profissões é sintomática (ainda dados do INE, 2006): Nos quadros superiores da administração pública, dirigentes e quadros superiores de empresa (isto é os decisores), a taxa de feminilização não ultrapassa os 32,8%, embora entre os/as especialistas das profissões intelectuais e científicas seja de 57,2%. Reveladora é igualmente a taxa de feminilização para trabalhadores/as não qualificados/as – 65,2%!

    Quanto às remunerações, é também sintomático que a maior diferenciação surja a nível de quadros superiores (73,8% da remuneração feminina relativamente à masculina), enquanto essa diferenciação é sempre da ordem dos 82 a 89% para outros quadros e profissionais, e se aproxima mais um pouco da igualdade (95,1%) nos praticantes e aprendizes (segundo dados do mapa de Quadros de Pessoal de Outubro de 2004 do DGEEP do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social).

    UMA BREVE

    CARACTERIZAÇÃO

    DO CONCELHO

    A solicitação da reportagem de “A Voz de Ermesinde”, e com base nos dados do estudo da Rede Social do concelho, Eunice Neves traça depois um breve quadro de caracterização do município de Valongo.

    Em termos de evolução demográfica, no Grande Porto, há um dado que salta aos olhos de imediato, entre 2001 e 2008, Valongo foi o segundo concelho com maior aumento da população residente (de 86 005 para 97 138 habitantes, isto é um aumento de 12,9%), só superado pelo concelho da Maia e à frente de Vila Nova de Gaia, Trofa, Gondomar e Póvoa de Varzim, os que vêm a seguir.

    Se atentarmos nessa evolução ao nível das freguesias do concelho de Valongo, vemos que ela tem sido feita sobretudo à custa da freguesia da sede do concelho (42,7%), contra 12,7% em Alfena, 11,3% em Ermesinde, e 9,2% em Campo, embora estes valores se reportem à comparação dos censos anteriores (1991-2001).

    Já a freguesia de Sobrado, neste período, apresentava um diminuto aumento da população.

    Mesmo assim, em 2001, a densidade populacional apresentava uns muito desiguais 5 049 habitantes por quilómetro quadrado em Ermesinde, contra 1227 hab/Km2 em Alfena e 859 hab/Km2 na freguesia de Valongo.

    Mas em termos de população residente, Valongo, com os seus 18698 habitantes (2001) estava ainda longe dos 38 315 residentes na freguesia de Ermesinde.

    Outros dados a reter do concelho são o 3º menor índice de envelhecimento a nível do Grande Porto e o 2º mais baixo índice de dependência de idosos.

    São números de grande relevância para afinar as políticas de maternidade e planeamento famliar no concelho.

    Por outro lado, e avançando agora para uma caracterização económica, para esta população, verificava-se, segundo estudos do INE (de 2007), um total de 25 346 activos nas empresas do concelho, sendo que a média mensal dos trabalhadores por conta de outrem era de 850 euros, com uma disparidade salarial segundo o sexo, de cerca de 225 euros.

    Quanto aos números do desemprego, mais uma vez a disparidade é patente ao nível concelhio (embora não com um padrão distinto do verificado a nível nacional, sejamos claros evidentemente), com 4 094 inscritas no Centro de Emprego local (em Outubro de 2009), correspondentes a 57% do total, contra 3 090 inscritos do sexo masculino, isto é os restantes 43% do total.

    Já agora diga-se também que a disparidade salarial, no concelho, mas também portuguesa, apresenta alguma variação em relação à média comunitária (segundo as notas recolhidas por Eunice Neves, Portugal é o segundo país europeu com maior diferença salarial entre sexos, a seguir à Eslováquia, com os homens a ganharem 25,45% mais do que as mulheres, contra uma média europeia de 15,9% de diferença, segundo dados do relatório anual de 2007 da Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho (Eurofund).

    E a situação só não será ainda pior em Portugal dadas as grandes alterações estruturais ocorridas após a Revolução dos Cravos.

    O PLANO MUNICIPAL

    PARA A IGUALDADE

    foto
    Eunice Neves fala depois de um importante documento estratégico numa fase adiantada de preparação – neste momento encontra-se em análise na CIG (Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género), após o que, recolhidas as suas achegas e o seu parecer positivo, será apresentado ao Executivo valonguense.

    O Plano prevê acções de formação e de sensibilização que serão direccionadas, precisamente, para a Câmara, numa dimensão interna, mas que se espera, possam implicar a correcção de políticas e da sensibilidade relativamente às questões de género.

    Este trabalho de sensibilização vai de par, sublinha a conselheira, com a criação de serviços municipais (através da Agência para a Vida Local, AVL), susceptíveis de ir ao encontro das necessidades das mulheres (ou das famílias, se se quiser, já que aquelas têm um papel de cuidadoras que é fulcral na nossa sociedade.

    Entre esses serviços figura, por exemplo, o Espaço Infantil Imediato, que acolhe as crianças por um período que permita, por exemplo, às mães irem fazer compras, ou ausentarem-se numa tarefa em que não possam fazer acompanhar-se dos filhos.

    Trata-se de um serviço gratuito, o que é inclusive causa de estranheza.

    Mais uma vez e não surpreendentemente, o serviço não é acedido sobretudo por mulheres dos estratos sociais mais baixos.

    O Espaço Infantil Imediato dispõe de generosas instalações em Valongo (uma área de 400 m2), que em nada se comparam à salinha para o efeito existente na AVL em Ermesinde.

    Outro serviço da AVL com bastante impacto na população feminina é o Clube de Emprego e Formação, curiosamente procurado por uma percentagem de 70% de mulheres contra apenas 30% de homens, o que reflectirá razoavelmente a estrutura do (des)emprego no concelho.

    Sessões de carácter prático, como conselhos na hora de procurar um emprego, ou como elaborar um curriculum são algumas das ajudas proporcionadas por este serviço.

    Em colaboração com o Gabinete do Empresário, foram também organizadas palestras sobre autoemprego e microcrédito no feminino.

    Ainda na área económica, destaque-se a Rede Local de Emprego, que pretende sentar à mesma mesa, as entidades que intervêm neste terreno: escolas, empresas, centros de formação, Câmara Municipal, etc..

    Tenta-se assim compatibilizar o máximo possível a oferta e a procura de emprego no concelho.

    Exemplos dados por Eunice Neves são as indústrias de metalurgia e metalomecânica e de mobiliário, muitas vezes não acedidas pelas mulheres por razões de representação social que não correspondem à realidade efectiva (a metalurgia já não é aquela indústria suja e pesada, inapropriada ao trabalho feminino; o mobiliário é também concepção e desenho e não apenas “carpintaria”).

    Preocupação é também a realização de acções de marketing profissonal.

    Uma nova iniciativa no concelho irá igualmente surgir em breve, com a realização da I Feira do Emprego e Formação do Concelho de Valongo. Decorrerá de 18 a 20 de Março, no Fórum Cultural de Ermesinde, por razões de centralidade, estando já inscritas a generalidade das empresas do concelho. Também aqui será visível o apoio às políticas de género.

    Um outro serviço da Agência para a Vida Local num âmbito distinto é o AVL Informação, que funciona como facilitador da vida aos cidadãos e cidadãs, fornecendo por exemplo os contactos e preços de lares da 3ª Idade, infantários, creches e outros serviços de apoio social.

    Em termos de sensibilização para a igualdade e contra a discriminação, não apenas de género, mas também de orientação sexual, de etnia, contra os portadores de deficiência e outros – numa dimensão de educação não formal – surgiu a Biblioteca Humana, em que várias pessoas entendidas nas matérias referidas irão funcionar como se fossem livros vivos, que poderão ser acedidos pela população escolar (destina-se aos alunos do 9º ao 12º Ano da escolaridade, e decorrerá de 1 a 24 de Março, percorrendo as várias escolas do concelho. Os “livros” serão provenientes, entre outras, de entidades como a ACAPO, a Associação Pontos nos II, a Rede Ex-Aequo.

    Ainda nesse âmbito da educação não-formal, Eunice Neves refere a realização de acções de teatro-conferência, em que se dramatizam situações diversas (exemplos: mulheres ciganas, pobreza infantil, bullying, exclusão social, mutilação genital feminina). E a propósito desta última (cuja ocorrência, pouco conhecida em Portugal, mas que se manifesta, em casos esporádicos, sobretudo, a nível da Grande Lisboa), considera que as idiossincrasias culturais não podem nunca sobrepor-se ao respeito pela pessoa humana.

    Finalmente, a AVL criou também cursos de âmbito mais geral, dedicados à formação parental, e embora tal adesão não tivesse sido inteiramente espontânea –, admite a técnica municipal –, estas acções, enquadradas na acção Gestão do Tempo e Funções Parentais, contaram com uma apreciável participação dos maridos.

    POLÍTICAS

    DE VANGUARDA

    foto
    Eunice Neves estima que o concelho de Valongo se encontra numa posição de vanguarda no que respeita à adopção de muitas destas políticas de género.

    Não enjeitando a sua quota-parte de responsabilidade, a conselheira para a igualdade aponta, contudo, a «capacidade visionária» de Fernando Melo a nível político como a grande responsável pelo surgimento de muitas destas medidas e serviços sensíveis às questões da igualdade (de género e outras). Haverá muitos concelhos com técnicos empenhados, mas em que a decisão política (ou a sua ausência) não permitiria a passagem à prática dessas intenções de intervir.

    Na edilidade de Valongo isso seria possível, com tudo o que implica, naturalmente também em termos de disponibilização de recursos.

    Num documento, precisamente da responsabilidade de Eunice Neves, sobre “A Promoção da Igualdade de Género na Administração Local – especificidades, desafios e responsabilidades – caso da Câmara Municipal de Valongo” refere-se que «a desigualdade e discriminação com base no sexo são persistentes nas diferentes esferas da vida das pessoas» e que «afectam tanto mulheres como homens de forma diferenciada».

    O documento aponta depois para a consagração da igualdade entre homens e mulheres, a nível dos próprios princípios da Constituição Portuguesa (Art. 13º), «sendo a sua promoção uma das tarefas fundamentais do Estado (Art. 9º)».

    Referindo de seguida que «a Administração Pública Local desempenha um papel essencial na promoção da igualdade de género pela sua relação de proximidade com as populações que serve», o documento aponta os objectivos do III Plano Nacional para a Igualdade – Cidadania e Género (2007-2010): «Apoiar a integração da dimensão de género nas diferentes áreas de política da Administração Local».

    E finalmente, concretiza:

    «O compromisso com a Igualdade de Género a nível local permite:

    Promover a igualdade entre mulheres e homens e uma sociedade verdadeiramente igualitária;

    Empreender acções concretas que visem a igualdade de género;

    Responder de forma mais eficiente e eficaz aos desejos e necessidades de umas e outros;

    Promover a utilização racional de recursos humanos e financeiros;

    Melhorar os processos de tomada de decisão;

    Promover o funcionamento da democracia».

    UMA QUESTÃO

    DE PRINCÍPIOS

    Mas para além daquilo que possam ser as políticas municipais e o seu plano específico para a promoção da igualdade, para Eunice Neves, deve avultar o papel da autoconsciência.

    Autoconsciência essa que – Eunice Neves refere – é patente nos comportamentos, atitudes e na própria cultura, como por exemplo na linguagem. Uma linguagem sexista, usando o masculino para se referir ao geral, também ajuda a manter os factores de discriminação.

    Só a autoconsciência permitirá dar a volta às circunstâncias que resultam de uma discriminação que decorre “normalmente”, e com as quais é preciso romper.

    Mas este rompimento só pode ser feito com a participação crucial das próprias mulheres, numa perspectiva de empoderamento, isto é com elas mesmas a encontrar o caminho da sua própria libertação.

    Por: LC

     

     

    este espaço pode ser seu Este espaço pode ser seu Este espaço pode ser seu
    © 2005 A Voz de Ermesinde - Produzido por ardina.com, um produto da Dom Digital.
    Comentários sobre o site: [email protected].