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    Arquivo: Edição de 30-01-2010

    SECÇÃO: Destaque


    Entrevista a Carlos Coutinho, autor de “Artrópodes Auxiliares na Agricultura”

    Mais conhecido em Ermesinde por outras actividades, de carácter cívico, o técnico agrícola (da Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Norte) Carlos Coutinho é o autor de numerosos trabalhos de investigação, sendo eventualmente o mais ambicioso “Artrópodes Auxiliares da Agricultura”, editado com data de Dezembro de 2007, e para o qual se prepara, em breve, uma segunda edição.

    Esta conversa pretende dar a conhecer aos leitores a importância deste trabalho – para os agricultores e sobretudo para os futuros técnicos –, e divulgar igualmente junto da nossa comunidade, a importância do trabalho científico levado a cabo pelo autor e desconhecido da generalidade dos nossos leitores, e ainda abordar várias questões da sua competência, no domínio das práticas agrícolas e da política ambiental.

    Fotos URSULA ZANGGER
    Fotos URSULA ZANGGER
    Técnico do Ministério da Agricultura ,do Desenvolvimento Rural e das Pescas na Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Norte, Carlos Coutinho é o autor do livro “Artrópodes Auxiliares da Agricultura”.

    Como lhe veio o projecto da publicação deste livro? De uma forma quase fortuita, apenas porque ao trabalhar numa das muitas fichas de que é autor (e que estão publicadas no site da DRAP Norte, inclusive disponíveis para download), ao deparar--se com a informação recolhida e tratada, sobre a importância do papel auxiliar dos insectos, um amigo que com ele trabalhava no domínio da ilustração científica lhe sugeriu que, em vez de simples fichas, o autor publicasse sim, não um conjunto de fichas, mas um livro, o que ele viria de facto a concretizar (refira-se desde já que também o livro está disponível para download, em versão integral).

    Para se ter uma melhor ideia do trabalho de Carlos Coutinho, a DRAP Norte conta entre as suas publicações disponíveis, as referidas fichas técnicas, as seguintes: “Oídio, Traça e Podridão Cinzenta da Videira” (2002), “A Zêuzera – Broca dos Ramos e do Tronco das Fruteiras” (2004), “Insectos Auxiliares da Agricultura” (2004), “Aves Insectívoras” (2005), “Animais Auxiliares da Agricultura” (2005), “Pragas da Macieira” (2006), “O Pedrado das Parmóideas” (2006), “Sintomas do Míldio da Videira” (2008), “Bacteriose da Nogueira” (co-autor, 2008) e “Olho de Pavão – doença comum do olival” (2008).

    Carlos Coutinho fala-nos desses trabalhos, e das sugestões que através deles se dão aos agricultores. De como, por exemplo, as cobras penetram nas galerias dos ratos e têm um importante papel do controlo de várias espécies destes roedores, ou da prática completamente irrazoável de matar os licranços, réptil totalmente inofensivo e predador de muitas espécies nocivas para a agricultura. Da importância, no domínio agrícola, de preservar espécies como as raposas ou os ouriços-cacheiros. Os pardais, por exemplo, em 80% do ano alimentam-se sobretudo de insectos, só no Inverno se alimentando de grãos devido à escassez desses recursos.

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    A divulgação destas fichas e outras publicações de interesse dos agricultores é feita sobretudo em feiras.

    Da parte dos agricultores, existe um grande desconhecimento dos benefícios da protecção destas espécies, a que não será alheia a deseducação levada a cabo pela indústria química que, no pós-guerra conseguiu generalizar o uso de insecticidas e pesticidas, alguns dos quais, como o DDT, se vieram a revelar altamente perigosos, já que, como neste caso, entrando na cadeia alimentar, nunca mais são excretados, passando de espécie para espécie.

    Hoje em dia, todavia, a comunidade internacional tem vindo a limitar o uso de muitos químicos e essa é mesmo uma das razões que “obrigam” a uma nova edição de “Artrópodes Auxiliares na Agricultura”, já que, por exemplo, os anexos presentes no livro “Efeitos secundários não desejados dos produtos fitofarmacêuticos...” se encontram desactualizados por muitos desses produtos terem entretanto sido banidos.

    O próprio uso de muitos produtos químicos pelos agricultores é muitas vezes desadequado, já que é vulgar recorrer-se a uma sobredosagem para obter melhores ou mais rápidos efeitos, quando as concentrações aconselhadas já são por si, muitas vezes, objecto de sobredosagem (uma estratégia defensiva dos fabricantes), como estudos laboratoriais independentes têm comprovado muito frequentemente.

    A própria indústria química procura adaptar-se aos novos tempos, produzindo, por exemplo, insecticidas “biológicos”.

    Mas hoje em, dia, prova de que se vive já uma situação diferente, é o facto de o mercado dos animais auxiliares da agricultura ser um negócio florescente, havendo cerca de 400 espécies comercializadas na Europa (embora nenhuma das quais produzida em Portugal, salvo um caso particular na Madeira, com a produçãode machos estéreis da mosca-do-mediterrâneo, uma praga das fruteiras). A importação, em Portugal faz-se sobretudo da Holanda e da Grã-Bretanha. Nesta área concreta do combate biológico, com a introdução de espécies auxiliares, Carlos Coutinho recorda apenas uma acção concreta em que participou, com a largada de insectos que parasitam as larvas da mosca-branca-das-estufas, na zona de Famalicão.

    De resto, no seu trabalho quotidiano, o técnico trabalha é no sector dos Avisos Agrícolas, que consiste na produção e divulgação de boletins, editados sem periodicidade certa, e de carácter exclusivamente fito--sanitário.

    A sua oportunidade é precisamente determinada pela evolução climática ou de outros factores que intervêm no surgimento das pragas.

    Estes conselhos podem ser, por exemplo, de quando, como e com quê combater uma praga, ou até um aviso negativo, o de aconselhar, como exemplo contrário, até a não fazer nada.

    Os avisos são, digamos, uma prática universal, geralmente limitando-se a esses aspectos fito-sanitários, embora, em Espanha, por exemplo, já se dêem conselhos de rega.

    Os novos agricultores começam a apresentar uma nova atitude perante as culturas, mas os mais velhos, relativamente aos insectos, por exemplo, têm realmente um desconhecimento muito generalizado. As únicas espécies que tradicionalmente protegem são as abelhas (por causa do mel) e, mais recentemente as joaninhas, de que existirão em Portugal cerca de 120 espécies identificadas (!).

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    Mas muitas outras espécies são ignoradas ou mesmo destruídas, algumas delas de excepcional importância, como as crisopas, extremamente vorazes e que comem os ácaros e os piolhos das culturas. Ou os himenópteros, como o tricograma, que parasitam os ovos dos próprios insectos, e que são conhecidos e usados com muito êxito, há muitos anos, por exemplo na Índia e na antiga União Soviética. A este propósito, Carlos Coutinho faz aqui um parêntesis para referir a cooperação histórica neste domínio, entre a comunidade de investigadores franceses e soviéticos, o que se terá ficado a dever, muito provavelmente à histórica influência da cultura francesa na Rússia (recorde-se que toda a corte e alta nobreza russa, antes da Revolução de Outubro falava Francês).

    Devido à grande insensibilidade e às vezes mesmo aversão dos agricultores pelos insectos e mesmo outros animais, muitas vezes os técnicos preferem levar à prática a protecção dessas espécies dando conselhos indirectos (como o de não se queimarem os silvedos – antes cortá-los, de não tapar a entrada de minas, de não deitar os tratamentos químicos nas beiras dos caminhos, de manter as árvores antigas, etc.).

    Por isso, o livro “Artrópodes Auxiliares na Agricultura” tem como destinatários principais não os próprios agricultores, que seriam os interessados mais directos, mas os estudantes, do Secundário, por exemplo, futuros técnicos ou futuros agricultores.

    Também outras espécies herbáceas ou arbustivas são, por vezes, habitat de espécies auxiliares, sendo aconselhável a sua proximidade de certas culturas. É esse papel que muitas vezes têm as sebes, caso das sebes de sabugueiro, muito úteis nas proximidades de pereiras e macieiras, pois atraem insectos que são inimigos das pragas do pomar.

    Tal como também existirão contra-indicações, caso de algumas plantas da grande família das rosáceas, que são desaconselháveis nas imediações dos pomares.

    Um outro exemplo, a uva-espim, uma planta muito usada, é hospedeira secundária da ferrugem-dos-cereais.

    A PRÁTICA

    DAS PODAS

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    Questionado sobre a questão da prática das podas, Carlos Coutinho invoca a obra de Vieira Natividade, engenheiro agrónomo e silvicultor (nascido em Alcobaça e falecido em 1968), e que é uma referência da silvicultura portuguesa – autor de uma ainda hoje considerada a melhor obra sobre a cultura dos sobreiros. Pois Vieira Natividade considerava precisamente que muitas das podas levadas a cabo não eram verdadeiras podas, mas simples decapitações.

    Segundo este autor a poda deveria pressupor uma grande sensibilidade para com as necessidades da árvore, o que muitas vezes não se verificava.

    Por aquilo que se vê, muitas vezes a melhor poda é não fazer nenhuma.

    Para a árvore, a poda, em princípio, só traria malefícios.

    E Carlos Coutinho refere a grande falta de sensibilidade manifestada em muitas das chamadas podas que ele vê, por exemplo, neste concelho de Valongo – falando, em particular da maneira de “podar” os plátanos, que muito recentemente foram alvo da intervenção municipal em vários locais de Ermesinde.

    Se se quer fazer uma poda, preservando minimamente a saúde da árvore, então uma das forma seria cortar apenas alguns dos ramos e não todos, como se vê frequentemente, porque as árvores acumulam reservas nos pequenos ramos, que as ajudam depois e que devem, por isso, ser preservados.

    Relativamente ao tratamento das árvores ornamentais do concelho, o técnico agrícola não tem dúvidas de que existe uma grande impreparação e dá, como contraponto o exemplo positivo da Câmara Municipal da Maia, citando o muito bem tratado Parque dos Moutidos como exemplo do que se deve fazer, e por sua vez defendendo o papel destes parques de proximidade.

    Sobre a plantação de plátanos em ambiente urbano, Carlos Coutinho não tem nada a opor, em princípio, desde que plantados em locais com espaço amplo.

    A maior parte dos plátanos aqui plantados são espécies híbridas americano--europeias.

    No caso controverso das árvores que Junta de Freguesia pretende abater no largo da feira antiga, Carlos Coutinho não se oporia, por princípio ao abate de algumas árvores, mas no caso presente, considera um pretexto sem fundamento e acha grave a mutilação da alameda do lado superior, para aí se poderem implantar baias de estacionamento.

    Faz finalmente uma espécie de passagem à vol de oiseau sobre a cidade de Ermesinde e a sua riqueza silvícola, para assinalar que, embora seja já reduzido o seu espólio, há ainda um ou outro caso de espécies muito valiosas em Ermesinde, e concretiza, a título de exemplo, com a presença ao cimo da Gago Coutinho, de uma canforeira, talvez única em Ermesinde!

    Por: LC

     

     

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