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Edição de 31-03-2024
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    Arquivo: Edição de 15-01-2010

    SECÇÃO: Crónicas


    Pobres anjos

    Eles estavam ao sol. Dia de Verão, longe da praia, no centro de um engarrafamento, entre poeiras e fumo, entre o sol e o alcatrão fervido, entre a espada e a parede. Um mais limpo e mais esperto que o parceiro, talvez fosse o mais velho, mas com poucos anos de diferença. O parceiro mostrava-se enfadado e a vontade de encontrar forças para suportar o calor era mais notória que a forte cintilação do astro-rei. Ambos carregavam uma missão: vender meias, pensos, porta-chaves e uns quantos filmes pirateados, dentro da mochila que abrandava o seu andar, devido ao seu peso desproporcionado.

    A uns metros de distância, na sombra, podia-se ver nestas figuras uma conivência familiar. O que já tinha atravessado entre a enorme e rumorosa fila de carros de quase todas as cores, ia-se virando para trás, observando o mais novo na nova tentativa de convencer os condutores a comprar. Fazia-lhe sinais para parar, mas não adiantava. Ele negava-se a parar, pois não queria parecer o mais débil.

    Dois jovens, o mais velho na casa dos vinte e o outro talvez com uns quinze anos. Estavam famintos, sujeitos à estupidez dos automobilistas, ansiosos por chegar a casa e se entregarem ao seu abrigo, limpo e confortável, algo que os dois jovens não tinham.

    Será que iriam almoçar? Provavelmente, não. Mas, já sabiam como era a vida. Apenas uns bocados secos de pão e uma garrafa de água que tinha de durar o mais tempo possível, pois não tinham o acesso que todos nós temos a uma torneira a esbanjar água. Deitaram-se num descampado, ali mesmo a beira da estrada, tentando repousar o corpo em terra batida, com o ruído dos carros e camiões.

    Partilharam os restos de pão seco, algumas gotas mornas de água e gestos de ternura. No meio de tanta pobreza e fadiga, havia algo mágico capaz de serenar tempestades e limpar os oceanos. Entre estes dois jovens desafortunados, via-se cumplicidade, amor e carinho. Apenas ali se via isso, no local mais isolado de um mundo com mais de 6 biliões de pessoas.

    Por: André Bessa

     

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