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    Arquivo: Edição de 30-10-2009

    SECÇÃO: Destaque


    Amar o ferro acima de todas as coisas

    No passado dia 28 de Outubro comemorou-se o Dia Mundial da 3ª Idade. Data com um significado carregado de emoção e história, achamos por bem ouvir uma personagem que, pela sua longa vida e o seu percurso, desperta muito interesse daqueles que melhor conhecem o seu engenho e a sua genica. Hoje, com a memória já a pregar algumas partidas, lá do alto dos seus 93 anos (nasceu em 1916) as contas atrapalham-se e refere uns mesmo assim muito respeitáveis 84. Mantém todavia ainda muita da fibra ou, mesmo rispidez, como ele próprio reconhece, que o caracterizou desde miúdo. Falamos de Alberto Lourenço Ferreira da Silva, a quem todos conhecem como Capitão, personalidade que aliás, é um dos rostos de Ermesinde, seleccionados por Jacinto Soares no seu livro “Ermesinde – Memórias da Nossa Gente”.

    Fotos MANUEL VALDREZ
    Fotos MANUEL VALDREZ
    Filho de lavradores, numa época em que o milho era a grande riqueza da localidade, Alberto Capitão conta que, em miúdo, era muito “rijo”. Dado o seu carácter e as posses familiares, puseram-no a estudar no Colégio de Ermesinde, que frequentou até ao 4º Ano do liceu. E ficou-se por aí porque devido a um problema ocorrido naquele estabelecimento de ensino («tive uma zanga com um padre, conta»), viu-se envolvido num processo disciplinar, e não quis estudar mais.

    O pai também não o compeliu a continuar. «Não faz mal, há aqui muito que fazer!», foi a seca reacção do abastado lavrador, que à época possuía também uma moagem de milho. Sendo um de quatro filhos, a fazenda exigia braços e os de Alberto foram então bem-vindos.

    A moagem essa está hoje desaparecida. Um dos irmãos (eram quatro ao todo) ainda a dirigiu muitos anos após a morte do pai, mas o declínio da cultura do milho levaria à sua morte inevitável, depois de anos «a cair, a cair, a cair...»).

    Alberto Capitão compara ainda esses tempos de fartura de então com a penúria da produção agrícola de hoje, «eu nessa altura chegava a colher 35 pipas de vinho e hoje nem uma»...

    Com 22 anos tirou a carta de pesados, para conduzir um camião necessário nos transportes ao serviço da moagem.

    Tempos muito mais atrás ainda... foram, por estas terras, os das lutas liberais, quando por cá passou um certo capitão do exército. Pois é daí que vem o nome por que todos o conhecem e que, não sendo o seu de baptismo, ele não enjeita.

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    De resto também ele foi militar de cavalaria, por volta dos anos 35/36, quando fez a tropa ali no Monte Pedral, perto de aonde é hoje o BCG. Sem nunca ter sido cavaleiro, era o melhor a cavalgar, conta divertido, recordando a agilidade com que saltava então do chão para a garupa.

    Mas mais ou menos na altura em que abandonou a escola ou pouco depois – recorda –, tinha um primo, um pouco mais velho do que ele, que foi estudar Engenharia. Fosse por isso, fosse porque em casa dos pais a moagem requeria de vez em quando a presença de um serralheiro, e Alberto ali ficava a vê-lo trabalhar, e ao primo a produzir os seus planos, o que é certo é que, a pouco e pouco, se foi apoderando dele uma grande paixão pelo ferro. A arte do ferro deixou de ter segredos para ele. Foi serralheiro, torneiro, fresador. E muito mais que isso...

    Em 1937 construiu uma máquina a vapor, que mais tarde foi destruída num incêndio ocorrido em casa do pai.

    Engendrou muitas máquinas, e é o único filho sobrevivente, também Alberto de seu nome, que acaba por revelar algumas delas – uma máquina para trabalhar vidro, uma máquina para trabalhar mármore, uma outra para madeira, além de várias máquinas agrícolas construídas ou adaptadas. Uma máquina de furar, aí com uns 60 anos de idade ainda resta na traseira da oficina de mecânica que dirigiu durante muitos anos. Chegou ainda a vender algumas máquinas para fora (quer na altura em que houve uma oficina mecânica montada pelo seu pai junto à moagem, quer depois). Quando se estragava alguma das alfaias agrícolas em casa, era ele quem a compunha, além de lhes introduzir adaptações e acrescentar novas funcionalidades. Mas também trabalhou mesmo na lavoura. «Trabalhei tanto na enxada como no martelo», faz questão de frisar.

    Casou em 1945 com Maria Rosa, de quem teve dois filhos, um, Alberto que ainda hoje o acompanha de perto na oficina, estudou na Infante D. Henrique e teve assim o privilégio, dizemos nós, de ter duas escolas técnicas, uma das quais em casa, tendo o pai como mestre. Por isso não admira que fosse para a escola ensinar muitos dos colegas, como recorda.

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    O outro filho, Joaquim Augusto, o mais novo, faleceu num acidente de aviação em Moçambique, no tempo da Guerra Colonial.

    A febre do “ouro” da Venezuela que levou tantos ermesindenses para lá em busca de fortuna nos meados do século XX também o tocou, já depois de casado, precisamente na década de 50, mas no seu caso o apelo era fundamentado com um convite para participar nos negócios de uma serralharia, a sua paixão de sempre. «Ganhava-se lá muito dinheiro nessa altura, cada bolívar dava 14 dólares», esclarece Alberto Capitão. Das duas vezes que passou pela Venezuela – onde viveu na capital, em Caracas – conta que veio, uma por causa do pai doente e a outra, definitiva, também por causa do pai, que acabou por morrer oito dias depois de ter chegado.

    Algumas intervenções urbanísticas na sua casa e nos seus terrenos são da sua autoria e refere, a título de exemplo, coisas tão diversas como os gradeamentos simétricos (que faz questão de salientar) da varanda da sua casa na Rodrigues de Freitas, junto à redacção de “A Voz de Ermesinde” ou o projecto de obras na sua casa de lavoura, feito por ele, transformado em arquitecto, ou ainda os arranjos nos automóveis que lhe passaram pelas mãos.

    93 anos? De facto, ninguém lhe dá nem sequer os 84 com que ao princípio nos enganou.

    Por: LC

     

     

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