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Edição de 31-03-2024
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    Arquivo: Edição de 31-05-2009

    SECÇÃO: Arte Nona


    A catástrofe climática

    Senhor de uma assombrosa capacidade de desenho, que tornaria absolutamente redutor e contraproducente simplificar os traços, aligeirando e “clarificando” as suas vinhetas, Enki Bilal, autor de origem jugoslava há muito radicado em França, é também um dos grandes nomes da Banda Desenhada europeia em que os temas de ficção científica estão mais presentes.

    É ainda um dos autores em que perpassa com mais intensidade uma tensão dramática ou poética.

    Provavelmente um dos livros em que tanto esta dimensão poética inquietante, como a aproximação a um mundo projectado (futuro, paralelo, seja o que for...) são mais assumidos é o muito recente “Animal’z”, publicado já em 2009 pela editora Casterman, obra que, apesar de tudo, nos pareceu... um pouco hermética.

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    A obra de Enki Bilal é, quanto ao estilo gráfico e dos argumentos, muito diversa. Mais realista quando desenha as estórias de Pierre Christin, mais onírica, fantasista (mas uma fantasia rebuscada e muito sofisticada, algures entre a heroic phantasy e a science fiction), quando trabalha sobre os próprios argumentos.

    É o caso de “Animal’z”, um destes processos “apocalípticos”.

    Logo no início, num texto intitulado “En guise de prologue” (À Guisa de Prólogo, Bilal introduz o meio ambiente: «O Golpe de Sangue é o nome do desregramento climático brutal e generalizado que se abateu sobre a Terra. O planeta está totalmente desorientado, devastado, ferido por catástrofes naturais além da norma.

    Nalgumas semanas, o Mundo perdeu todo o ar de coerência. A natureza desencadeou a sua cólera. Mais do que nunca, a sobrevivência é um assunto individual. A procura de água doce potável torna-se a primeira preocupação, cada um por si.

    Apenas alguns Eldorados, reunindo todas as condições de sobrevivência, subsistem ainda (lugares geográficos improváveis, preservados pelos acontecimentos). Os homens estariam em vias de se reorganizar aí.

    Comunicações desreguladas, transportes terrestres perigosos, transportes aéreos raros, só o mar oferece a alguns o meio de alcançar estes lugares.

    O estreito D17 é uma destas passagens.

    A história começa aqui».

    Perfeito!

    Apercebemo-nos depois que este prólogo é essencial, pois a história vai-se desenvolvendo de uma forma impenetrável, como a espessuara dos elementos envenenados que povoam o planeta.

    A Poesia é, por sua vez, invocada, como quando, logo após o prólogo, se cita Jean Baudrillard: «A água em pó: basta juntar um pouco de água para obter água».

    E são também convocados Gustave Flaubert, Samuel Beckett, Kafka, Albert Camus, Samuel Beckett, Dostoioevski, Nietzche, Céline.

    Estranhas simbioses animais (entre elas as de cetáceos/humanos) povoam este universo espesso e estranho, a um tempo natural, mutante e cibernético.

    Quanto aos grafismos, são frugais na cor, aqui ou ali aparece esporadicamente uma pequena superfície vermelha, castanha ou azul, nada mais. Tudo o resto fica sob o império do lápis, que Bilal potencia como só ele sabe e é capaz de fazer.

    Sucedem-se os planos, mais ou menos abertos, os corpos circulam nesta espécie de inverno nuclear pesado e omnipresente.

    E novos animais míticos ou mais ou menos reais, como os golfinhos que voam, as zebras usadas como animal de transporte, mansos ursos polares, etc..

    Um mundo inquietante e híbrido aguarda que se lhe descubram os seus segredos sombrios e... continua a desmoronar-se.

    Por: LC

     

     

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