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    Arquivo: Edição de 31-05-2009

    SECÇÃO: Crónicas


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    A mulher ontem e hoje

    Mulher: anjo ou demónio?

    Lugar de mulher é em casa a cuidar do marido e dos filhos (variante: “lugar de mulher é na cozinha”)

    Na turma do Bolinha menina não entra (Bolinha- revista brasileira)

    “Mulheres, sede submissas aos vossos maridos; homens, respeitai as vossas mulheres!” (Bíblia)

    Estas e muitas outras expressões têm feito parte da cultura ocidental ao longo de séculos. Não é, pois, exclusividade nossa, mas os portugueses continuam a resistir à inevitável mudança.

    Embora na história da evolução humana não existam compartimentos estanques, talvez possamos afirmar que o ponto de aceleração quanto aos papéis do homem e da mulher na sociedade aconteceu na segunda metade do último século, a par de profundas alterações económicas e sociais. Até então, o homem mandava da porta para fora, enquanto a mulher reinava no interior da casa. O homem assumia o granjeio do sustento familiar; a mulher administrava os recursos que o marido punha à sua disposição, provendo a casa do que fosse necessário ao seu governo em equipamento; vestuário para os membros da família, sua conservação e tratamento; preparação das refeições e arrumação do lar, além da função fundamental de gerar, alimentar e velar pela saúde e bem-estar dos filhos em colaboração com o consorte. O homem era cabeça de casal respondia por todo o seu agregado; a mulher vivia recatadamente, aparecia ao mundo para fazer companhia ao marido, em reuniões sociais ou cerimónias públicas.

    Havia diferenças nesta organização, claro está. Desde logo, no que concerne ao mundo rural ou ao mundo urbano. Neste, as tarefas do homem e da mulher eram, aproximadamente, as que acima descrevi. Em situações de necessidade económica, a mulher tinha sempre, em comparação com o marido, mais competências de que podia fazer uso. Era preparada pela mãe ou, na falta desta, por outra mulher da família para executar um conjunto diversificado de trabalhos: malhas, rendas, bordados, corte e costura, limpezas e amanho de roupas em sua casa, ou para fora a troco de um quantitativo em dinheiro. Alguns homens mais habilidosos podiam também obter ganhos extra em consertos domésticos para quem os solicitasse.

    No campo, a mulher trabalhava em casa e no exterior. Para além dos encargos de manutenção do lar que também aprendera com a progenitora, despendia parte do seu tempo a tratar de galinhas, coelhos e suínos, a preparar e a transportar a comida dos obreiros que passavam o dia em locais mais distantes segando o feno e os cereais. Não raro, ela própria ajudava em alguns desses trabalhos: além do almoço, levava também a merenda que seria consumida a meio da tarde, juntava-se aos trabalhadores e, quando o sol estava próximo do horizonte, regressava a casa para fazer a ceia. Mais cansada do que os homens e as mulheres que tinham passado o dia a ceifar, servia-lhes a última refeição do dia na grande mesa de castanho da cozinha e, quando todos se despediam para descansar, ainda ela ficava a lavar a louça, a limpar e a arrumar tudo para o dia seguinte. Antes, já deitara os filhos pequenos, executara um conjunto de outras acções rotineiras e era ela que apagava a luz do candeeiro quando já reinava completo silêncio na casa. O homem decidia tudo, dava ordens e ninguém se atrevia a recalcitrar. Assim é que o tio Pontes, quando censurado por deixar que a esposa, adoentada, fosse com ele trabalhar para o campo, respondia:

    – Homessa! Das mulheres não se tira outra lã.

    Ninguém pode garantir que o mundo tenha evoluído, mas as circunstâncias alteraram-se. Se até aos anos cinquenta do século XX, salvo raríssimas excepções, ninguém mandava os filhos estudar uma vez terminado o ensino primário, porque não existia a consciência de que a instrução era fundamental, desde então muitos o fizeram e alguns jovens de ambos os sexos vieram a concluir cursos universitários, outros ficaram-se pelo ensino secundário, arranjaram emprego e migraram para as cidades. Muitos partiram para a estranja em busca de melhores condições de vida. Os transportes tornaram-se mais fáceis, um bom número de aldeias passou a beneficiar dos autocarros da respectiva autarquia o que facilitou as idas e vindas de e para as cidades e vilas. Já quanto à emancipação das mulheres, os avanços têm sido mais lentos, ainda se vão mantendo os costumes ancestrais, agora mitigados, devido à mecanização da agricultura, que dispensa muitos braços outrora necessários para o trabalho do campo.

    No meio urbano, a mudança tem--se operado com maior rapidez, mas verifica-se ainda grande resistência quanto à partilha de tarefas entre os membros do casal. Hoje, ambos contribuem para a economia doméstica, eles e elas têm os seus empregos, em certos casos a esposa tem salário superior ao do marido, é justo que assumam, tendencialmente por igual, os trabalhos familiares. Mas nem todos o admitem: o velho preconceito de que fazer as compras, quer se trate de roupa, quer de géneros alimentícios, confeccionar e servir as refeições, efectuar o tratamento da roupa, limpar e arrumar a casa, dar banho e vestir os filhos constituem atribuições da mulher e em nenhum caso aceitam quebrar tal norma que julgam desonrosa para a sua qualidade de machos. Os novos, também neste aspecto, têm, por regra, uma mentalidade mais arejada e levam à prática quotidiana a igualdade de género.

    Se as mulheres toleram que os consortes não as ajudem nas tarefas caseiras, já o mesmo não acontece quando se trata se submissão. As mulheres de hoje reclamam, justamente, a sua independência ideológica ainda que não seja coincidente com as dos companheiros. O facto de trabalharem fora de casa confere-lhes direitos iguais aos deles. Se, por um lado, é justa a sua emancipação, por outro, torna mais instáveis as uniões. As características próprias de cada sexo exigem compreensão mútua, aceitação das diferenças com vista à ultrapassagem das divergências que naturalmente surgem e que a rotina favorece. Actualmente, poucos são capazes desse exercício diário de superação dos atritos que vão surgindo. Por isso é que os casamentos se tornaram instáveis e frequentemente terminam em separação. As excepções são cada vez mais raras. Com a liberdade, instalaram-se o hedonismo e o individualismo.

    Por: Nuno Afonso

     

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