Um tempo de deserto
Bento XVI enviou sua habitual Mensagem de Quaresma. E não podia deixar de se referir aos terríveis tempos por que estão passando muitos dos nossos irmãos devido ao encerramento de empresas e respectivo desemprego. Num pequeno espaço de tempo, pai e mãe ficam sem emprego. E chegam na mesma as contas da água e luz, da alimentação que é preciso pagar, por vezes a preços excessivos, a casa que estava a dois anos apenas para ficar paga, o carro que ainda não é totalmente deles, as despesas dos filhos na escola ou no Colégio, e muitas e muitas coisas. Uma série que seria longo enumerar e que tornar os dias mais penosos e sombrios, porque não se vê qualquer possibilidade de um futuro melhor. E por outro a dor e a raiva de ver uma classe social privilegiada, que é a de muitos que nos governam sem sentido da dignidade humana de qualquer cidadão cujo voto foi arrebatado à custa de promessas não cumpridas. E de um regime ditatorial que não ouve qualquer ideia da oposição porque a maioria de tudo dispõe, até para contrariar a sensatez dum Presidente sério opondo-se orgulhosamente aos seus vetos na Assembleia.
Bem entrosada na vida hodierna vem a reflexão do Papa quando lembra a Primeira Carta de São João que nos diz: «Aquele que tiver bens deste mundo e vir o seu irmão sofrer necessidade, mas lhe fechar o seu coração, como estará nele o amor de Deus?" Mas qual quê! Deus ainda interessará alguma coisa àqueles que o querem ver longe da vida dos cidadãos, da praça pública, dos doentes que sofrem nos hospitais, das famílias onde se incute e protege o divórcio e as separações, das crianças que se prendem na escola (de preferência pública) para receberem de pequeninas as ideias laicistas, das crianças que se amarram a uns computadores que cá se consideram de alta tecnologia, e lá fora se criticam pela sua falta de pedagogia!?
Pois Bento XVI fala da oração, da partilha de bens e do jejum. Do jejum que, sendo voluntário, "nos ajuda a cultivar o estilo do bom samaritano, que se inclina e socorre o irmão que sofre». Assim mostramos que o próximo em dificuldade não nos é indiferente. E encontramos a dimensão do Outro no outro. Estaríamos impedidos então de professar o indiferentismo religioso. Impedidos de abandonar Deus ou de O classificar como mera fantasia ou fonte de obscurantismo ultrapassado. Bom para pessoas idosas e incultas. Na idade tecnológica Deus não tem lugar e chegar a dizer como alguns, a quem Deus incomoda, "o velho Deus morreu", "matámo-lo". É o cúmulo do orgulho do homem e será a causa da sua morte. O homem meteu-se num abismo donde dificilmente poderá sair. O resto é consequência. Sem Deus, não se respeita a dignidade humana.
O mundo, que poderia e deveria ser o jardim de Deus, tornou-se um deserto ressequido, onde os homens perecerão pelo seu orgulho, violência e demais forças cainitas. Já não lugar para homens sérios. A corrupção invadiu os cinco continentes. O ter tomou o lugar do ser. Quaresma é tempo de conversão. De transformar o deserto em espaço de cultivo, de terras fecundas, de prados verdejantes e searas aloiradas pelo sol. Mas a Palavra da vida continua a ser ouvida e percebida por aqueles que já tentam e procuram escutá-la no seu coração. Os outros nem sequer tentam aproximar-se pois preferem continuar na aridez do deserto.
Por: Armando Soares
|