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Edição de 31-03-2024
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    Arquivo: Edição de 30-03-2009

    SECÇÃO: Cultura


    ÁGORARTE MOBILIZOU QUASE MEIA CENTENA DE PESSOAS

    ... E foi conhecer o Jardim Botânico do Porto

    “…Era uma vez um jardim maravilhoso, cheio de grandes tílias, bétulas, carvalhos, magnólias e plátanos. Havia nele roseirais, jardins de buxo e pomares…”, Sophia de Mello Breyner in “O Rapaz de Bronze”

    Foto MANUEL VALDREZ
    Foto MANUEL VALDREZ
    Andou muito próximo da meia centena, o número de pessoas residentes, na sua grande maioria, em Ermesinde que participaram, a convite da Ágorarte, numa visita guiada ao Jardim Botânico da Universidade do Porto, para percorrerem os cerca de quatro hectares que restam dos primitivos doze que delimitavam a antiga Quinta Grande de Salabert, no Campo Alegre.

    Segundo um texto de apoio editado, ao que se presume, pela Fundação Gomes Teixeira, entidade que zela pela preservação do espaço “esta quinta tinha pertencido à Ordem de Cristo e foi adquirida em 1802 por João Salabert”. A partir de 1820 foi mudando de proprietários, até que em 1895 viria a ser adquirida por João Henrique Andresen Júnior, avô dos escritores Sophia de Mello Breyner e Ruben A. Só então foi concluída a construção da casa que havia sido iniciada 20 anos antes e de onde se avistavam as entradas e saídas dos barcos da barra do Douro. O Jardim Botânico seria instalado apenas em 1951, pela Universidade do Porto. Em 1983 acabou por ser encerrado ao público devido ao seu estado de degradação. Foi então submetido a obras de beneficiação em diferentes fases que obrigaram a novos encerramentos e, finalmente reabilitado, pôde ser reaberto em Maio de 2007.

    APELO À FANTASIA

    A bióloga Estefânea Lopes, docente na Faculdade de Ciências, acompanhou os visitantes e foi desvendando ao longo de duas horas de trajecto, toda a magia do jardim que preenche de encantamento, o nosso imaginário.

    Começando por descrever o interior da casa, de arquitectura austera, muito ao gosto do século XIX, Estefânia Lopes, caracterizou em pormenor, todas as divisões localizadas à volta de um átrio enorme, muito alto e encimado por um varandim. No vidro da porta de entrada pode ver-se ainda gravado um artístico monograma com as letras J A H de João Henrique Andresen. Durante sucessivos anos era ali, no átrio, que se instalava o pinheiro de Natal e se reunia toda a família para celebrar as datas festivas. Aquele enorme salão era, de resto, o preferido das crianças para as suas brincadeiras e onde chegavam – imagine-se – a andar de bicicleta.

    Entre essas crianças contava-se Sophia que passou naquela casa muitos momentos da sua infância, embora vivesse com os pais numa moradia próxima onde está actualmente a Galeria dos Cordeiros na Rua António Cardoso.

    Mas se a casa “era desmedidamente grande desde os quartos de dormir onde as crianças andavam de bicicleta até ao enorme átrio para o qual davam todas as salas”, como escreveu Sophia em “A Saga”, o jardim apesar de mutilado devido à construção da VCI, é desmesuradamente belo, sobretudo em manhãs primaveris como aquela que nos levou ao Jardim Botânico em 14 de Março.

    Disso puderam certamente testemunhar os visitantes, à medida que iam caminhando pelas diversas áreas temáticas ao mesmo tempo que ouviam os esclarecimentos técnicos da professora Estefânea Lopes, sobre espécies botânicas.

    O MUNDO DE SOPHIA

    Seccionado em diferentes áreas específicas o Jardim Botânico agrupa-se em diferentes espaços; o jardim dos Jotas, assim designado, devido à inscrição quatro vezes repetida da letra jota, as iniciais de João Henrique e Joana Andresen; o jardim das suculentas com as suas estufas que já existiriam ao tempo da Quinta do Campo Alegre; o bosque de coníferas, que produzem frutos em forma de cone como o pinheiro; o jardim do roseiral; o jardim do peixe, projectado por Franz Koepp nos anos 50-60 para colecção de plantas anuais; o jardim do xisto assim chamado por ser construído com rochas de textura laminar como a ardósia.

    São também várias as referências ao fantástico mundo da infância de Sophia de Mello Breyner na Quinta do Campo Alegre. Encontramo-las em toda a sua obra como o banco de azulejos encrustado num pequeno muro ou a estátua de bronze de um rapaz, no meio de um lago, que nunca foi um rapaz mas sim uma personagem feminina que Sophia recriou no livro “O Rapaz de Bronze”.

    Também a Casa do Gato, uma antiga adega, onde existe um buraco redondo na porta por onde, presumivelmente entravam os gatos que caçavam os ratos, é abordada em “A Floresta”. Outros elementos mais dispersos como as alusões às flores, às plantas, às estufas, aos arvoredos, às folhagens verdes na Primavera, douradas no Outono.

    Um mundo imperdível que é forçoso revisitar.

    Por: Álvaro Mendonça

    O palácio

    Era um dos palácios do Minotauro

    - o da minha infância para mim o primeiro –

    Tinha sido construído no século passado

    [(e pintado a vermelho)

    Estátuas escadas veludo granito

    Tílias o cercavam de música e murmúrio

    Paixões e traições o inchavam de grito

    Espelhos ante espelhos tudo aprofundavam

    Seu pátio era interior era átrio

    As suas varandas eram por dentro

    Viradas para o centro

    Em grandes vazios as vozes ecoavam

    Era um dos palácios do Minotauro

    O da minha infância – para mim o vermelho

    Ali a magia como fogo ardia de Março a Fevereiro

    A prata brilhava o vidro luzia

    Tudo tilintava tudo estremecia

    De noite e de dia

    Era um dos palácios do Minotauro

    – o da minha infância para mim o primeiro

    Ali o tumulto cego confundia

    O escuro da noite e o brilho do dia

    Ali era a fúria o clamor o não dito

    Ali o confuso onde tudo irrompia

    Ali era o caos onde tudo nascia

    De: Sophia de Mello Breyner

     

     

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