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Edição de 31-03-2024
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    Arquivo: Edição de 30-03-2009

    SECÇÃO: Destaque


    COLÓQUIO “UTOPIA, URBANISMO E AMBIENTE”

    A UTOPIA aqui ao virar da esquina

    Numa organização conjunta da Câmara Municipal de Valongo (CMV), do Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa (ILCML) e Centre for English, Translation, and Anglo-Portuguese Studies (CETAPS) da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, realizou-se na Biblioteca Municipal de Valongo, nos passados dias 20 e 21 de Março, o Colóquio “Utopia, Urbanismo e Ambiente”, uma iniciativa que teve momentos de interesse excepcional, embora também uma ou outra intervenção desigual.

    A sessão foi aberta pelo presidente da Câmara, Fernando Melo, e pela coordenadora de projectos sobre Utopismo Literário da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Fátima Vieira, a alma e maior organizadora do Colóquio.

    Fotos URSULA ZANGGER
    Fotos URSULA ZANGGER
    Realizada a cerimónia de abertura, Leonor Fidalgo, da Universidade do Porto (UP), seria a primeira oradora, apresentando “Desenvolvimento e Ambiente: Tensão ou Complementariedade”. Seguiu-se--lhe precisamente Fátima Vieira, que apresentou a interessantíssima palestra “À Mesa com os Utopianos”, onde procurou desvendar as práticas e as doutrinas utópicas no que respeita aos costumes alimentares.

    Recuando até ao século XVI com Thomas More “Utopia”, Fátima Vieira lembrou na obra a atitude de expressa de horror para com a morte de animais, sendo a necessidade alimentar satisfeita com o recurso a serviçais que se encarregariam, este sim, desse indigno serviço.

    A conferencista passou por Francis Bacon (“New Atlantis”), Campanella (“A Cidade do Sol”), ambos do século XVII, estando em ambos presente a ideia de a alimentação dever ser saudável (em Campanella também se exprime a relutância de matar animais), Rousseau (“Emílio”, século XVIII), que prega activamente o vegetarianismo ainda que o não pratique, e é ainda uma posição favorável ao vegetarianismo que encontramos em Percy e Mary Shelley (a autora de “Frankenstein”), Wordsworth, Schopenhauer e muitos outros autores.

    Fátima Vieira debruçou-se depois sobre as utopias portuguesas, apontando “Irmânia” (1912),de Ângelo Jorge, autor este que, juntamente com Amílcar de Sousa, ajudou a fundar a Sociedade Vegetariana de Portugal e a pregar e divulgar o vegetarianismo. Este é apontado como doutrina científica, e ao mesmo tempo solução para os problemas da fome, falta de higiene e saúde pública. Aconselham-se banhos de sol e de água.

    O vegetarianismo esforça-se por apresentar exemplos de belos corpos saudáveis, numa perspectiva militante, que ali e ali, em certos meios, chega mesmo a derivar para o eugenismo (o apuramento da raça e a excelência dos espécimes).

    Distingue-se o frutarismo do ovo-lacto-vegetarianismo ou do vegetalismo, entre outras precisões.

    A professora, que precisa «não ser vegetariana» termina com uma referência a Peter Singer (“Ética Prática”), obra contemporânea, de 1979, e à defesa dos direitos dos animais.

    CIDADANIA

    E ECOLOGIA

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    A palestra seguinte é da autoria de José Eduardo Reis (da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, UTAD), que apresenta “Cidadania e Ecologia: Notas em Torno do Filme Mind Walk”, sessão com que terminou a manhã do primeiro dia.

    J. Eduardo Reis começou por apontar os primeiros esboços dos códigos de cidadania, como os Direitos do Homem da Revolução Francesa (1789, 1793 e 1795) , a Declaração de Direitos do Estado da Virginia (1776), a Petition of Rights (1628) e aquela que parece ser a grande antecessora destes direitos, a Magna Carta (1215).

    Passando depois à actualidade, apresenta a visão pessimista de George Steiner, cuja visão, em “No Castelo do Barba Azul” (1971), apontando para uma acumulação do conhecimento científico sem atenção pela dimensão humana, e constitui uma distopia que inspira “Mind Walk”, um filme concebido para fins didácticos, defendendo a teoria dos sistemas, partindo da física quântica, e mostrando que, mais do que as coisas e objectos, o que importa são as suas conexões.

    No debate que se seguiu Leonor Fidalgo (UP) defendeu a ideia de que uma fracção do que pagamos poderia ser usada a favor do ambiente, o que levou Clara Poças (CMV), por sua vez, a defender o pagamento pelos munícipes, de taxas devidas aos recursos de água, ar e recolha de lixos.

    O conferencista terminou apontando a inibição da capacidade de olhar para o todo.

    Um bom exemplo desta perspectiva de interconexão seria o pensamento ameríndio, os índios pensavam até à sétima geração.

    Hoje não existiria respeito nem sequer pelos nossos filhos.

    Num outro comentário a esta palestra, Ana Monteiro (UP) colocou a questão da distribuição da riqueza e pôs ainda em causa o direito à propriedade privada.

    O primeiro orador da tarde foi Paulo Pinho, da UP, curiosamente o principal responsável pelo projecto de actualização do PDM para o concelho de Valongo.

    A sua intervenção, “Utopia e Urbanismo – das cidades novas ao estranho caso das utopias fechadas”, começou por apontar a ideia de cidade ideal (na forma, tamanho, estrutura), como a conceberam certos percursores (Ebenezer Howard, Frank Lloyd Wrgiht, Le Corbusier), para passar depois a ideias de cidade que tiveram aplicação, apontando o caso de Cumbernauld (1956), na Escócia, onde de resto viveu, durante os seus tempos de estudante. Cidade com segregação de usos e funções, separação completa dos circuitos pedonais e rodoviários, tecido urbano organizado em alvéolos, estrutura biofísica e paisagística assente no conceito de corredores verdes, segregação (inicial) entre zonas habitacionais e de iniciativa pública e privada, modelo extensivo de baixa densidade.

    Experiência inicialmente na aparência bem sucedida, acabaria por se ir degradando, demonstrando, segundo o conferencista, o equívoco de construção de uma cidade com base na ideologia. «Esqueçam a criação de novas cidades»

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    Paulo Pinho abordou depois o conceito do condomínio fechado, e apresentou um estudo sobre a sua tipologia e variedade na zona do Grande Porto.

    A maioria destes condomínios cai na zona urbana e não na zona de expansão urbana, é alheia à proximidade de transporte público, começou por ser um produto destinado a uma elite, não o sendo já hoje, a ideia de utopia está completamente subvertida, aproximando-se a um padrão idêntico ao padrão geral da cidade.

    Em termos de sustentabilidade, o modelo «é um desastre», conta Paulo Pinho, que remata a sua conferência concluindo que os condomínios fechados são «fragmentos (falsamente) utópicos numa cidade (crescentemente) caótica, por via deles, também».

    É a vez de João Rodrigo Coelho, da UP, que apresenta “Realidade e Utopia no Espaço Público da Cidade Contemporânea”, que lembra a cidade grega, depois a renascentista, a cidade industrial e ainda o exercício futurista para a cidade. Refere igualmente Frank Lloyd Wright e Le Corbusier e aponta a realidade urbana presente como uma verdadeira distopia.

    Disso mesmo aponta como exemplos o condomínio fechado, o shopping center. Refere a emergência de cenários de dissimulação hiper-real, como em Las Vegas, e defende, citando Manuel Delgado, a necessidade de uma espacialidade mais aberta.

    JARDINS REAIS

    E DO PENSAMENTO

    Gualter Cunha, da UP, que aborda “Os Jardins do Modernismo”, reflecte, a partir dos textos literários de vários autores, sobre a concepção de jardim e o lugar que ocupa nas projecções humanas.

    Cita Yates, TS Eliot, Ezra Pound, que concebem o jardim como uma memória (perdida) do paraíso, e por contraposição cita Joyce (em “Ulisses”), cuja ideia de jardim é antes comprazimento com o presente, resposta ao vazio.

    Jorge Bastos da Silva, também da UP, que se lhe segue, fala sobre “Os Jardins Ideiais do Classicismo”, compara os registos pastoris aos geórgicos, os primeiros ancorados na natureza, meditativos, os segundos num confronto activo, com o elogio do trabalho, presos a um concreto com o qual interagem, uns concisos e esquemáticos outros encontrando a qualidade de refrigério não na natureza mas na imaginação. E daqui as leituras encontradas nas concepções de jardim que se apresentam.

    PRAÇAS, MUSEUS

    E QUASE-UTOPIAS

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    O segundo dia, sábado, iniciou-se com a conferência de Fernando Maia Pinto, director do Museu do Douro, que defendeu um trabalho em prol de uma equalização social e de uma estética.

    Referiu depois, com alguns pormenores, a mágoa da sua passagem pelo Parque Arqueológico de Foz Coa, onde durante três anos pôde dispor de um poder real, quase discricionário. Pôde ver Portugal do alto, como disse, suspender PDMs.

    Referiu depois a topologia do local, «o sítio mais quente e seco de Portugal», e lamentou o facto de as gravuras do Coa não serem foco de coisa nenhuma, ao contrário, por exemplo, de Lascaux, em que motivaram o desenvolvimento do território, a criação de pousadas, bibliotecas, a geração do turismo, a partir de uma gestão muito discreta do Poder Central.

    Agora está convencido que o projecto está perdido, que vai ser mesmo feita a barragem do Coa, mas avisa que essa miragem de desenvolvimento a partir da barragem já tem antecedentes que mostram que não irá gerar desenvolvimento nenhum. Mexem--se uns botões a centenas de quilómetros de distância e é tudo.

    Fala depois do projecto a que se entrega agora, o de criar um museu que abranja todo o Douro, a partir de Mesão Frio, um museu que não se esgote num local, mas que integre as várias culturas desta área, muito mais vasta que aquela que foi promovida a Património Mundial.

    Fala da cultura do bicho-da-seda em Freixo de Espada à Cinta, da cereja em Resende, como exemplos de uma diversidade que tem no vinho o seu traço comum.

    E refere que aqui se fazem as coisas ao contrário, se aposta no turismo para canalizar recursos para a cultura, vê então o desenvolvimento do projecto na criação de vários núcleos temáticos, cerzindo o território em vários pólos de atracção.

    Mas a dificuldade é tão grande que, às vezes, quase lhe apetece desistir, diz ele, desdizendo-se logo de imediato.

    Rui Loza vem depois, pragmático, «há o seu tempo para falar de utopias, o primeiro que o fez, cortaram-lhe a cabeça, mas corrigindo: «É importante pensar a utopia, mas também persegui-la». E fala da utopia como capacidade de resistir, alheia às nossa dimensões humanas do tempo, de utopias para 25 mil anos, voltando às gravuras do Coa. «Estou-me nas tintas para o Sócrates e a Ferreira Leite, não existem!» e recorda as dificuldades de Nova Iorque com o problema imenso do que fazer aos excrementos dos cavalos na grande cidade em crescimento. E depois chegou o automóvel. Hoje, quando acaba o petróleo, aparecerão alternativas, sentencia optimista.

    E passa a ler para o público presente uma projecção do que seria o porto em 2018, escrita por ele já há algum tempo.

    E depois, a necessidade de saber ler a paisagem, fala dos recursos do Porto e da urgência de impedir o alastramento da mancha de infestantes trepadeiras [a corriola], que se vão apoderando das ruínas crescentes da cidade.

    Sendo necessário recuperar a cidade e fixar as pessoas, Rui Loza considera imprescindível resolver o problema do parqueamento automóvel nesta, e aponta então após o confronto com outras soluções aquela que lhe parece perfeita, o parque a grande profundidade, aproveitando a solidez granítica do Porto, e libertando as áreas da superfície. Isto, além do mais permitiria obras sem consequências ao nível da superfície. E refere os dois projectos já em andamento, do túnel das Flores e do túnel da Sé. Seria assim uma verdadeira cidade subterrânea, pois dá também o exemplo de salas de espectáculos, recintos de jogos, piscinas, que pelo mundo fora, provam a validade da cidade subterrânea.

    Paulo Telles de Lemos, da Universidade de Valladolid, apresenta depois “De Barry Parker a Marques da Silva: Percursos Diferentes de Pensar e Sentir o Espaço Urbano”, no fundo uma história das diferentes propostas na construção da Avenida dos Aliados.

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    A seguir, Hélia Saraiva, que ia apresentar “A Cidade Capsular” apresenta outra coisa, num registo ligeiro de trivialidades.

    Segue-se Isabel Donas Botto, da Universidade de Coimbra, que apresenta “Quintas Verticais: Uma Versão da Cidade-Jardim para o Século XXI?”, num estudo que equaciona novas propostas de agricultura high tech para a cidade, aparentemente resolvendo a contradição cidade-campo, mas revelando um inquietante calcanhar de Aquiles, a sua fragilidade perante as necessidades de capital financeiro para as pôr de pé. Isabel Donas Botto refere também outras propostas de agricultura na cidade, ora de raiz popular ora obra de entusiastas ambientalistas. E acaba criticando o modelo das sky farms. A última das conferências foi de Ana Monteiro, “A Saúde como um Bom Indicador da Injustiça Ambiental”, um estudo em que a geógrafa se mostrou interessada no indicador da Felicidade Nacional Bruta, que apresentou como resultado das investigações da New Economics Foundation.

    Um estudo concreto abordou o próprio concelho de Valongo e permitiu, aparentemente, detectar ligações entre doenças de ordem neuronal, do aparelho circulatório e do aparelho rspiratório e, por exemplo, os níveis de desemprego, a qualidade do ar e outros índices desiguais nas várias freguesias do concelho.

    Da parte da tarde, um grupo de alunos da Secundária de Valongo levou à cena Sala das Artes “O Principezinho em 2100”. Para esta gente mais jovem é o projecto Eurotopia 2100, em que os alunos vão projectar as suas utopias.

    Por: LC

     

     

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