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    Arquivo: Edição de 31-12-2008

    SECÇÃO: Tecnologias


    A identificação da ideologia através da análise do discurso (2)

    Para realizar o objectivo deste trabalho – o exame do funcionamento do político no debate sobre o software livre tendo em vista uma análise dos sentidos – proponho a realização de alguns passos essenciais.

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    A Microsoft utiliza uma estratégia anticompetitiva chamada "abraçar e estender". Isto significa que eles começam com a tecnologia que outros estão a utilizar, adicionam uma pequena informação adicional que é secreta, de modo que ninguém mais pode imitá-la, e em seguida usam essa informação secreta de forma que apenas o software da Microsoft possa comunicar com outro software Microsoft. Em alguns casos, isso torna difícil que uma pessoa utilize um programa não-Microsoft quando outros com os quais você trabalha usam um programa Microsoft. Noutros casos, isso torna difícil para si usar um programa não-Microsoft para o trabalho A se você usa um programa Microsoft para o trabalho B. De qualquer modo, "abraçar e estender" amplia o efeito do poder de mercado da Microsoft.

    Nenhuma licença pode impedir a Microsoft de praticar "abraçar e estender" se ela estiver determinada a fazê-lo às nossas custas. Se eles escrevem o seu próprio programa do zero, e não utilizarem nada do nosso código, a licença sobre o nosso código não os afectará. Mas uma reescrita total custa muito caro e é muito difícil, e mesmo a Microsoft não consegue fazer isso o tempo todo. Daí essa campanha para nos convencer a abandonar a licença que protege a nossa comunidade, a licença que não os deixará dizer: «O que é seu é meu, e o que é meu é meu». Eles querem que nós os deixemos pegar no que quiserem, sem nunca devolver nada. Eles querem que abandonemos as nossas defesas.

    Mas ser indefeso não é o American Way. Na terra do bravo e do livre, defendemos a nossa liberdade com o GNU GPL».

    Nesse trabalho de resignificação do american way, Stallman procura demonstrar como o uso de softwares proprietários se assemelha a um aprisionamento, a uma dependência. Ao mesmo tempo, procura colocar a GPL e o software livre como os instrumentos de combate com o qual foi construída a “nossa terra no ciberespaço”. É possível desenhar o seguinte diagrama:

    Nas licenças, as diferenças:

    investigação sobre o político

    na GPL e na EULA do Win95

    As diferenças entre a GPL e a EULA começam pela própria linguagem empregue. Ambas são instrumentos jurídicos, textos tidos como de leitura difícil, não muito agradável. Mas o texto da GPL distancia-se desse modelo. Nele, quem fala não é uma entidade jurídica, sempre na terceira pessoa, mas o colectivo. A terceira pessoa do plural é sempre usada – “queremos proteger...”, “queremos evitar...” – seja literalmente ou de forma implícita. Antes de qualquer norma, ela coloca explicações, justifica as restrições que estabelece. «Para proteger os seus direitos, necessitamos de fazer restrições que proíbem que alguém negue esses direitos a si próprio ou que solicite que você renuncie a eles», diz. Com isso, quebra-se o efeito de impessoalidade do texto jurídico comum.

    Mas ambos, tanto a GPL como a EULA, são contratos jurídicos de licenciamento. Ambos regulam a concessão de direito de uso a partir de uma mesma via legal. No entanto a GPL, colocando-se como uma negação às restrições das licenças proprietárias, parece negar também a sua característica jurídica. Em nenhum momento, por exemplo, a palavra contrato é citada como referência ao próprio documento.

    A EULA

    O nome da empresa proprietária dos direitos sobre o sistema, a Microsoft, é referido em algumas situações de maneira ambígua. À exceção do título do contrato, grafado em caixa alta (“Contrato de licença de utilizador final para software Microsoft”), na primeira vez em que o nome da empresa é referido é para qualificar, marcar o produto: «...o(s) programa(s) de computador Microsoft». Na segunda vez, ela aparece como entidade distinta da figura do “Fabricante”. A formulação da frase é: «Caso V.Sa. não esteja de acordo com os termos deste EULA, o Fabricante e a Microsoft não licenciarão o SOFTWARE para V.Sa». Assim, ela aparece de duas formas: como marca que acompanha o nome do produto e como licenciadora do software, não se assimilando ao “Fabricante”.

    Outra situação em que o nome da empresa aparece não apenas como nome auxiliar da marca do produto que está licenciado é no sub-item “Rescisão”, do item “DESCRIÇÃO DE OUTROS DIREITOS E LIMITAÇÕES”. O texto do sub-item é o seguinte: «Sem prejuízo de quaisquer outros direitos, a Microsoft poderá rescindir este EULA caso V.Sa. não cumpra com os seus termos e condições. Neste caso, V.Sa. deverá destruir todas as cópias do SOFTWARE e de seus componentes». Aqui, a empresa aparece como entidade activa, com poderes para vetar a continuidade do uso do software se as condições estabelecidas não forem cumpridas.

    Na última vez em que nome da empresa é referido não somente como assemelhado ao produto, é para isentá-la da obrigação de oferecer algum apoio ao utilizador. Nesse momento, ela novamente se distancia da figura do “Fabricante” e é a única oportunidade em que é enunciado o nome completo da empresa: “Microsoft Corporation”. O trecho seguinte refere-se ao item de número 6, “SUPORTE AO PRODUTO”: «O suporte ao produto para o SOFTWARE não é prestado pela Microsoft Corporation ou suas subsidiárias. Para obter informações quanto ao suporte ao produto, é favor consultar o número de suporte do Fabricante indicado na documentação do COMPUTADOR. Caso V.Sa. tenha quaisquer dúvidas relativas a este EULA ou deseje contactar o Fabricante por qualquer outra razão, utilize o endereço indicado na documentação do COMPUTADOR».

    Cabem aqui algumas observações relacionadas com o efeito dessa divisão entre “Microsoft” e “Fabricante”, esse jogo em que uma das partes do contrato ora é descrita como um ora como outro. Ao assumir uma identidade distinta da figura do “Fabricante”, no contrato, a empresa torna-se parte dele de uma maneira indirecta. Ao mesmo tempo em que surge como detentora de uma propriedade, que não é vendida mas sim licenciada 1, ela desaparece como entidade com a qual o contratante está a realizar uma operação de licenciamento. As partes enunciadas como contratantes são “V.Sa.” e o “Fabricante”. Se “V.Sa.” não concordar com a EULA não será à Microsoft a quem deverá recorrer, mas sim ao “Fabricante”, pois está posto logo no início da licença: «Neste caso, V.Sa. não poderá utilizar ou copiar o SOFTWARE e deverá contatar imediatamente o Fabricante para obter instruções sobre como devolver o(s) produto(s) não utilizados e para receber um reembolso».

    Com isso, tem-se um acordo que se estabelece legalmente entre duas partes, como enunciado pelo contrato, mas em que uma dessas partes pode dividir-se em duas, “Fabricante” e “Microsoft”. Para a última, cabe: o papel de romper o acordo se a parte licenciada infringir alguma cláusula; e se isentar no momento de oferecer alguma ajuda a essa parte licenciada. Para a primeira, esse ente sem rosto, nomeado genericamente como “Fabricante”, cabem algumas poucas responsabilidades como atender o licenciado quando esse procurar por suporte.

    Se pensarmos o político aqui como já definido acima, é possível dizer que o que a empresa faz é estabelecer uma divisão do real em que condições desiguais são normatizadas. Para que o licenciado, aquele que não detém aquele produto, possa usufruir dele será preciso que pague uma determinada taxa, o custo para obter o direito de uso. Porém, como não é a propriedade daquele código que está sendo adquirida, apenas o uso é concedido, o proprietário estabelecerá também certas restrições para esse uso, condição essa que, se violada, implicará em quebra do contrato. Os licenciadores colocam condições bastante claras, presentes no contrato: aceitar ou desistir, apagar e devolver o produto.

    Por: RAFAEL EVANGELISTA *

    * Dissertação de mestrado, com o mesmo nome, defendida no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, Campinas, Brasil. Adaptado para a norma portuguesa europeia.

     

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