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Edição de 31-03-2024
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    Arquivo: Edição de 31-12-2008

    SECÇÃO: Cultura


    CONFERÊNCIAS NA BIBLIOTECA MUNICIPAL

    «Eu sou um bocadinho o Tony Carreira da literatura!»

    António Lobo Antunes declarou ter um novo livro para o final do ano que vem

    Fotos URSULA ZANGGER
    Fotos URSULA ZANGGER
    O relógio marcava 21h30, a noite estava bastante fria mas o átrio da Biblioteca Municipal de Valongo já, há muito estava repleto. O programa do passado dia 19 de Dezembro era ambicioso, e por isso, cativou tanta gente. A rubrica “Os escritores visitam a Biblioteca Municipal...” já contou com a presença de nomes como Mia Couto, Manuel António Pina, Alice Vieira, Rosa Lobato Faria, entre outros. Seguiu-se-lhes António Lobo Antunes, um dos escritores mais consagrados da actualidade. Como não poderia deixar de ser, ficou a impressão que muito restou por dizer...

    O início da noite foi preenchido, como é habitual, com um apontamento musical, desta feita pelos Godot, banda originária do Porto, cujo projecto passa por tentar uma união entre o teatro, cinema, poesia e música. Um acordeão, sons de guitarra, bateria e orgão, tudo emaranhado com a poesia de vários autores do surrealismo português: Mário Cesariny, Herberto Hélder e Maria Lisboa, interpretados numa selecção de imagens simbiótica. Um projecto sem dúvida original e mais apropriado para o que se seguia, não poderia ter sido.

    A finalizar, os Godot ainda arriscaram interpretar um excerto de uma crónica de Lobo Antunes. O escritor, já presente, não escondeu o espanto e no final aplaudiu veemente a performance, tal como todos os presentes.

    Do átrio seguimos para o auditório da biblioteca. Além de Lobo Antunes, esteve também presente o representante da Editora Leia e Ana Paula Arnaut, júri de vários prémios e provas académicas e autora de várias publicações das quais se destaca “Entrevistas com António Lobo Antunes 1979-2007, Confissões do Trapeiro”, editado este ano.

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    Ana Paula Arnaut fez a introdução à conversa com uma resenha sobre a última obra de Lobo Antunes, lançada este ano e que já vai na sétima edição: “Arquipélago da Insónia”. «Neste livro parece ter conseguido alcançar o silêncio que Lobo Antunes tanto queria alcançar». «Parece ter também conseguido realizar o desejo de reduzir o livro ao osso, poderá assim, ter inaugurado um novo ciclo, uma outra forma de ver as pessoas», declarou.

    Lobo Antunes começou logo por revelar que se sentia espantado por estar em Valongo muito embora gostasse de estar na sua terra (os seus pais eram naturais do Norte) «principalmente depois de ter enfrentado um cancro há uns dois anos», confessou. «Recebi muitos emails e cartas e isso surpreendeu-me, até porque eram na maioria de pessoas do Porto. E isso é uma coisa que nunca poderei pagar». A doença que lhe deu outra perspectiva da vida porque o obrigou a ter uma postura de dignidade para os seus leitores e consequentemente a lutar contra a doença, fez também com que percebesse que os portugueses lhe davam valor. Coisa que o próprio confessou ignorar.

    Autor de mais de 20 obras, publicou pela primeira vez em 1979 com a obra “Memória de Elefante” – livro que o autor apelidou de «mau», «um livro em que ningém acreditava». No mesmo ano publicou “Cus de Judas” que lhe valeu o primeiro de muitos prémios que viria a receber: Prémio Franco-Português – instituído pela embaixada de França, em Lisboa, em 1987.

    «ESTES PRÉMIOS

    TODOS FAZEM-ME

    SENTIR UM CAVALO

    DE CORRIDA!»

    Até hoje António Lobo Antunes já contabiliza um total de 13 prémios, dos quais de destacam o Prémio Camões, em 2007, o Prémio União Latina, em 2003, atribuído pela primeira vez a um europeu e o Prémio José Donoso, atribuído pela Universidade de Talca, no Chile. O último foi o Prémio Clube Literário do Porto, atribuído no passado dia 27 de Dezembro, no Porto, galardão que nos anos anteriores distinguiu os escritores Mário Claúdio, Armando Baptista Bastos e Miguel Sousa Tavares.

    O escritor brincou com a situação, revelando tiques de stand up comediant. «Estes prémios todos fazem-me sentir um cavalo de corrida!» Continuou, «a parte boa é que há uma remuneração monetária, é o que mais me interessa!», declarou provocando gargalhadas. «Eu sou um bocadinho o Tony Carreira da literatura!», exclamou sorrindo pela primeira vez.

    De origens humildes, Lobo Antunes confessou ter seguido a profissão de médico porque era o que acontecia à maior parte dos filhos dos médicos, embora conservasse o gosto pela escrita. Parte da sua experiência clínica foi praticada em Angola, durante a Guerra Colonial. Realidade exposta numa das suas obras – “Os Cus de Judas”.

    «NÃO GOSTO

    DE FALAR SOBRE

    A GUERRA»

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    Mas Lobo Antunes negou falar sobre a guerra: «Não gosto de falar da guerra, ninguém ganha nada na guerra, só se perde. Isso muda muito uma pessoa, ninguém fica igual. Eu por exemplo apercebi-me que o mundo não girava à minha volta».

    Lobo Antunes acabaria por se dedicar inteiramente à grande paixão – a escrita, a partir de 1985.

    O escritor confessou sentir uma ligação muito forte com Portugal o que lhe valeu uma observação pertinente de uma pessoa do público: «Tinha a ideia que o Lobo Antunes estava zangado com a nossa gente...com Portugal!!». A isto o escritor respondeu com um leve sorriso como que a esconder a sua indignação. «É muito curioso ver como as pessoas ficam com ideias totalmente erradas das outras pessoas até as conhecerem. Às vezes ficamos encantados, outra vez são uma grande desilusão!», declarou. «Isto acontece-me muito por causa da fama. E com esta fama acabamos por ficar extremamente sozinhos. Nunca sei se as pessoas vêm ter comigo por causa do António ou por causa dos livros que escrevo», declarou.

    «Confesso que me custa muito gostar das pessoas, mentem muito, são chatas e têm tendencia para tirar ilações erradas das pessoas. O meu editor diz-me que os meus verdadeiros amigos eram aqueles que eu já tinha antes de ser famoso!». Com estas declarações Lobo Antunes não deixou ninguém indiferente.

    Questionado acerca da qualidade dos escritores da actualidade, Lobo Antunes revelou uma posição bastante pessimista. «No século XIX havia em todo o mundo mais ou menos uns 30 génios a escrever ao mesmo tempo. A sensação que tenho é que hoje em dia se encontram no máximo cinco bons escritores no mundo inteiro. Por outro lado também há que ter me conta o factor lucro, porque quando se escreve tem de se ter isso em conta, se não não se é publicado. De facto existem escritores talentosos mas dificilmente são publicados».

    Por outro lado Lobo Antunes também não poupou críticas aos escritore actuais. «Hoje em dia as pessoas querem que se lhes diga que são bestiais na segunda, querem ser publicadas na terça, e na quarta querem ser famosas!»

    Finalmente e porque a hora ja ia adiantada o escritor declarou que não há grandes ideias para livros porque «os livros são feitos de coisas pequeninas é uma aventura extraordinária em que as coisas vão surgindo sem que se perceba muito bem como», finalizando o encontro. Deixou ainda a promessa de um novo livro para o final do próximo ano, «mas não tendo mais nada preparado para depois», revelou. O autor autografou ainda os livros dos presentes.

    Por: Teresa Afonso

     

     

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