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    Arquivo: Edição de 10-12-2008

    SECÇÃO: Crónicas


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    Vida nova, hábitos antigos

    Nenhum nascituro deve ter desejado tanto vir à luz como ele. Adiante se verá porquê. Mas vamos desde já dizendo que esse acto da vontade individual jamais ocorre em tal situação, pelo contrário, deixar o útero materno é uma violência, uma imposição da natureza. Nos momentos difíceis da sua vida, o homem aspira pelo retorno ao aconchego do seio primevo, o seu paraíso perdido. Asseguram os estudiosos que sofremos mais com o nascimento do que com a morte, causa de tanta angústia e perplexidade intelectual.

    Qualquer nascimento é motivo de regozijo, para os pais em primeiro lugar, para a restante família a seguir: os avós, irmãos e tios secundando a lista, talvez os primos depois. O recém-nascido não está ainda em condições de experimentar tal sensação. Agora, inverteram-se os papéis, quem se regozijou foi o próprio, enquanto os demais não consta que tenham manifestado alegria, sequer que o tenham afagado ou presenteado.

    Não conhecemos ao certo os responsáveis pelo feliz evento. Quem se assentou como pai foi o chefe do Executivo deste país, e a mãe – Deus lhe valha! – terá sido a ministra da Educação assistida pelo Valter e pelo Jorge, gente que nunca ele teria escolhido para essas funções. Verdade se diga, não foi um nascimento desejado, uma vez que todos daí foram lavando as mãos como Pilatos, um sujeito da mesma estirpe, a dos políticos, para quem as pessoas não valem pelo que são, mas enquanto títeres que eles manobram, produzindo e instrumentalizando as leis. As parteiras de serviço foram aquelas (ou aqueles) pelas mãos das quais passou o que é costume chamar “o processo”, isto é, o conjunto de informações acerca de alguém e que suporta o seu pedido. O objecto do processo, consequentemente, era ele, podemos até dizer que o processo era ele.

    O parto foi difícil, ora se foi! A gestação ultrapassou os limites do previsível, foi mesmo além do que é legítimo e expectável. «O senhor – foi desta maneira formal que o trataram – teve sorte, porque lidamos com situações muito mais demoradas». O leitor conhece a resposta habitual nestes casos e assim respondeu: «Com o mal dos outros posso eu muito bem». Era, pois, a modos que uma sugestão: «Mexa-se, faça alguma coisa, não fique à espera, e, se quer ficar, espere sentado!» Em casos destes, há o recurso legal, supostamente uma exposição ao responsável máximo pela equipa que gere o processo ou aquele jeitinho tão adequado à nossa maneira de estar na vida, o “quebra-galho” como dizem no Brasil, a cunha cá, e lá o pistolão. Talvez tenha sido essa a sua sorte, porque alguém teve dó e resolveu dar uma ajudinha, tanto mais que o rebento tivera um comportamento exemplar e contava apenas sessenta e oito anos.

    Imagino o espanto do leitor face ao que leu. Não será caso tão admirável como o que dizem ter sucedido com Buda que veio ao mundo aos 90 anos e com um dente no queixal superior. Mas Buda foi enviado divino, pertencia a uma espécie de seres que escapa às leis naturais. Se toda a regra tem excepção, a excepção apenas confirma a regra se não for vulgarizada.

    Chegados a este ponto, já se compreendeu que o nascimento a que me refiro tem que ser visto em sentido figurado. Para quem começou a trabalhar aos dezassete anos e, entre estudo e trabalho, muitas vezes em simultâneo, chegou à bonita idade que acima foi indicada, a aposentação bem merece enfática comemoração. Todavia, a sociedade em que vivemos não atribui grande valor aos mais idosos. Criou-se uma dicotomia absurda entre novos e velhos como se a necessária e útil entrada dos primeiros na vida activa devesse implicar a exclusão dos segundos, como se a experiência que estes adquiriram por muitas décadas já de nada valesse perante as excelsas virtudes que se atribuem à nova geração, melhor dizendo, a parte da nova geração, porque muitos jovens qualificados com licenciaturas e mestrados clamam no deserto e apenas ouvem o eco das próprias vozes, o melhor que vão obtendo será um trabalho temporário, mal remunerado, que não lhes permite vida independente, com frequência sobrecarregando os pais e levando-os ao desespero à espera de um amanhã que tarda em chegar.

    Quanto aos mais velhos, que propostas se ouvem aos nossos políticos com o objectivo de lhes proporcionar ocupações rentáveis que contribuam para maior enriquecimento da comunidade? É verdade que eles podem ajudar muito enquanto avós, acompanhando os mais pequenos de e para as escolinhas que frequentam, brincando com eles, transmitindo-lhes alguns dos conhecimentos que adquiriram. Mas quantos estarão em condições de desempenhar outros papéis extra-familiares e não têm oportunidade para tal, só porque ninguém os orienta nesse sentido nem são criadas condições que lhes possibilitem o seu exercício efectivo?

    Por: Nuno Afonso

     

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