Entrevista de Linus Torvalds ao Simple-Talk (2)
Linus Torvalds, criador do Linux, concedeu uma entrevista ao Simple-Talk (http://www.simple-talk.com/opinion/geek-of-the-week/linus-torvalds,-geek-of-the-week/), onde fala sobre o kernel (e um pouco sobre o seu desenvolvimento), licenciamento, o motivo de sua preferência pela GPL, patentes, distribuições e muito mais.
Leonardo Saibot (Terramel, BR-Linux.org) resolveu traduzir a entrevista. Como ela é muito extensa, publica-se agora a segunda parte. Não houve a preocupação em fazer uma tradução literal. O que se tentou fazer foi «uma tradução que realmente mostrasse o que foi dito e não uma que traduzisse fielmente cada palavrinha». Posteriormente foi feita uma adaptação para o Português local pel'”A Voz de Ermesinde”.
Nesta segunda parte, Torvalds fala acerca do processo de patentes e nos entraves à inovação na criação de software.
Richard Morris: Acha que patentes de software são uma boa ideia?
Linus Torvalds: Definitivamente não. Elas são um desastre. O negócio todo (e a ideia original) por detrás das patentes no sentido legal dos Estados Unidos é encorajar a inovação. Se você reparar no estado das patentes nos Estados Unidos hoje, verá que elas não estão a fazer isso. Certamente não em software, e muito obviamente também não em muitas outras áreas.
Na verdade acontece o oposto – as patentes são muito usadas para acabar com a competição, que é, sem dúvida, nenhuma o modo mais poderoso de incentivar a inovação. Qualquer um que seja a favor de patentes é basicamente contra a abertura de mercados e a competitividade, mas eles nunca dizem isso dessa forma.
Então, o objectivo principal das patentes certamente não está a ser alcançado hoje, o que já deve significar alguma coisa. E isso provavelmente acontece em qualquer área.
Mas a razão pela qual as patentes são especialmente ruins para os softwares é que os softwares não são uma invenção separada onde você pode apontar uma única ideia. De jeito nenhum. Qualquer software relevante é um conjunto altamente complexo de regras bem detalhadas, e existem milhões de pequenas e triviais ideias ao invés de uma única ideia inteligente que possa ser patenteada. O valor do software não está isolado em nenhuma das pequenas ideias, mas em todo o conjunto. Também é angustiante ver que as pessoas patenteiam “ideias”. Não é nem mesmo uma coisa que foi trabalhada; é apenas um pequeno modo de fazer as coisas que tentam patentear, apenas para poder ter uma arma para uma briga económica. Triste. As patentes já perderam todo o valor de redenção, se algum dia tiveram algum.
Richard Morris: O que acha dos esforços da Microsoft em ter uma parte na comunidade de código aberto? Acha que eles são sinceros nos seus esforços ou vê isso como algum tipo estratégia de abraçar-extender-exterminar?
Linus Torvalds: Eu não tenho como julgar isso. Pessoalmente acho que, por um lado, os esforços da Microsoft são sinceros, e por outro não são. É uma empresa grande e inchada, e quando uma mão diz que quer participar no código aberto, eu duvido que a outra saiba o que é ou se importa.
Richard Morris: Se a Microsoft o convidasse para trabalhar no laboratório de código aberto deles, você iria?
Linus Torvalds: Eu não tenho ódio da Microsoft, então eu não iria dizer: «Não! Nunca! Eu prefiro cair em cima da minha própria espada do que ir para o lado negro!». Claro que acho improvável que a Microsoft algum dia faça uma oferta que eu consideraria relevante. Dinheiro? Ei, eles têm, e eu gosto, mas eu obviamente não acho o dinheiro mais importante do que outras coisas. E é improvável que eles ofereçam as coisas que eu realmente valorizo.
Richard Morris: Que parte de um sistema operativo acha que é mais difícil de escrever?
Linus Torvalds: Essa é uma pergunta interessante, justamente porque a minha resposta é que nunca é nenhuma parte.
Claro, todos os detalhes tendem a ser complicados, mas o trabalho real é fazer tudo funcionar junto. Comparado a isso, qualquer detalhe particular que se queira apontar pode até ser um desafio técnico, mas nada que realmente tire alguém do sério. Por exemplo, uma área que realmente nos fez passar por maus bocados (e que ainda causa problemas, mesmo que tenha melhorado muito) é o gerenciamento de energia e todo aquele negócio de suspender/resumir que as pessoas fazem nos laptops.
E não foi nenhum detalhe particular irrastreável que fez disso algo tão difícil, mas o facto de mexer com cada subsistema dentro do kernel (e muitos outros fora do kernel, na parte do utilizador também!), e foi justamente isso que acabou por tornar tudo um desafio.
A distribuição
preferida
pelo criador do kernel
do sistema operativo
GNU/Linux
Richard Morris: Que distribuição Linux usa?
Linus Torvalds: Eu usei diferentes distribuições durante anos. Agora estou a usar Fedora 9 na maioria dos computadores que tenho, o que tem mais a ver com o facto do Fedora ter tido um óptimo suporte para o PowerPC na época que eu o usava, e então me acostumei a ele. Mas eu não ligo muito para a distribuição, contanto que torne fácil de instalar e manter o sistema actualizado. Eu importo-me com o kernel e com alguns programas, e o conjunto de programas que eu realmente me importo é até pequeno.
Quando o assunto é distribuição, a facilidade da instalação é uma das coisas mais importante para mim – Eu sou um técnico, mas tenho uma área bem específica de interesse, e eu não quero perder tempo com o resto. Então as únicas distribuições que eu tenho evitado são aquelas que são conhecidas por serem “muito técnicas” – como aquelas que encorajam a compilar os seus próprios programas, etc..
Sim, eu posso fazer isso, mas acaba com toda a ideia de uma distribuição para mim. Por isso gosto daquelas conhecidas por serem fáceis de usar. Eu nunca usei o Debian puro, por exemplo, mas eu gosto do Ubuntu. E antes das pessoas do Debian me atacarem – sim, eu sei, eu sei, deve ser bem mais simples e fácil de instalar hoje em dia. Mas antes não era, por isso nunca tive uma razão para usá-la.
Richard Morris: Acha que produtos como OpenOffice podem ganhar aceitação por serem clones de produtos comerciais amplamente usados ou acha que eles precisam de inovar antes de serem aceites?
Linus Torvalds: Eu acho que “inovação” é uma palavra vulgar na indústria. Não deve nunca ser usada. Tornou-se uma coisa de relações públicas para vender novas versões dos seus produtos.
Foi Edison que disse «1% de inspiração, 99% de transpiração». Isso pode ter sido verdade 100 anos atrás. Nos dias actuais é «0,01% de inspiração, 99,99% de transpiração», e a inspiração é a parte fácil. Como um gerente de projecto, eu nunca tive dificuldades em achar pessoas com ideias doidas. Eu tive dificuldades em achar quem podia executá-las. Por outras palavras, “inovação” já foi muito vendida. E com certeza não deve ser aplicada em produtos como MS Word ou Open Office.
Então não, eu não acho que as pessoas precisam de mais inovação. Eu preferia ver mais pessoas a vender os seus produtos pela boa e velha “qualidade”.
E sim, eu acho que o Open Office pode competir. O software é uma área difícil, e nisso o responsável que está na área por muitos anos não tem apenas uma posição de relações públicas e é visto como “o inovador” (você continua a usar essa palavra. Eu não acho que significa o que você acha que significa), mas ainda mais, eles simplesmente têm mais anos de experiência.
E ao contrário de “inovação”, os “anos de esforço” definitivamente importam neste mercado.
Claro que, quase sempre, “anos de esforço” sempre tendem a significar “anos de inchaço”, de tal forma que depois de um certo ponto, ajuda menos do que ajudava antes. Acho que é isso que você está a ver acontecer com o MS Office contra o Open Office – a vantagem dos anos de esforço que a Microsoft tem está a começar a tornar-se incapaz de superar os custos do inchaço e do auto-satisfação.
Richard Morris: Acha que o ano do desktop vai chegar? Se for chegar, o que a comunidade precisa fazer para que isso aconteça?
Linus Torvalds: Eu não acho que exista um “ano”. O que acontece é que o uso se expande. Todo o ano. E eu não acho que seja tanto pelo kernel. Claro, é preciso um kernel no desktop, mas as coisas que devem ser observadas pelo ponto de vista do desktop provavelmente não têm tanto a ver com o kernel quanto com o uso de coisas como Firefox e Open Office, e com o desenvolvimento do Gnome e do KDE. (continua)
Por: Richard Morris
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