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Edição de 31-03-2024
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    Arquivo: Edição de 15-02-2008

    SECÇÃO: Cultura


    AVE Jovem

    Nós atados nas pontas do fio de lã...

    Os fios de lã caem pela cadeira e tocam o chão dos teus cabelos. Os nós feitos nas pontinhas atam os pulsos de pessoas que correm o risco de se perder no caminho de casa. Os nós dados no meio do fio atam folhas escritas com letras insanas. O novelo é espetado por agulhas, mas respira tranquilo e olha as pessoas que o rolam pelo chão. Fios que perfazem metros de chão e de ar, estendidos e puxados ao máximo da elasticidade.

    O novelo constrói-se e descontrói-se e perde a forma, ganha a forma, mantém-se o mesmo na sua quantidade.

    As pontinhas do fio que saíam do novelo de lã, foram atadas aos teus pulsos, para nunca te perderes de mim. E atrás de nós forma-se um rasto sem fim que se prolonga como se fosse a tua sombra em pequenos fios de várias cores. Na mão eu carrego os novelos que se desenrolam e quando um acaba ato novos laços que se prolongam.

    Por: DANIELA RAMALHO

    Dias de festa

    Durante o ano, há épocas especiais a que chamam dias de festa. Temos o exemplo do Natal e Ano Novo, a Páscoa, e de outras festas locais ou aniversários. Nesses dias… aqueles em que as pessoas se reúnem em família.

    E os tios do Algarve, os tios de Bragança e os tios de Viseu (& companhia), que nunca se falam ao longo do restante ano, juntam-se na casa da avó invadida por tal multidão. Ao encontrarem-se, sempre sorridentes, logo conversam sobre os filhos, e sobre as opções escolares dos filhos, e sobre as saídas nocturnas dos filhos, e sobre os namorados dos filhos e sobre futebol (isto depois de perguntarem a todos os presentes se está tudo bem, recebendo sempre a mesma resposta). Quando o assunto se esgota, lá se liga à televisão acesa, ou se pega numa revista, onde a Merche Romero declara que nada tem a ver com o seu ex-namorado, e portanto o Cristiano Ronaldo pode dormir descansado (debaixo do seu tecto dourado).

    Entretanto lá chega a hora do jantar, ou do almoço ou lanche, ou melhor, a hora de comer, porque em dia de festa não há outro festejo senão comer e beber. Então, todos os tios e as tias, e primos se sentam à volta da mesa rectangular e comprida, numa algazarra sem conteúdo, feita só por os habituais achegas de última hora. Ao estarem todos servidos, começando pelo avô à cabeceira e a avó do seu lado esquerdo, volta o silêncio. Mas, nesta altura a cozinheira pergunta se está bom, pelo que, quase em uníssono, uns abanando a cabeça e outros murmurando, respondem que sim. Eis, porém que alguém se lembra de uma notícia recente e, de preferência escandalosa, pelo que põe os adultos em alvoroço outra vez. O avô dizendo que no seu tempo não era assim, e os seus filhos a contrapor que não é bem assim. Segue-se uma das notícias das últimas sacanices do governo e, aí é que a discussão começa. Defensores de partidos diferentes começam a dissertar, dando exemplos do que de mal os opositores já haviam feito. É neste momento que os mais novos vão para a salinha ao lado, já que a conversa começa a ser entediante e a novela mais popular está no ar no horário nobre, mesmo em dia de festa. À medida que o volume da discussão política vai aumentando, as mulheres levantam-se para arrumar a cozinha e os homens vão fazendo o mesmo devagarinho. Só sobram os resistentes usuais, o avô e o controverso tio Pedro, que não tem medo de se pegar com o sogro com cara de mau, mesmo em dia de festa. No entanto, chega a hora de ir ao café e saem-se os dois a rir ironicamente pensando um do ouro que não tem juízo.

    O café situa-se algumas casas abaixo, porque a casa da avó está perfeitamente situada no maior aglomerado da aldeia. No café só há homens já coradinhos com uma cerveja na mão jogando às cartas como um tremendo vício, não fosse este dia de festa. O fumo do cigarro paira naquele lugar, e parece que absorve o ar que está lá dentro. Pedem-se os treze cafés, dois descafeinados e um café com cheirinho para o avô. E o Sr. Zézito lá fica dez minutos diante da máquina do café. O café que tem um sabor a detergente bem característico do cheiro do Fairy, porque nas aldeias só se usam objectos de marca. Mesmo nos detergentes da loiça.

    Ao retornar a casa, as mulheres continuam a lavar o monte de loiça sobrante, as crianças continuam a ver televisão, mas os homens vão jogar dominó. E o serão assim passa até chegar a hora do chá. Os homens interrompem o seu jogo para vir à salinha onde estão os outros. Os miúdos já estão com cara de sono e depois do leitinho vão dormir, assim como os graúdos, que acabam o seu cházinho com um adeus de boa noite, pois amanhã há que levantar cedo, e não há desculpa por ser dia de festa.

    Levantar cedo para no dia seguinte regressar ás suas casas em pontos do país opostos e não receberem notícias uns dos outros até outra ocasião especial, em que se juntarão novamente para comer e ver televisão, e perguntar se está tudo bem. E falar sobre os filhos. Outra ocasião especial, outro dia de festa. Em família.

    Por: ANA PEDRO

     

     

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