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Edição de 31-03-2024
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    Arquivo: Edição de 20-12-2007

    SECÇÃO: Crónicas


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    Natal à moda antiga

    Num sábado em fins de Novembro, a mãe convidou-a para ir consigo ao campo. Esse era um convite irrecusável, porque a Joana adorava a Natureza e o dia apresentava uma face esplêndida: o sol derramava sorrisos, ainda que a temperatura fosse baixa, como é normal nesta época do ano.

    Mãe e filha vestiram casacos, luvas e chapéus e saíram de casa muito bem-dispostas. Joana maravilhava-se com tudo o que via: o reflexo do sol na água dos riachos e nas gotas de orvalho suspensas das folhas das plantas como diamantes, o voo dos pardais pipilando, a saltar de ramo em ramo, a fuga sobressaltada das lagartixas que se aqueciam à beira dos caminhos, o zumbido dos insectos alvoroçados em busca de alimento, o coaxar das rãs nos juncos que margeavam os ribeiros. Adorava atravessar os campos por carreiros de terra ainda húmida das últimas chuvas, subir colinas do alto das quais a vista se alargava até ao horizonte mais distante.

    Joana ouvia atentamente as explicações da mãe e guardava-as na sua memória para depois as relembrar, devagarinho, como quem saboreia um doce, com a dupla vantagem de ficarem sempre inteirinhas sem a sensação amarga da finitude e, pelo contrário, com o encantamento que a patina do tempo vai acrescentando. A dado momento, a mãe chamou-lhe a atenção para uma espécie de plantas verdes que se desenvolvem nas rochas e cobrem boa parte da sua superfície:

    – Olha, filha, isto chama-se musgo. Se for retirado cuidadosamente e estendido, assemelha-se a um tapete verde. Desenvolve-se em lugares sombrios e a frescura do Outono ajuda a que apresente esta cor maravilhosa.

    – O musgo é muito bonito tão fofinho! Tem a cor da erva destes campos que atravessámos – observou a Joana depois de ter passado por ele a sua mão.

    Ilustração RUI LAIGINHA
    Ilustração RUI LAIGINHA
    – Pois tem! – concordou a mãe. A tonalidade é ligeiramente mais escura, até há quem lhe chame verde-musgo. Quando eu era da tua idade, dois ou três dias antes do Natal, nós, as crianças, saíamos com cestas nos braços e andávamos à procura dele pelos montes. Arrancávamo-lo e colocávamo-lo nas cestas até as enchermos. Ao voltarmos para casa, toda a família colaborava na montagem do Presépio. O meu pai ou os meus irmãos iam buscar pedras de tamanhos variados sobre as quais colocávamos os musgos, que alinhávamos, formando montes e vales, sulcados por rios feitos com papel de prata que envolviam os cigarros e os chocolates. Erguíamos uma cabana com pedaços de lenha e cobríamo-la com colmo e folhas na ilusão de que assim o Menino Jesus teria menos frio na sua pequena manjedoura já que o bafo da vaca e do burrinho não chegavam para O aquecer. A Virgem Maria e São José contemplavam, com humildade e encantamento o Deus-Menino. As suas fisionomias de barro não denotavam a preocupação que certamente sentiam por vê-lO tão desprotegido. A grande estrela prateada, que encimava a cabana, afinal, iluminava os caminhos mas não aquecia os que ali se tinham abrigado. Os rapazes usavam os seus canivetes para construírem pontes de madeira que simulavam a travessia dos cursos de água. Sobre o musgo, púnhamos ovelhinhas brancas, os respectivos pastores e cães de guarda, além de outras figuras populares e soldados romanos. Lá mais atrás, vinham os Reis Magos montados nos seus camelos e, ao fundo, apareciam as muralhas da ingrata cidade de Belém, modeladas e pintadas em cartão.

    Joana pediu à mãe que a deixasse ir buscar musgo quando o Natal estivesse próximo, pedido, de pronto, satisfeito. Em seguida, regressaram a casa.

    No domingo seguinte, o pai, a Joana e o Sérgio, seu irmão mais velho, saíram logo após o almoço. A mãe desculpou-se com uma indisposição e ficou em casa. Ao fim da tarde, ela esperava-os na sala de estar, ao lado de um velho baú aberto, e o que viram deixou-os fascinados: a Árvore de Natal estava já no lugar habitual, toda enfeitada, mas de maneira que eles nunca antes tinham visto. Do alto, onde se encontrava uma grande estrela de prata, desciam fitas muito estreitas e coloridas e cordões dourados e prateados de que pendiam bombons com embalagens verdes, vermelhas, azuis, amarelas e de cores combinadas, em forma de anjos, de pássaros, de borboletas, de flores e de frutos diversos. Havia lantejoulas de madrepérola que funcionavam como pequenos espelhos e brilhavam como pirilampos.

    – Encontrei este baú num canto do sótão. Deve ter pertencido aos meus avós ou bisavós, não sei. Estava cheio de coisas alusivas ao Natal. Como vedes, estas decorações são muito antigas, duma época em que não havia a quantidade e variedade que hoje existe. As bolas, se existiam, deviam ser em latão pintado. Preferi não misturar as fitas, os cordões e as lantejoulas com as bolas actuais e coloquei estes bombons que encontrei numa loja da especialidade. Pela vossa expressão, vejo que aprovastes a minha ideia.

    – Está maravilhosa! – exclamou a Joana com o assentimento de cabeça do pai e do irmão. – Antigamente também se faziam enfeites muito giros. Agora só falta o Presépio que há-de ser tão bonito como a Árvore. Mas isso fica para as vésperas do Natal.

    Por: Nuno Afonso

     

     

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