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Edição de 31-03-2024
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    Arquivo: Edição de 30-01-2007

    SECÇÃO: Destaque


    Agência para a Vida Local promoveu sessão de esclarecimento sobre a Despenalização do Aborto

    O “Sim” e o “Não” apresentaram os seus argumentos em Ermesinde

    Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?. É a esta pergunta que os portugueses terão de responder “sim” ou “não” no referendo do próximo dia 11 de Fevereiro. Como tal, e numa altura em que surgem algumas dúvidas - e confusões - por parte de uma grande fatia da população em torno da questão, a Agência Para a Vida Local/Câmara Municipal de Valongo levou a cabo no passado dia 18, no Fórum Cultural de Ermesinde, uma sessão de esclarecimento sobre toda esta temática. Uma iniciativa, destinada a jovens do concelho de Valongo, onde se pretendeu, pois, esclarecer e sensibilizar com vista ao exercício de um voto responsável, esclarecido e consciente aquando da realização do referendo.

    Para isso, e como forma de conhecer os argumentos e motivação do “sim” e do “não” foram convidados dois movimentos, mais precisamente o Movimento Jovens Pelo Sim e o Movimento Por Ti Não ao Aborto.

    Fotos MANUEL VALDREZ
    Fotos MANUEL VALDREZ
    Coube à responsável pela Agência para a Vida Local (AVL), Eunice Neves, dar início a esta sessão de esclarecimento, começando por fazer um pequeno apanhado do que ali se iria passar, frisando antes do mais que a principal intenção da iniciativa era esclarecer os jovens – votantes e não votantes – sobre toda esta temática em redor da despenalização do aborto. Deixaria bem claro que esta sessão era apenas, e só, uma sessão de esclarecimento e nunca um debate entre o “sim” e o “não” como inicialmente se poderia pensar. Relembraria ainda aos presentes que já em1998 os portugueses haviam sido chamados a pronunciarem-se sobre este assunto, tendo na altura o “não” vencido pela “margem mínima” o “sim” com 50,9% contra 49,1%. Contudo, caberia à abstenção a maior percentagem desse referendo, com 68,1%, um número que demonstrou em grande parte a falta de informação, e de alguma consciência, para a questão, por isso «o que nós queremos com esta iniciativa é clarificar ideias e contribuir para que possa haver um exercício de voto consciente», sublinhou Eunice Neves. Seguidamente formularia a pergunta que irá ser referendada no próximo dia 11 de Fevereiro, esclarecendo que a resposta para ela a ser dada pelo eleitorado terá de ser ou “sim”, ou “não”, nunca noutro sentido. Significando isto que os dilemas políticos, morais, jurídicos, entre outros, sobre as condições preferidas da despenalização se situam à montante do que é expresso na pergunta. Posteriormente faria uma apresentação dos dois movimentos ali representados, dando em primeiro lugar a palavra (assim ditou o sorteio realizado no momento) ao “sim”.

    OS ARGUMENTOS

    DO “SIM”...

    E pelo “sim” deu a cara Marta Costa, uma jovem psicóloga oriunda da Rede Portuguesa de Jovens para a Igualdade de Oportunidades entre Homens e Mulheres, uma organização nacional que criou o Movimento Jovens Pelo Sim.

    Um movimento nacional criado para intervir junto da população juvenil, no sentido de apelar junto desta para uma participação mais activa no referendo de 11 de Fevereiro, já que em 1998 a juventude foi das camadas populacionais que menos se envolveram na questão, surgindo por isso agora a necessidade de criar um movimento capaz de esclarecer os jovens sobre este tema. E como tempo para a argumentação era curto – foram dados 10 minutos a cada movimento para apresentar os seus argumentos – Marta Costa fez um resumo dos argumentos chave dos defensores do “sim”, começando por focar a questão do aborto clandestino. Uma realidade que na sua voz existe e vai continuar a existir caso não haja uma despenalização do aborto, e com ela vão continuar a existir as sequelas físicas e psicológicas de um aborto realizado sem os cuidados médicos de qualidade. A defensora do “sim” diria ainda que segundo um estudo realizado recentemente as raparigas com idades compreendidas entre os 17 e os 20 anos e os 24 e 34 anos são das mais afectadas pelo aborto clandestino, e que a grande maioria delas são provenientes de classes sociais com poucos recursos financeiros. Marta Costa desdobraria então a questão que irá ser referendada, ou seja, explicou as questões que nela se encontram subjacentes. Em primeiro lugar é-nos perguntado se estamos de acordo com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, que nas suas palavras é uma pergunta muito simples, ou seja, se as pessoas estão ou não de acordo que as mulheres vão para a prisão por terem feito um aborto, explicando em seguida que os conceitos despenalizar e legalizar são distintos um do outro, contrariamente ao que defendem os apoiantes do “não”. Em segundo lugar, é-nos perguntado se concordamos com a interrupção voluntária da gravidez nas primeiras 10 semanas, um período que na voz da defensora do “sim” permite às pessoas tomar uma decisão informada e ponderada sobre o procedimento a ser feito, bem como permitir que a intervenção médica seja efectuada com condições de saúde para a mulher. Em terceiro lugar, se estamos ou não de acordo que este acto seja feito por opção da mulher, pois nas legislações já existentes todas as interrupções voluntárias da gravidez são a pedido da mulher, não podendo ser outra pessoa a interceder por si, uma vez que isso poderia colidir com a vontade desta. Por último, é-nos perguntado se concordamos que a interrupção voluntária da gravidez seja feita num estabelecimento de saúde legalizado dentro de um quadro de cuidados médicos de qualidade. «Todas estas condições fazem com que o aborto não seja liberalizado, contrariamente ao que muita gente julga. Nós acreditamos que a despenalização da interrupção voluntária de gravidez é fundamental e portanto estamos a lutar para que todas as pessoas, sobretudo as raparigas, tenham condições dignas para efectuar esse procedimento médico», frisou a defensora pelo “sim”.

    ...E OS DO “NÃO”

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    Seguiu-se a intervenção de Joana Barbosa, uma professora de 26 anos que integra os quadros da Associação Mulheres em Acção, uma organização que criou o movimento Por Ti Não ao Aborto. Começaria por dizer que a sua associação trabalha há já oito anos com mulheres que já abortaram, ou que querem fazer um aborto. Uma associação cujo objectivo é mostrar a essas mulheres que o aborto não é a única solução, pois existem outros caminhos «sendo que a vida é um direito inviolável, tal como diz a Constituição portuguesa». Tal como a sua colega do “sim” Joana Barbosa “partiu” a questão a ser referendada, convidando todos os presentes a irem ao dicionário ver o que significava a palavra aborto, «e aí podem ler que aborto é a interrupção voluntária da gravidez e que se trata de crime. Por isso os movimentos pelo “sim” estão a mentir quando dizem que uma coisa é diferente da outra», explicou.

    Disse também que no seu entender despenalizar é o mesmo que liberalizar, pois se o “sim” vencer qualquer pessoa pode ir a um estabelecimento de saúde legalizado e fazer um aborto, «ao liberalizar esta prática estou a permitir que ela seja recorrente, qualquer um pode fazer uso dela. Se o aborto for legalizado ele vai ser uma prática banal». Desmistificou também a questão da prisão das mulheres que tenham feito aborto, um argumento muito usado na campanha do “sim”, pois na sua voz nenhuma mulher em Portugal até hoje foi presa por ter abortado.

    Focaria ainda a ausência da figura do “homem” desta questão, algo que no seu entender está errado, «pois eles são responsáveis em tudo, tal como a mulher, do princípio ao fim, desde que começam uma relação sexual até a levaram a cabo. Tem de haver igualdade em tudo, por isso discordamos que na pergunta esteja implícito “... por opção da mulher...”». Discordaria também do período em que aborto pode ser feito, caso seja despenalizado, isto é, «e se o aborto for feito às 10 semanas e um dia? Aí a mulher é presa, pois como dizem muitos defensores do “sim” a lei é para ser cumprida caso haja despenalizado. Por isso, não percebo porque estão sempre a dizer que a despenalização é para evitar a prisão das mulheres. E porquê 10 semanas? Significa isto que o feto até aos dois meses e meio dentro da barriga de uma mãe não tem vida? Não é uma vida que ali está dentro? A vida começa desde a concepção até à morte natural. Uma corrida de 5km não começa aos 4km! Se o feto não é uma vida é o que? Uma cenoura?», questionou a defensora do “não”, que apelaria a todos aqueles que têm idade para votar que o façam com convicção e de consciência própria, e não porque seja moderno votar “sim”, «pois ser moderno não é votar “sim” mas ser pela vida».

    A INTERVENÇÃO

    DO PÚBLICO

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    Posteriormente a vasta plateia, composta maioritariamente por jovens oriundos de várias escolhas do concelho de Valongo, teve a oportunidade de colocar algumas questões, opiniões ou simples críticas junto dos dois movimentos.

    Diversos defensores do “sim” e defensores do “não” apresentaram os seus pontos de vista em relação a esta questão, os quais seriam sucedidos de comentários e/ou explicações dos dois movimentos.

    Uma das primeiras intervenções pertenceu a uma professora, que criticou o facto de o Estado gastar tanto dinheiro com este referendo, quando simplesmente deveria era investir na «formação de professores para que estes pudessem dar uma educação sexual aos alunos. Deveriam também investir na formação de profissionais capazes de trabalhar nos bairros e nas ruas com os miúdos menos informados – e carenciados – sobre estas questões da sexualidade, uma vez que muitos dos casos de gravidezes em adolescentes se verificam nestas camadas sociais mais desfavorecidas onde existe pouca informação sobre estas matérias. Deveriam investir com mais força no planeamento familiar. Mas ao invés disso preferem gastar rios de dinheiro em campanhas para referendos sobre o aborto».

    Tanto o “sim” como o “não” concordariam – em especial este último – com esta observação, sendo que o primeiro movimento diria que aquando do referendo de 1998 os adeptos do “não” falavam numa “forte aposta” no planeamento familiar e na educação sexual, «mas até hoje na foi feito. Relativamente à questão monetária, penso que neste momento o dinheiro dos nossos impostos está a ser utilizado com as consequências dos abortos clandestinos, pois são muitas as mulheres que vão parar às urgências dos hospitais vitimas de um aborto mal feito, pelo que a despenalização servirá para que as mulheres com mais necessidades tenham direito a cuidados médicos legais e de qualidade, sem riscos para a sua saúde». Já Joana Barbosa classificaria esta observação como muito boa, dizendo que para este referendo vão ser gastos cerca de 10 milhões de euros, dinheiro esse que poderá servir para legalizar e aprovar o aborto. «No lugar de dar formação aos professores, em apostar na educação sexual e num melhor planeamento familiar gasta-se dinheiro num referendo. Na Alemanha, por exemplo, pagam 600 euros a uma mulher que tenha um filho. Porque não posso ter esses direitos em Portugal? Em vez de só nos dar a escolher a opção do aborto porque é que o Estado não apresenta propostas com vista a fomentar e a melhorar as condições de maternidade no nosso país? Dinheiro para investir nisso não há, mas para as clínicas de aborto que se vão instalar em Portugal caso o “sim” vença já há, pois é para aí que vai o dinheiro dos nossos impostos».

    Uma das intervenções mais notadas foi a de Luís Ramalho, secretário da Junta de Freguesia de Ermesinde, que se encontrava nesta iniciativa como mero espectador. Para Ramalho, o “não” está a mentir quando diz que nunca nenhuma mulher foi presa por abortar, lembrando que após o célebre julgamento da Maia uma mulher foi condenada a quatro meses de prisão, os quais seriam substituídos por uma multa de 120 euros. Consideraria ainda que nenhuma mulher vai ser obrigada a fazer um aborto se o “sim” ganhar, pois no seu entender esta questão é sobretudo uma opção da mulher, visto que ela só irá recorrer ao aborto se assim o entender. Criticaria ainda o papel da igreja nesta campanha, lembrando a existência de um cartaz elaborado por esta entidade onde se via uma fotografia de um feto de 10 semanas, algo que para si é uma conduta extremamente degradante. «Ou seja, a igreja está a tirar partido de um aborto que foi feito para expor a sua opinião. Não vejo igualmente na campanha do “não” fotografias com crianças espancadas até à morte, ou que tenham sido vítimas de violação por parte dos pais, ou simplesmente que tenham sido abandonadas à nascença num caixote do lixo. Não sei sinceramente o que será preferível, se evitar o nascimento dessa criança ou vê-la sofrer ao longo da sua vida», opinaria Ramalho, que se manifestou convictamente a favor do “sim”.

    Na resposta a esta intervenção Joana Barbosa diria que a sua intenção sobre a questão da prisão era dizer que nunca nenhuma mulher havia estado presa por abortar, mas que haviam sido julgadas, porque para si abortar é um crime, assim como é crime matar. Frisaria que não foi só a condenação desta mulher a estar em jogo na altura, mas também a humilhação de estar na barra de um tribunal por ter feito um aborto.

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    Para Marta Costa se o “não” vencer o referendo as mulheres que façam aborto vão continuar a ir parar à barra dos tribunais, a terem de passar pela humilhação de um julgamento na praça pública, a esporem publicamente a sua vida perante todos. «O que está em causa é a humilhação que as pessoas passam durante o julgamento, porque fazer um aborto não é uma decisão fácil, não é como tomar a decisão de ir beber um café, e acima de tudo porque passam por criminosas, pois com a actual lei quem faz um aborto é uma criminosa, e é contra isso que nós votamos. Nós não somos a favor do aborto, somos sim a favor da sua despenalização».

    Outras intervenções surgiram nesta sessão, vindas de apoiantes do “sim” que defendem o aborto como uma opção da mulher, a qual é dona do seu corpo e como tal pode tomar a decisão que melhor entender para si, bem como de defensores do “não” que defendem o direito à vida acima de tudo.

    Depois das alegações finais dos dois movimentos, apelando ao voto consciente e convicto de todos aqueles que vão votar, Eunice Neves daria por encerrada a sessão.

    Por: Miguel Barros

     

     

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