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    Arquivo: Edição de 30-12-2006

    SECÇÃO: Destaque


    Como promover uma educação com qualidade e equidade orientada para uma cidadania do século XXI?

    “A Voz de Ermesinde” conclui, neste número, a publicação de contribuições para o Debate Nacional sobre Educação por escolha do editor, estando, contudo ainda aberta ao envio por parte dos leitores, de reflexões que se enquadrem nesta temática. Publicamos neste número um texto de Carmelinda Pereira, docente do Ensino Básico, a propósito das exigências para uma Educação com valores no século XXI.

    Que saberes, que competências parecem necessários aos cidadãos do século XXI? Como conseguir promover uma educação orientada para esses fins com qualidade e equidade?

    Pensar na formação e na qualificação das crianças e jovens de hoje obriga-nos a pensar na realidade em que vivemos e nos caminhos que se poderão perspectivar. É talvez por isso que é normal afirmar-se que um professor terá que ser um visionário.

    O salto fantástico conseguido pela inteligência humana, em termos das possibilidades de comunicar de forma instantânea com os outros, bem como o acesso imediato à informação, através dos novos sistemas cujo desenvolvimento é exponencial, obrigam a que o processo de ensino/aprendizagem tenha que sofrer inevitavelmente uma profunda reflexão. Poderemos imaginar que afectos e que sensibilidade se poderão desenvolver numa relação virtual? Como se constrói, na mente de uma criança, a representação do espaço e do tempo nestes contextos? Que realidade social, política económica e cultural estará a ser construída?

    A este propósito, num documento da Biblioteca on-line de Ciências da Comunicação, com o título “Globalização das redes e comunicação: uma reflexão sobre as redes cognitivas e sociais”, Lídia J. Oliveira Loureiro da Silva, da Universidade de Aveiro, questiona: “Que metamorfoses individuais e colectivas estará o homem a sofrer com a progressiva afirmação da globalização da comunicação?”

    A vida, quer no trabalho quer fora dele, vai exigir saber viver com esta realidade. Quem não souber usá-la, arrisca a exclusão.

    Preparar as jovens gerações para o futuro exige, então, um processo de formação na escola que pressupõe a aquisição de ferramentas para saber aceder à informação, sem se deixar cegar e saber usá-la sem ficar envenenado por ela, como dizia Isabel Alçada numa aula, na ESE de Lisboa, utilizando como exemplo para ilustrar a sua metáfora, os óculos e as luvas que o frade Guilherme usava no filme “O Nome da Rosa”, para poder tocar e ler os livros cujas folhas estavam impregnadas de veneno que cegava e matava quem lhes tocasse.

    Precisamos de uma escola cada vez mais exigente, em termos de conteúdos disciplinares a todas as suas dimensões – das ciências à língua mãe e às línguas estrangeiras, da matemática e da música à literatura, da arte ao desenvolvimento da capacidade crítica e da aquisição de valores éticos.

    A esta exigência, juntemos o mosaico de culturas, em virtude da mobilidade de milhares de trabalhadores, as diferenças sociais e as enormes dificuldades de muitas crianças e de adolescentes que chegam à escola marcados pelos dramas terríveis do meio familiar, a decomposição e a desorganização social. Como afirmou recentemente Michel Develey, num seminário , na Escola Superior de Comunicação Social de Lisboa, “Quando a sociedade se constipa, a escola tosse”. E que tem a sociedade de hoje? Uma simples constipação, ou uma situação de regressão e de barbárie?

    Procurar responder a esta diversidade de exigências implica uma pedagogia que, em vez de normalizar, vise desenvolver todas as potencialidades próprias de cada um – a pedagogia da mestria. A pedagogia que exige a adaptação do ensino às diferenças, meios diversificados, tempos flexíveis, uma avaliação formativa e somativa de referência criterial. Que exige que o processo de ensino/aprendizagem esteja mergulhado num banho de cultura e de humanismo.

    É esta escola com que se têm preocupado muitos teóricos das Ciências de Educação e humanistas.

    Cito, como exemplo, Joaquim Patrício, quando afirma: “Escola é o lugar cultural onde (…) esta experiência de plena aprendizagem de ser homem pode e deve desenvolver-se. A Escola deve ser por conseguinte uma oficina de Humanidade. Pode sê-lo?”

    Sim, a Escola pode ser este espaço de liberdade, de humanismo;”o espaço onde terá lugar primeiro a formação do Homem e só depois do trabalhador”, citando Conceição Rôlo.

    A realidade portuguesa, nos anos após a Revolução do 25 de Abril de 1974, ficou marcada por milhares de experiências feitas por equipas de professores que se empenharam na elaboração de projectos e na sua realização, partilhando saberes, dedicando horas sem fim a essa tarefa, com a convicção de que estavam a construir o futuro. Mais do que procurar o sucesso, eles trabalhavam para a realização pessoal e colectiva, trabalhavam para a felicidade.

    Nos anos de trabalho – ao longo da minha vida como docente – eu testemunho esta afirmação, através das diferentes escolas por onde passei, escolas que me marcaram como pessoa e que, certamente, eu também ajudei a marcar.

    A última onde trabalhei foi a escola de Algés, quer como professora envolvida numa turma, quer como directora, quer como dinamizadora das práticas de sedução para a leitura e para a escrita, entrosadas nos planos curriculares das turmas e no plano de actividades da escola, a partir da sua Biblioteca/Centro de Recursos. Foi esta escola que Yehudi Menuhin chamou “L’école de mes rêves”, e na qual foi feito um esforço colectivo para pôr em prática o seu projecto MUS-E (Musas – Europa) – a música como fonte de equilíbrio e tolerância entre os povos, como ele defendeu e tentou praticar ao longo da sua vida.

    Nesta prática para a mestria, para a construção de conhecimento, para a formação de gente curiosa e livre, não há lugar para a competitividade individual, nem sequer para a competitividade entre escolas. Há lugar sim para o impulso e a interacção, para a cooperação, para a necessidade de aprender mais, sempre mais.

    Foi certamente porque houve milhares de práticas como esta, marcadas pela capacidade criadora, pelo entusiasmo, pela procura de um sentido para a vida dos pedaços de mundo que a sociedade confia a cada equipa pedagógica e a cada um dos seus membros – práticas que obviamente não foram perfeitas, mas onde o oportunismo não era dominante – que foi possível a criação da Lei de Bases do Sistema Educativo, aprovada em 1986. As reformas sistemáticas interromperam essas práticas.

    Mas penso que será partindo de tudo o que de positivo os professores portugueses conseguiram, que se poderá encontrar um novo caminho para responder às necessidades da população escolar de hoje.

    Por: Carmelinda Pereira *

    * Professora do Ensino Básico

     

     

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