Subscrever RSS Subscrever RSS
Edição de 31-03-2024
  • Edição Actual
  • Jornal Online

    Arquivo: Edição de 30-10-2006

    SECÇÃO: Crónicas


    foto

    História e Ficção (II)

    A respeito do texto publicado no número anterior deste jornal, com o mesmo título, houve algumas pessoas conhecidas que me perguntaram se eu podia responder às perguntas que formulei sobre a tomada de Santarém e Lisboa aos mouros, em 1147. Vou tentar fazê-lo com alguma realidade e ficção, repetindo novamente as perguntas.

    Em 1147, D. Afonso Henriques foi para Santarém e Lisboa conquistar aquelas cidades aos mouros. Conhece-se a forma ludibriosa como se apossou de Santarém bem como a conquista de Lisboa, os acordos feitos e a sua rendição estão bem documentados no relato feito pelo cruzado inglês Osborne e outras crónicas como a Gesta de Afonso Henriques e suponho que os Anais mas há pormenores desconhecidos.

    Dizem que partiu de Coimbra, partiria? Que caminho tomou? Qual era a roupa que usava? Foi sempre à frente das tropas, durante a cavalgada ou foi separado com os seus maiorinos a conversar? Qual seria a cor do seu cavalo? Usava uma sela alta, mourisca? Quem o acompanhava de mais perto? Onde pernoitou e onde tomou as suas refeições e de que constavam essas refeições?

    Suponho que não existe relato com estes detalhes e então há que imaginar de forma racional e lógica. Mediante os usos da época e os seus costumes pessoais se forem conhecidos, podemos conjecturar muita coisa, estabelecer relações aceitáveis e até verídicas. Sabe-se que, após resolver os seus diferendos iniciais com os galegos e leoneses, estabeleceu sua corte em Coimbra, pois passou a virar-se para sul, para a luta com a moirama que ameaçava já Leiria, é lógico. Para a conquista de Santarém, de certeza que partiu de Coimbra. Santarém foi tomada em segredo, em altura de tréguas, num assalto nocturno de surpresa, de forma astuciosa e até pouco ética mas perigosa, razão porque encomendou a alma a Deus antes de partir. Por isso, levou diminutas tropas, uma ou duas centenas de soldados apenas e só os seus maiorinos conheciam a finalidade da missão. Deviam seguir um caminho discreto, por carreiros e atalhos de montanha e não pelos castelos de defesa de Coimbra donde algumas tropas partiriam como Soure, Arouce (Lousã), Miranda, Penela, Germanelo, Ansião, Pombal, Alvorge, Ceras, Tomar, Zêzere e Almourol. Assentou arraial discretamente por ali, junto ao Tejo, onde rompeu tréguas com os mouros de Santarém por três dias, assaltando inesperadamente, na última noite. Poucos maiorinos da sua Cúria iriam com ele, apenas o galego Fernão Peres Cativo, de Soverosa, seu mordomo-mor, na altura; o seu alferes Mendo Fernandes, de Bragança, suponho filho do Braganção; o seu fiel companheiro de infância, Lourenço Viegas, de Ribadouro, o Espadeiro que tinha sido seu Alferes em 1128 e era filho do seu já falecido aio e mordomo-mor Egas Moniz; Pêro Pais, da Maia, chefe da família da Maia, que iria ser nomeado Alferes-mor, durante a conquista de Lisboa e era filho da sua ex-companheira Châmoa Gomes, viúva de Paio Soares, da Maia; Gonçalo Mendes, de Sousa, dos Sousões do Paço de Unhão, que veio a ser seu mordomo em 1155; Mem Ramires que foi seu espião em Santarém; Mendo Moniz e Pedro Mendes, pai e filho, que, segundo consta, deram origem aos Machados, ao abrirem a porta da alcáçova de Santarém à machadada.

    Na conquista de Lisboa, que durou mais de três meses, entre Junho e Outubro, já tudo se passaria com mais calma e envolveu um grande exército europeu de cerca de 30 000 homens dos quais cerca de metade pertenciam ao exército português e o resto de cruzados ingleses, flamengos, alemães, normandos e piratas escandinavos (vikings), que se deslocavam em cerca de 200 barcos. Uns dizem que Afonso Henriques saiu do Porto, outros de Coimbra mas o mais certo seria de Coimbra ou Santarém recém-conquistada, porque, no Porto, foi o bispo portucalense, Pedro Pitões que, a seu pedido, se encarregou de pregar e convencer os cruzados a participar naquela conquista. O caminho que tomou poderia ser o usual da época, a estrada romana Lisboa-Braga, ou então pelos castelos dos templários até aos arredores de Lisboa, onde as tropas se iam juntando, formando o cerco à cidade, com o arraial dos cruzados nórdicos na parte oriental. Com ele, seguiu para a liça toda a sua Cúria e clero. Para além dos já citados que o acompanharam na conquista de Santarém, seguiriam o conde Sancho Nunes, de Barbosa (Rans/Penafiel), Fernão Mendes, de Bragança, o Braganção, que era pai do Alferes, isto por um episódio, passado entre eles, de que vários documentos falam; o irmão do mordomo, Álvaro Peres Cativo (Soverosa) que foi seu Alferes até 1145; Garcia Mendes, de Sousa que foi seu Alferes até 1141; Gonçalo Viegas, de Lanhoso, que ficou como “Tenens” (governador) de Lisboa, após a conquista; Martim Moniz que se distinguiu e morreu no último assalto à alcáçova, antes da rendição; Gualdim Pais, prior dos Templários a quem foi entregue o castelo de Soure e Tomar e todos os grandes senhores do Norte. Para além dos de Ribadouro, Maia, de Sousa, de Baião, de Bragança e de Barbosa (Rans), também os de Marnel, os de Eiriz, os de Tougues, os de Azevedo, os de Palmeira, os da Silva (Cerveira), os Velhos, os de Penagates, os de Bravães, os Ramirões, os Fafes, os Farinhas e Leitões de Lodares, os de Gois, os Cunhas da Beira, os Guedes ou Guedões, de alto Barroso, de Beça e Montenegro, ramo dos de Sousa ou Sousões; os de Chacim, ramo dos Braganções; os de Alvarenga, Paiva, Arouca, e Grijó ramo dos de Ribadouro e de Baião; os de Riba-Vizela ramo dos da Maia, etc. etc. De clérigos, João Peculiar, Arcebispo de Braga, seu conselheiro e os Bispos Mendo de Lamego, Odoário de Viseu e Bernardo de Coimbra. Pedro Pitões, Bispo do Porto, após pregar aos cruzados, em frente à Sé como diz a tradição, incitando-os a participar na tomada de Lisboa, seguiu, de barco, com os cruzados ingleses e o bispo Gilbert de Hastings que foi sagrado Bispo de Lisboa, após a rendição. É de notar que os de Baião estiveram do lado de D. Teresa e do conde de Trava, na batalha de S.Mamede, em Guimarães, aquando da luta pela independência.

    Naturalmente que o caso do cavalo e da sela, é difícil, pois ele devia servir-se de vários cavalos e selas que se usavam na época, claro. Pernoitava e tomava as suas refeições geralmente em castelos, paços, solares e quintas por onde passava e postas à sua disposição a bem ou a mal mas também em grandes tendas montadas em arraiais atalaiados e seguros com estaca e vala, isto é com sentinelas e vedação de estacas e fosso (fossado). As refeições eram compostas de pão, caça, peixe do rio e fruta mas, principalmente, de caça que era abundante naquele tempo. O seu traje, quando seguia para Santarém, por uma zona perigosa onde os ataques sarracenos poderiam surgir inesperadamente, iria armado e preparado para a luta, com a cota de malha, capelo e casco e sobreveste com a cruz azul em fundo branco, um cinturão com a sua espada toledana e uma adaga; cochotes, grevas afiveladas, escarpas (sapatões) ferradas e, nas mãos, uns guantes (luvas) de couro ferrados e o grande escudo, em forma de coração, com a cruz azul, transportado por um escudeiro.

    Para Lisboa, no comando dum grande exército, com o inimigo longe e uma segurança maior, seguiria mais descontraído, usando um traje que um nobre da sua linhagem usaria em viajem, quando se dirigia para a guerra. Precavido e armado mas ainda não preparado para a liça. Provavelmente levaria um saio ou caçote almofadado, cinturão com a espada e adaga e talvez fosse de cabelo ao vento, sem o casco e, como estava em pleno Verão, não levaria capa. O arcebispo de Braga, João Peculiar, seu conselheiro, iria a seu lado, assim como o mordomo-mor Fernão Cativo, de Soverosa, os cunhados Fernão Mendes, de Bragança e Sancho Nunes, de Barbosa; os Sousões Gonçalo Mendes e Garcia Mendes, de Sousa; o chefe templário Gualdim Pais, o Espadeiro Lourenço Viegas, de Ribadouro e Pêro Pais, chefe da casa da Maia, que viria a ser nomeado Alferes durante aquela conquista, cargo esse que iria ocupar durante cerca de 22 anos, até ao desastre de Badajoz, em 1169.

    Era provável que assim fosse mas todos estes detalhes ficariam entregues à imaginação do autor que pretendesse escrever um conto ou romance histórico daquele feito, excepto, é óbvio, o que está documentado e consta de crónicas e tradições, como as personagens e os factos que devem corresponder à realidade.

    Por: Reinaldo Beça

     

     

    este espaço pode ser seu Este espaço pode ser seu Este espaço pode ser seu
    © 2005 A Voz de Ermesinde - Produzido por ardina.com, um produto da Dom Digital.
    Comentários sobre o site: [email protected].