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    Arquivo: Edição de 30-08-2006

    SECÇÃO: Editorial


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    A Serra 2006

    Tempo de repouso, de saudade, de memórias do passado, umas longínquas, outras sempre presentes que tornam a vida um caminho contínuo.

    De pedra em pedra recordo vidas, vivências, e com saudades revejo momentos que correm na minha mente, transparentes como a água deste rio que não pára, e vai passando entre pedregulhos e gargantas apertadas, sempre a correr, sempre…

    Gosto de ouvir a água a bater nas pedras e nos tufos verdes que rompem entre malhões redondos, macios, escorregadios, que o bater das águas tem transformado através dos tempos.

    É neste vale glaciar onde nasce o rio Zêzere, defendido pelos cântaros, qual castelo de um monstro medonho, e nós pequeninos descendo o vale onde o rio é apenas um fio de água …

    Vou descendo, aqui e ali, o rio está modificado – consequências dos incêndios do ano passado.

    À minha volta, por entre o verde dos prados das margens do rio, restam os ossos da terra, o fogo levou tudo, dá a sensação que até a terra ardeu.

    Porque somos tão destruidores?

    Porque são sempre os mais desprotegidos a sofrer as consequências?

    Terras pobres, habitadas há muitos séculos; no entanto são relativamente recentes as casas construídas de raiz. Os abrigos mais antigos não surgem nos lugares mais propícios, e encostados às rochas ainda existem vestígios de construções muito primárias; quando se começaram a construir casas de granito, estas eram de alvenaria seca, de pedras roladas encontradas soltas.

    Atraídos pelo bater dos teares, os homens partiram para a Covilhã e seus arredores, onde se transformava a lã das ovelhas em fio, de fio em tecido.

    Também aqui, neste vale, se avistam alguns exemplos desses velhos santuários da revolução industrial!

    «… Então homens e mulheres, que à lã entregaram a sua vida, defrontavam-se com uma miséria mais descarnada ainda do que o normal. Com o seu fabrico reduzido, a Covilhã, em vez de exportar panos, passava a exportar raparigas para o meretrício de Lisboa».

    (...)

    «… No século XX, mais do que sons de flautas pastoris descendo do alto da serra para os vales, subiam dos vales para o alto da serra queixumes, protestos, rumores dos homens que às vezes se uniam e reivindicavam um pouco mais de pão». (1)

    Este ano fechou mais uma, a última fábrica têxtil aqui ao lado, bem junto ao rio – não é por acaso que lembro o texto de Ferreira de Castro…

    Muitos já partiram há muito, é vê-los com filhos, netos e até bisnetos no mês de Agosto na festa da terra. Nos cafés do Sameiro, em Valhelhas, nesta altura só se fala Francês.

    E volto ao rio, e volto ao vale imenso onde, no silêncio da serra eu ouço o bater das peninhas dos pescadores na água e olho à minha volta, levanto os olhos para o céu dum azul transparente e puro e penso:

    Nesta terra que podia ser um paraíso, de que eu tanto gosto, os seus habitantes consideram-se presos num buraco sem perspectivas de vida, fechou a principal fábrica de fiação e tecelagem, ganha-pão do maior número das famílias de Manteigas.

    Não é só Manteigas, é toda a região do Interior, onde não surgem alternativas para a fixação das populações nas suas terras.

    Terras rodeadas de montanhas, onde outrora se viam rebanhos, ouviam chocalhos e campainhas, e por vezes… as flautas e os chamamentos dos pastores.

    E agora? Será que só lhes resta partir?

    (1) “A Lã e a Neve”, Ferreira de Castro

    Por: Fernanda Lage

     

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