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    Arquivo: Edição de 30-11-2005

    SECÇÃO: Editorial


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    No crepúsculo da vida

    Gosto de contemplar o sol, ao nascer do dia, na sua plenitude e força, capaz de nos cegar no início das tardes de Verão, no Outono dourando as folhas vermelhas, amarelas e castanhas, nos dias de Inverno reflectido na neve e cobrindo de prata os troncos das árvores. Mas a hora que para mim tem mais mistério e beleza é, sem duvida, o pôr-do-sol seguido do seu crepúsculo.

    Tal como o fascínio dos fins de tarde à beira-mar ou na montanha, das mil e uma cores com que o céu se pinta, sempre diferente e imprevisível, da lentidão ou rapidez com que a seguir a essa pujança o céu escurece e chega a noite, também na vida nunca se sabe quando e como vai ser esse crepúsculo.

    Tenho um certo fascínio por pessoas que, ao longo da vida, a souberam partilhar, com sabedoria e inteligência, e que continuam no seu crepúsculo a ter um encanto muito especial, um sorriso malandro de quem já viveu o suficiente para não se deixar enganar. São normalmente belíssimos contadores de histórias, e quem não lembra de um avô, uma avó, um tio mais velho, um vizinho, um amigo, tantas histórias e tão importantes na nossa vida.

    Convivi e convivo ainda com muitas pessoas de idade com quem tenho aprendido imenso e cuja companhia são sempre um prazer.

    A vida familiar modificou-se muito nos últimos anos, não há lugar, espaço físico, económico, afectivo, para ter presente como eu tive, os meus avós na casa dos meus pais.

    Casas cheias de familiares e amigos, no Natal, na Páscoa, nas festas da terra, nas férias grandes, e como respeitávamos os saberes de cada um!...

    Desde o tio que nos corrigia as frases mal construídas, a tia que não perdia uma oportunidade para nos ensinar Biologia e Geologia em tudo o que nos rodeava, até ao tio Quim, que nos ensinou a amar a liberdade. Como lembro o meu avô e o meu pai a observarem o tempo e a comentarem quando se semeavam as couves, o milho, o nabal, o centeio, a avó da Maia, grande cozinheira, sempre com uma roupa muito lavada e perfumada (à moda da Maia), e o avô a escolher as melancias e os melões, e o tio Manel a fazer as buchas para os engenhos, e o tio Albino que matava os porcos, e o senhor abade que me contava histórias da Maia e dos meus bisavós, e as brincadeiras das desfolhadas, e as histórias dos criados a escolher feijões à noite!...

    E o tio António, e a Ti Maria, e o Senhor Doutor, o Senhor Professor, o criado, as criadas, os pobres e os loucos!...

    Convivi com todos eles, já no fim das suas vidas, e continuo a ter por eles um grande carinho, aprendi com todos e estou profundamente grata pelo que me deram.

    Pensando assim é muito difícil entender a solidão em que vivem determinadas pessoas.

    Um país com uma população envelhecida, com um interior desertificado e poucas estruturas sociais capazes de criar alternativas saudáveis que garantam uma qualidade de vida a quem deixou de trabalhar por livre vontade ou por imposição, e cuja família partiu à procura de melhores condições. Idosos que deixaram de ver os filhos com frequência, que não conhecem os seus netos, que não têm com quem comunicar nem deixar o seu testemunho.

    Algumas terras já têm centros de dia e lares, mas quantas vezes ao visitá-los não sentimos uma grande angústia, ficamos com a sensação de que aqueles idosos estão ali à espera da morte.

    Jorge Sampaio teve essa sensibilidade e deixou para o fim da sua presidência uma presidência aberta sobre “A Terceira Idade”.

    A esperança de vida tem vindo a aumentar, cada vez é mais comum encontrar pessoas cuja idade avançada não compromete a sua qualidade de vida, antes pelo contrário, a vida premiou-os com um saber muito próprio, de quem por cá anda há muito tempo e sempre teve a sabedoria de aproveitar tudo o que a vida lhes dá. Mas existem outros, para quem a vida foi ingrata, a saúde abandonou-os, a família que eles criaram partiu, e sós esperam pela morte. Uns resignados, outros revoltados, mas todos eles infelizes.

    Nesta sociedade cada vez mais egoísta e narcisista, a velhice é vista como um pesadelo e não como um prémio de termos entre nós quem nos é querido, embora com algumas limitações...

    Por: Fernanda Lage

     

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