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    Arquivo: Edição de 30-06-2019

    SECÇÃO: Direito


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    Enquadramento jurídico dos crimes de natureza sexual - (3.ª parte)

    Por sua vez, a recusa de depoimento por parte da vítima de violência doméstica, nos termos do art. 134.º do C.P.P, é um direito desta face à delicada posição em que se encontra.

    Uma das consequências da consagração da natureza pública do crime de violência doméstica foi a redução da autonomia processual da pessoa ofendida. Desta forma, o principal momento em que a vítima participa ativamente no processo é prestando declarações, como, aliás, também lhe é garantido pelo art. 32.º, nº 7 da Constituição da República Portuguesa.

    Contudo, sendo certo que a natureza pública deste tipo legal encontra um dos seus fundamentos no habitual receio que as vítimas têm de denunciar as situações a que estão expostas, obrigá-las a depor contra o seu agressor constitui uma notória invasão à sua privacidade e liberdade de vontade, o que colide frontalmente com diversos princípios orientadores do processo penal, nomeadamente, os relativos à obtenção de prova.

    Além do mais, ainda que a ratio da proposta seja a recolha da prova potencialmente mais significativa para a justa condenação do arguido, questiona-se se a força e eficácia do depoimento da vítima não ficarão postas em causa se esta for efetivamente obrigada a prestar declarações contra a sua vontade.

    Por último, merece a devida atenção a proposta do CDS-PP de alteração da natureza dos crimes de ameaça, coação e perseguição, verificadas que estejam determinadas circunstâncias agravantes (já discutidas na 1ª Parte do presente artigo), para crimes públicos.

    Atualmente, aqueles crimes têm natureza semipública, isto é, dependem da apresentação de queixa para que seja aberto Inquérito, ficando o MP responsável pela respetiva Acusação ou Arquivamento, conforme se lhe afigure adequado.

    Ora, uma vez que o crime de natureza pública afeta diretamente a autonomia processual da vítima, a verdade é que, ainda que o MP atue no sentido de proteger o(s) ofendido(s), os processos-crime podem potenciar a sua vitimização secundária. Assim, retirar a responsabilidade de queixa à vítima tornará a intervenção processual do MP consideravelmente mais intrusiva da liberdade e privacidade daquela.

    Em suma, não obstante a forte urgência no combate aos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, as alterações legislativas devem ser sempre efetuadas com bastante cautela. Isto porque, ainda que o objetivo ulterior seja erradicar a criminalidade e diminuir ao máximo as lacunas da lei, o facto de a norma passar a abranger mais casos pode potenciar, inadvertidamente, a sua aplicação a cidadãos inocentes.

    Acresce que o Direito Penal português jamais deve atuar com intuito vingativo. Em boa verdade, pretende-se restabelecer a harmonia e paz jurídica afetadas pela violação das normas e certificar que o agente voltará a viver em comunidade isento de criminalidade. Por outro lado, mantém-se a necessidade de garantir a proteção e segurança da vítima, essencialmente através da punição do seu agressor, que sempre deve ser efetuada de forma justa e equitativa.

    Não se trata de colocar a visão processual penal no lado da expetativa da vítima, mas sim de ter a certeza de que os perpetradores são justamente condenados, face às exigências gerais de punição, reforçando a segurança da comunidade da qual o mesmo faz parte.

    Por: José Puig*

    *Advogado

     

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