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    Arquivo: Edição de 30-04-2017

    SECÇÃO: Direito


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    Liberdade de Expressão

    (continuação do artigo do número anterior)

    Por outro lado, o Direito à Liberdade de Expressão encontra-se previsto no artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, em vigor na ordem jurídica Portuguesa desde o dia 9 de novembro de 1978, sem, aliás, que Portugal haja deduzido qualquer reserva ao referido preceito.

    Interpretando e desenvolvendo esta disposição, nos termos do qual "Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão", direito que "compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas", o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem caracterizado a Liberdade de Expressão como um dos pilares fundamentais duma sociedade democrática, necessariamente alicerçada no pluralismo e espírito de tolerância, e um dos fatores primordiais do seu progresso e desenvolvimento.

    A melhor e mais atualizada Doutrina Europeia versando o Direito em referência encontra-se, entre nós, bem retratada nos ensinamentos do Professor Doutor Manuel da Costa Andrade, atualmente Presidente do Tribunal Constitucional, na obra intitulada "Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal - Uma Perspectiva Jurídico-Criminal", da Coimbra Editora, edição de 1996, na qual, na página 233, sustenta que "na medida em que não se ultrapassa o âmbito da crítica objectiva - isto é: enquanto a valoração e censura críticas se atêm exclusivamente às obras, realizações ou prestações em si, não se dirigindo directamente à pessoa dos seus autores ou criadores - aqueles juízos caem já fora da tipicidade de incriminações como a Difamação. Já porque não atingem a honra pessoal do cientista, artista ou desportista, etc., já porque não a atingem com a dignidade penal e a carência de tutela penal que definem e balizam a pertinente área de tutela típica. Num caso e noutro, a atipicidade afasta, sem mais e em definitivo, a responsabilidade criminal do crítico, não havendo, por isso, lugar à busca da cobertura de uma qualquer dirimente da ilicitude (…)". E mais à frente (pág. 236 e ss.), acrescenta: "Desde logo, há-de sublinhar-se que o primeiro enunciado antecipado - a saber a tese da atipicidade da crítica objectiva - não depende do acerto, da adequação material ou da "verdade" das apreciações subscritas. Que persistirão como actos atípicos seja qual for o seu bem-fundado ou justeza material ou, inversamente, a sua impertinência. O regime jurídico-penal da crítica objectiva será, em qualquer caso, idêntico: quer resulte da apreciação cuidada e certeira de um perito e conhecedor, quer traduza a mais indisfarçável manifestação do diletantismo ou, mesmo, de ignorância (…) Em segundo lugar, o direito de crítica com este sentido e alcance não conhece limites quanto ao teor, à carga depreciativa e mesmo à violência das expressões utilizadas (…) O seu exercício legítima, por isso, o recurso às expressões mais agressivas e virulentas, mais carregadas (mesmo desproporcionadas) de ironia e com efeitos mais demolidores sobre a obra ou prestação em apreço (…) Nesta linha e para citar expressões pedidas à experiência jurisprudencial, pode apodar-se de "pornográfica" uma revista de análise política, caracterizar-se uma obra de arte como "monte de estrume", uma prática médica como "bruxaria ou curandeirismo", uma atuação política como própria de "velhos e novos fascistas", uma acusação penal como "inquisitória, persecutória, kafkiana", uma sentença como um "disparate" ou um "chorrilho de venerandas asneiras", etc. (…)".

    Em suma, dizemos nós, deve ser admitida e reconhecida uma verdadeira liberdade de crítica objetiva, dirigida a temas e assuntos de natureza substantiva e do interesse geral ou de determinado grupo em que os visados ou envolvidos não o são pelas suas pessoas em particular, mas pelo ideário sustentado e praticado.

    A nossa Jurisprudência, ultrapassada uma fase inicial responsável por uma mão cheia de condenações do Estado Português no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, segue atualmente no trilho da citada Doutrina, como bem se verifica do recente Acórdão proferido por uma Secção de Instrução Criminal da Comarca de Lisboa, confirmado pelo Tribunal da Relação, em processo movido pela sociedade comercial "Lena, SGPS, S.A." contra o Professor Paulo Alexandre Morais:

    "O arguido exprimiu as suas opiniões críticas sobre as ligações entre o grupo empresarial da assistente e o chefe de governo de um determinado período da vida nacional. Fê-lo, exprimindo opiniões que, conforme decorre dos autos, poderá ter construído com base em informações colhidas nos órgãos de comunicação social e noutras fontes abertas ao público.

    Muito embora os juízos críticos emitidos sejam desprimorosos para a assistente, os mesmos não acionam o tipo legal de crime que esta imputa ao arguido.

    Um entendimento contrário descura o disposto no artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (em vigor na ordem jurídica portuguesa desde 9/11/1978, sem que as autoridades nacionais tivessem formulado qualquer reserva ao concreto preceito em apreço), respeitante ao direito de liberdade de expressão.

    Como foi elucidado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, os princípios gerais da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem quanto ao artigo mencionado traduzem-se na afirmação de que a liberdade de expressão é um dos fundamentos essenciais da sociedade democrática e condição primordial do seu progresso e da realização de cada um; o direito à liberdade de expressão vale para as ideias ou informações consideradas favoravelmente pelo conjunto da sociedade ou que sejam inofensivas ou indiferentes e também para as que ferem, chocam ou inquietam; a restrição ou sanção (ingerência) da expressão de ideias ou informações devem decorrer da aplicação do nº 2 do referido artigo 10º, em interpretação restrita, e a necessidade de restrição ou sanção deve estar determinada de maneira indubitável; a admissibilidade da crítica em relação a personalidades políticas agindo no domínio da sua actividade é maior e mais amplos os limites do exercício da liberdade de expressão; a ingerência no exercício da liberdade expressão tem de corresponder a uma necessidade social imperiosa (vide Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 20/01/2009, in http://www.dgsi.pt, onde se citam os Acórdãos do Tribunal Europeu Lopes Gomes da Silva c. Portugal, de 28 de Setembro de 2000, Urbino Rodrigues c. Portugal, de 29 de Novembro de 2005, Roseiro Bento c. Portugal, de 18 de Abril de 2006, Almeida Azevedo c. Portugal, de 23 de Janeiro de 2007, in http://www.coe.int).".

    E se este é, sem sombra de dúvidas, o caminho certo para uma mais saudável vivência coletiva, não devemos permanecer acomodados na crença da sua perenidade, pois, como expus na parte inicial, a Liberdade de Expressão é colocada permanentemente em causa por uma série de fatores e poderes instituídos.

    Por: José Puig*

    *Advogado

    [email protected]

     

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