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    Arquivo: Edição de 12-07-2013

    SECÇÃO: Literatura


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    O Estranho Caso de Paulo José Miranda

    De escritor-promessa da geração de 1990 a persona non grata do meio literário português, eis Paulo José Miranda. Um ilustre desconhecido, agora a viver no Brasil. Não são poucas as obras que publicou entre 1998 e 2008 e, hoje em dia, os seus livros só se encontram em alfarrabistas ou na Feira da Ladra.

    José Saramago atribuiu-lhe o primeiro prémio literário com o seu nome e Herberto Hélder disse que ele era «o único jovem romancista português que conseguia ler». Não há quem não conheça José Luís Peixoto, Valter Hugo Mãe, Gonçalo M. Tavares ou João Tordo. Mas poucos conhecem o nome de Paulo José Miranda e da sua pequena obra-prima, Natureza Morta, que em 1999 foi distinguida com o primeiro prémio literário José Saramago.

    Paulo José Miranda, 48 anos, é poeta, escritor e dramaturgo. Licenciou-se em Filosofia pela Universidade de Lisboa. É membro do Pen Club desde 1998. Publicou três livros de poesia, quatro novelas e uma peça de teatro. O seu primeiro livro de poesia venceu o Prémio Teixeira de Pascoaes em 1997 e a sua segunda novela venceu o primeiro Prémio José Saramago em 1999. Recebeu uma bolsa de criação literária do Ministério da Cultura para escrever a sua terceira novela e uma outra da Fundação Oriente para viver três meses em Macau e escrever a sua quarta novela. O seu último trabalho é “América”: um texto acerca da América em 99 pontos (tem mais dois livros a serem publicados). No âmbito da poesia: “Voz que nos Trai”, 1997 (Primeiro prémio Teixeira de Pascoais em 1997), “A Arma do Rosto, 1998, “O Tabaco de Deus", 2002. Quanto à ficção, tem publicadas as seguintes obras: “Um Prego no Coração”, 1998, “Natureza Morta”, 1998 (Primeiro Prémio José Saramago), “Vício”, 2001 (Bolsa de criação literária do IPLB), “O Mal”, 2002 (Bolsa da Fundação Oriente). Escreveu, ainda, uma peça de Teatro: “O Corpo De Helena”, 2002.

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    Afirma o escritor: «Desde o meu começo como escritor, em 1998 , que fui acusado de escrever muito. Isso lembra-me uma estória contada pelo meu amigo e filósofo António C. Caeiro, que ele presenciou num aldeia de Trás-os-Montes: um homem era acusado de beber muito, bebia três garrafões de vinho por dia, 15 litros, e um dia respondeu a quem o acusava: “Vocês só veem o que eu bebo, não veem a sede que eu tenho”. Ora, precisamente! De onde vem a sede, isso já é uma outra estória».

    E continua: «Na minha prisão dos meus dias, que é não ter nada deste mundo, ou muito pouca coisa que lhe interesse, escrevo. Escrevo e penso horas e horas por dia: para não matar e para não me matar. Quem julgue que isto é exagero é porque tem seguramente uma casa e não sabe o que é não tê-la. Tem seguramente algum dinheiro e não sabe o que é não tê-lo. Tem seguramente alguma beleza e não sabe o que é já não tê-la. Quando, burguesmente, alguém diz de outrem que ele escreve muito, deveria averiguar se ele escreve muito porque precisa para comer, para não matar ou, pelo contrário se escreve muito por vaidade, para enriquecer mais ou para ocupar o tédio dos seus dias. E a maior das dificuldades, para comigo mesmo, é estar continuamente dividido entre o desejo de não escrever e não ter outra alternativa a não ser escrever».

    Mas afinal quem é e o que anda a fazer Paulo José Miranda? - Vive há sete anos no Brasil e como todos os que têm o vício da imaginação e o génio da palavra escreve compulsivamente: Poesia, romances, ensaios, que aguardam ver a luz do dia. Emigrante ilegal e, até há dois meses, totalmente indocumentado (a validade do passaporte expirou em 2005, pouco depois de chegar ao Brasil, e o bilhete de identidade tinha caducado em 1997), Paulo José Miranda sobrevive dando ocasionalmente algumas aulas particulares de música. Viveu no Rio de Janeiro, São Paulo e agora em Curitiba. Apesar das precariedades do quotidiano, voltar a Portugal é algo que o «aterroriza». Nunca saiu da penumbra, embora não tenha passado despercebido num certo meio literário lisboeta que se reunia todas as tarde numa leitaria das Escadinhas do Duque e onde paravam, entre outros, os poetas António Cabrita e Herberto Hélder. Nunca deu uma entrevista. Nunca escreveu crónicas em jornais nem apareceu em programas de televisão. Porquê? «Porque nunca me convidaram», responde com alguma indiferença. O escritor que fora a promessa dos anos 1990 não parece interessar ninguém ou quase. Não consegue editar os seus livros e diz que é ostensivamente ignorado pelos media portugueses.

    As suas narrativas têm uma carga e uma intenção poética, quer ao nível da ação quer da linguagem, que o tornam incomparável. Nada ali é gratuito ou para entreter. Não escreve aquilo que os editores querem publicar, não escreve para as massas. Lançou uma das mais belas e inesquecíveis peças da nova dramaturgia portuguesa, “O Corpo de Helena”, em que recupera a voz do herói mítico Agamémnon; “Com o Corpo Todo” é um romance violento, sem concessões; “Um Prego no Coração”, em torno de Cesário Verde; “Natureza Morta”, sobre a obra e a figura do compositor português do séc. XIX Domingos Bomtempo...

    Este desligamento de Paulo José Miranda aos constrangimentos do quotidiano e as circunstâncias difíceis da sua vida são porque ele é mesmo assim – é um poeta.

    Agora em Curitiba escreve, reescreve, toca, reinventa-se. Por necessidade, por fatalidade – como um poeta.

    Torna-se urgente colocá-lo definitivamente nas rotas literárias dos portugueses, porque afinal, como ele próprio escreveu um dia, «só sofremos de amor e de uma obra por cumprir».

    (*)[email protected]

    Por: Ricardo Soares

     

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