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    Arquivo: Edição de 24-04-2013

    SECÇÃO: Crónicas


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    4 de março com nuances de abril

    A escrita, por norma, compreende o seu autor, mesmo que feita de forma tosca ou arcaica – pelo menos a mim compreende-me. Na noite do final do dia 4 de março precisava de “falar para o meu computador”, deixando sair algumas mágoas da alma e que aparecem por vezes de forma inadvertida, mas também quase sempre desaparecem no final dos meus pedacinhos de escrita, devolvendo-me crença e convicção, em dose suficiente para continuar. Foi o que aconteceu especificamente neste dia, que se foi complicando com o passar das horas ao ponto de eu sentir “enrolar-se” o meu raciocínio, e aqui só mesmo a escrita me “salvaria”. Confirmou-se porque enquanto escrevia, enquanto lia e relia ia filtrando e retendo somente o que seria digno de registo, eliminando desta forma tudo o que seriam “futilidades” ou um mal estar que nada mais significaria do que pessoas que não estarão de bem consigo e com a vida.

    Assim, fui-me focando unicamente nas aprendizagens deste dia, que tinha começado com um simbólico “muito obrigado”, depois divergiu na forma diferente como é encarada a partilha solidária, com diferentes pontos de vista, que deviam ser comuns e “unos” e isto porque a “solidariedade” urgente de que se fala, a partilha dos tempos de hoje, está a tornar-se transversal a todos e, nestes momentos que atravessamos, deixou de ser “periférica” a extratos sociais e até culturais. Neste dia, ainda de dígito 4, percebia também o quanto temos “uma democracia enferma” que transgride a razão e bom senso ao serem decretadas leis que permitem cobranças de rendas que vão para lá dos 200% a pessoas que, por serem humildes, não têm rendimentos para suportar estes “acrescentos”, mesmo vivendo sem excessos ou “flostrias”. Agora (já na etapa final das suas vidas), choram porque nem sequer podem pagar a quem lhes defenda os direitos que pensavam ter adquirido por pertencerem ao grupo das “gentes de bem” e neste momento, até já será tarde para perceberem que isso não dá para nada porque não representa respeito, nem se traduz em resultados financeiros.

    Quando o dígito passou para 5, precisava de acreditar no que li pela manhã - «As possibilidades são mínimas mas as esperanças são infinitas». E foi com esse espírito que precisei de respeitar um direito à greve e caminhei a pé durante mais de 4 Kms com destino aos objetivos que tinha definidos para este dia. Um deles seria ir cumprir o meu dever cívico e votar – isto porque também desde há muito me sinto responsável porque de uma forma ou de outra, fui eu que escolhi (bem ou mal) as pessoas que se sentaram na “cadeira do poder” ao longo destes anos e cujos resultados se transformaram na “herança penalizadora” que agora estamos a receber. Aprendi com o tempo e prometi a mim mesma nunca mais deixar na mão dos outros uma responsabilidade que é minha: ser cautelosa e estar atenta no meu escolher, que me dá também o direito de um dia poder criticar, sem me excluir da responsabilidade de sugerir e participar. Dei-me conta da importância que tem o dígito 1, aquilo que “eu” represento (o digito que qualquer um de nós representa) e que pode fazer a diferença, invertendo ou convertendo um mero resultado.

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    À noite, no balanço que diariamente faço sobre o que é da minha competência mudar – a minha atitude, ponderei que da partilha de opiniões que tinha feito nesse dia, algumas tinham a ver com realidades que já passaram, porque foram vivenciadas no meu tempo e com uma perceção das coisas que eram as minhas. Refleti que sou feliz por ter o livre direito de pensar e de emitir opiniões. Eu não posso usar esse mesmo direito para tirar sonhos e ilusões às pessoas que, muito mais jovens, ainda acreditam e também estão em construção do percurso das suas vidas (que nunca serão convergentes com o de ninguém), ainda mais que é impossível “plagiar a vida”. Cada um tem que fazer a sua própria caminhada, saborear a sua própria conquista e aprender a lidar com a sua própria frustração. A minha decisão foi mesmo colocar um alerta no meu calendário de secretária onde escrevi em rodapé um lembrete de memória: “modera o teu temperamento”, que para mim representa dar aos outros o direito de ser quem querem ser e como querem ser.

    Ainda num qualquer digito de março invadiu-me uma tristeza grande quando ouvia a notícia de que em Berlim, os elevados interesses financeiros de um grupo muito forte defendem um projeto de construção que poderá levar ao derrube de pedaços de um muro (pior que o das lamentações), que matou, encurralou e amordaçou um Povo e que estaria lá exposto fisicamente, para registo de memória futura. É que, em maio de 1997 foi-me permitido ver isso quando precisei de ir a uma conferência internacional no Maritim ProArt (um hotel de Berlim), em que a primeira coisa que nos mostraram foram os locais onde estiveram instalados os “sistemas de escuta” (já desativados), de um país que esteve “decorado com uma cortina de ferro”. Naquela sala estávamos reunidas pessoas de diversos países livres e espalhados pelo mundo e foi-nos dado conta da felicidade que era para nós, estarmos ali todos, sentados – livres de ser, livres de pensar e livres de poder emitir opiniões.

    Em 2013, “voar em pensamento” até Berlim também me fez pensar na emoção e na imponência de passar por aquelas portas de Brandemburgo que arrepiavam pelas malhas que aquele “império teceu” e volta a tecer neste momento, sobre todos nós. Eu, com o tempo e desde há muito tempo, vou-me dando conta de que, cada vez mais, “jaz morto e arrefece” o sonho, a esperança e a fé na palavra que agora até se estará a tornar perigosa – a liberdade. Um dos erros que poderemos estar a cometer será estarmos a culpar a “revolução” quando, se calhar, teremos sido todos nós culpados (mesmo que involuntariamente), pelas nossas atitudes. Aqui, se calhar devemos adicionar-lhe outra “casta” de gente: os que manipularam e se serviram desta palavra, extraindo-lhe todos os benefícios e que, neste caso, serão pessoas sem rosto que se escondem atrás de outro tipo de cortina, sabendo de antemão que numa “caça às bruxas”, seja em que governo for, a culpa sempre morre solteira ou, quando muito, recai em cima de um qualquer um “bode expiatório”. Confesso que temo sempre quando ouço a instigação ao ódio, a um “novo Abril”, mas que desta vez “traga muitos Salazares para endireitar isto”. Dou por mim a desejar que quem tenha as “rédeas de poder” (na orientação dos países, dos sindicatos, dos partidos políticos e até das religiões), tenha a noção de que se isto não for bem mediado, bem controlado e bem doseado, pode conduzir-nos a atos de violência onde serão mandados para as linhas da frente (aquelas que causam mais danos), os “soldados rasos”, os “zé-ninguém”, definidos segundo os seus próprios parâmetros, quer seja no papel de líderes ou até pseudolíderes.

    Heródoto, um pensador grego escreveu: «Nenhum homem é tão tonto a ponto de desejar a guerra e não a paz pois em paz os filhos levam os seus pais ao túmulo e na guerra são os pais que levam os seus filhos». Eu, que penso estarmos a chegar ao limite nos desgostos, na deceção e no sofrimento, faço aqui um veemente apelo – unam-se todos e mostrem-nos um caminho alternativo, em democracia e sobretudo em paz, pois tenho a certeza que algum dia foram e ainda são filhos e também algum dia foram ou serão pais e uma coisa é certa – os “bunkers” onde cada um se abrigará, não nos defendem de tudo, nem de todos, mesmo que as mágoas e os ódios que semeamos sejam “de estimação”.

    Por: Glória Leitão

     

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