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    Arquivo: Edição de 25-07-2012

    SECÇÃO: Crónicas


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    Onde estavas miúda?

    Foi isso que me perguntou uma pessoa quando soube que, pela terceira vez e em público eu, sem medo, me levantava e falava sobre o que sinto principalmente em relação a um país que é meu e que se chama Portugal.

    Certo é que já me disseram que qualquer dia me proíbem de entrar em qualquer lugar porque eu escrevo sobre tudo e duma simples frase construo-lhe um texto e é também por isso que quando sugeriram que eu podia “ganhar mais algum” a escrever, eu disse que não – seria o mesmo que vender pedacinhos de vida, que não têm preço.

    Desta vez foi esta pergunta que me pôs a pensar no caminho que à noite faço a pé para casa, o momento em que falo com as estrelas.

    “Onde estava eu?”

    Penso que sempre estive cá dentro de mim mesma e bem lá no fundo sempre soube isso, mas ter-me-ia faltado a coragem de ser quem sou e como sou e isto não é culpa de ninguém e se calhar nem mesmo minha. Cresci numa vida que levou o rumo que levou e, com o tempo, fui percebendo que me tinha sido oferecida uma nova oportunidade para construir um novo caminho e eu só tinha mesmo era que aproveitá-la.

    Foi longa a viagem que encetei dentro de mim mesma e tive que fazer muitas paragens pelo caminho para analisar o erro e construir um plano de ações corretivas e também de aprendizagem que haviam de me tornar mais atenta, mais forte e acima de tudo na vez de dar a outra face quando me “malham” agora, que não preciso de estar debruçada para proteger ninguém. Já posso responder com um “murro”, olhos nos olhos e à altura do confronto se ele vier ter comigo.

    Foto ARQUIVO GL
    Foto ARQUIVO GL
    “Onde estava eu?”

    Empurrando o mundo dos outros – eu ia tendo sempre em conta o que os outros achavam, o que os outros queriam e, se calhar, também o que os outros não queriam. Eu dançava ao som de uma música que não era a minha, num ritmo que não era o meu, formatada numa espécie de disquete que me condicionava a forma de ser e até o pensamento.

    A minha irmã dizia-me que eu precisei de bater no fundo para emergir o ser humano que existia dentro de mim e eu acredito que deve ter sido isso e, se dantes gostava de vir ao portão da minha rua, como se precisasse de “ser salva”, agora, depois de um ritmo intenso de trabalho, regresso em paz a um cantinho que é o meu porto de abrigo e ao local onde posso tirar a “armadura” e repousar até ao acordar para um novo dia que adoro ver aparecer pelos buraquinhos da minha persiana e que me disciplinei a pensar que tenho sempre que começar algo de novo, como se fosse o primeiro dia da minha vida.

    “Onde estava eu?”

    Se calhar estava à espera de ser encontrada, por mim mesma, à espera de gostar de mim, à espera de encontrar a mulher que sempre existiu e isto muito antes de ser mãe. Aprendendo também que, cada um é quem é, cada um é como é e, ainda, que os “tetos” das casas dos outros abrigam sabe Deus o quê e que nunca nos devemos fiar em tudo aquilo que vemos e nos dá a ilusão de pensar que a “galinha do vizinho é sempre melhor que a nossa”.

    Tento recolher-me e “opinar” cada vez menos lembrando-me sempre que possível que cada pessoa tem que caminhar seguindo a “batida” da sua própria música e que tal como diz o nosso Rui Veloso, numa das suas canções, «…contigo aprendi uma grande lição, não se ama alguém que não ouve a mesma canção…», e isso eu aprendi com as pessoas que se cruzaram e cruzam na minha vida, mesmo em simples relações de amizade. Por isso e desde há algum tempo a esta parte tento adotar uma regra: deixar que cada um seja feliz à sua maneira e isso inclui mesmo as pessoas que me são mais chegadas – as minhas filhas.

    “Onde estava eu?”

    A semana passada estava dentro de um autocarro estacionado em frente à Câmara Municipal da Maia e a concretizar mais um sonho: pela primeira vez, em 52 anos eu consegui dar sangue, porque curei uma anemia de 15 anos e o meu sangue estava bom e as minhas análises também, segundo depois me foi informado numa mensagem do Instituto Português de Sangue.

    De seguida lembrava os meus novos amigos dos clubes das pessoas que gostam de se pintar com as cores do arco-íris, num jogo a que se chama “Paintball”, para organizarem um evento nacional de recolha de sangue para ajudar a manter o stock que nunca é demais.

    “Onde estava eu?”

    Também a semana passada estava a admirar a paciência de alguém que, na feira do livro, me ensinava a jogar xadrez, um jogo que sempre pensei demasiado intelectual para mim e que nunca iria aprender a jogar por pensar não ter a competência ou a perícia suficientes.

    Aprendi o nome das pedras e percebi o papel que desempenha cada uma num jogo que poderia ser igual ao da vida, porque mesmo num tabuleiro de quadrados de cores diferentes nem sempre ganha o mais forte e aqui tudo tem a ver com a estratégia de jogo, aquela que pode inverter um resultado de tal forma que não podemos cantar vitória até ao último momento, aquele que decide tudo e que, por vezes, não tem a ver como se ataca o jogo mas sim na forma como resiste o jogador.

    “Onde estava eu?”

    A espreitar o facebook e a admirar a foto de uma bicicleta que era exibida por um meu ex-colega da faculdade, que sempre vou associar a um gesto muito particular que tinha: quando entrava na sala de aula e como eu era a primeira da carteira, ele batia-me no ombro de forma muito ligeira e dizia-me: “Estás bem?”, simples gestos que nos fazem ficar quando muitas vezes queremos partir.

    A bicicleta que era exibida era muito antiga e aquele modelo já fazia parte dos meus registos de infância. Foi um gosto vê-la fotografada após o restauro que lhe fizeram e ficou brilhante, como se estivesse nova e a quem foi dada uma nova oportunidade de fazer e palmilhar muitos e longos quilómetros conduzida por alguém apaixonado por pedalar.

    “Onde estava eu?”

    Enquanto escrevia esta crónica, no meu cantinho das ideias olhava vezes sem conta para a pequena imagem que o meu vizinho, “Bino-kourov”, me trouxe como recordação da tal viagem que conseguiu fazer a pedalar com os seus 65 anos – 227 Kms, até Fátima, a terra da sua fé, a terra da fé de muitos, e lembrei-me de ver uma foto deste homem, ainda jovem, e que tinha sido partilhada na página “Vermoim Vintage”, de um clube a quem alguém um dia chamou de amizade e se chama “Facebook”.

    Concordo com esta designação se lhe dermos a utilização que o bom senso manda e também ao olhar esta foto lembro-me que aqui nenhuma “operação plástica” retira as verdadeiras marcas da vida dos seres humanos e felizmente que também a força e a coragem de encetar novas caminhadas, que podem ser curtas ou longas, mas sempre de pessoas que nunca se detêm.

    “Onde estava eu - miúda que um dia fui, filha, mulher, mãe, avó?”

    Aqui, à distância de um chamado, e se encontrei um colega que me abraçou emocionado porque não me via há alguns anos e me apresentava à família como a amiga de toda a gente, eu precisei de corrigi-lo e dizer “a amiga de muito poucos” – aqueles que fizerem sentido para mim e isso ainda vai ser o meu coração que vai escolhendo porque, graças a Deus, sobreviveu a muitas vicissitudes e continua a bater, humano, por trás da tal armadura que tem que ser de aço, apesar de mesmo assim não ser suficiente para nos proteger do maior desafio que é…viver!

    Por: Glória Leitão

     

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