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    Arquivo: Edição de 15-03-2012

    SECÇÃO: Crónicas


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    Cinquenta e sete

    Cinquenta e sete é, efetivamente, um número muito importante da minha vida e emociona-me quando a vida me cruza com ele em coisas mesmo simples ou banais porque, para mim, representa luta, trabalho, sacrifício, gratidão, amizade e saudade.

    Encontrei afinidade com este número, 57, ainda muito jovem porque identifica um dos departamentos de uma região de França, la Moselle, que tem na sua geografia localidades como Dalstein ou Thionville, onde ainda vivem familiares e amigos.

    Em tempos em que ainda se escreviam cartas ou postais eu, que por ter facilidade de escrita e uma caligrafia muito legível, desde muito novinha, e de forma natural, fiquei com as funções de “escriturária” da casa, daí que passei anos a colocar este número no endereço postal do correio que se enviava com regularidade e onde precisávamos de resumir as notícias, tendo em conta que era sempre muito o que queríamos escrever em duas pequenas folhas que não deveriam exceder o peso que obrigaria a custos extras.

    Também ainda muito miúda sentia a emoção de ver chegar os tios e primos que vinham passar férias a Portugal – estavam emigrados desde os anos 60 e tinham ido na procura de uma nova vida, uma nova oportunidade. Com o tempo, na mesma procura haviam de juntar-se-lhes mais familiares, mais amigos e tudo se arranjava porque, entre todos, encontravam sempre espaço para acolher mais um, que ajudavam a integrar na comunidade até que conseguissem reunir condições para passarem a viver autónomos.

    Já em fase adulta esta chegada e partida de familiares passou a ser dos raros acontecimentos que me emocionavam ao ponto de chorar, e isto era ainda mais forte quando tinha que ir à “estação dos caminhos de ferro” despedir-me deles porque era impossível ficar indiferente àquele vaivém de pessoas que partiam todas para um sonho comum – trabalhar e lutar para depois regressar a Portugal e passar a derradeira fase da sua vida de forma tranquila e em paz

    Foto HTTP://WWW.MUSEU-EMIGRANTES.ORG/CAMINHO_DE_FERRO.HTM
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    Quando numas férias, em 1985, visitei esta cidade, também eu apanhei o comboio para fazer a mesma travessia e, nas estações por onde parávamos, ainda em Portugal, foi-me permitido assistir às despedidas dos familiares e via muita gente entrar no comboio ainda com malas de cartão amarradas com cordas, tendo em conta que lhes metiam tudo o que fosse possível transportar com eles como se de um bocadinho da sua terra se tratasse. E muitas destas pessoas faziam a parte inicial da viagem a chorar, porque efetivamente um ano é muito tempo para quem tem saudade e porque também nunca havia certezas de voltarem a ver principalmente os pais, quando eram mais idosos – o desabafo mais sentido que lhes ouvia.

    Felizmente que tudo evoluiu e se os descendentes já optaram por ficar lá, construindo os seus próprios sonhos e as suas próprias famílias, agora, com as alternativas de transporte que torna as viagens mais rápidas, mais confortáveis e com os voos low cost assíduos e menos dispendiosos, as pessoas optam por vir mais vezes a Portugal, mas o tempo não eliminou este meu sentir, mesmo num aeroporto, quando assisto à emoção que causa a chegada de um qualquer avião que, vindo de uma qualquer parte do mundo, há-de trazer sempre alguém que regressa definitivamente a casa ou vem matar saudades de familiares ou amigos.

    Com o tempo, o número 57 tornou-se ainda mais forte na minha vida, e depois alargou-se ao 24, a região da Dordogne, para onde se deslocaram familiares que, por razões de saúde, quiseram procurar um melhor clima para viver e aqui escolheram a simpática localidade de Mussidan para o fazer.

    Eu costumo dizer que sou a pessoa mais fácil de “deslocar”, pelo facto de já ter as minhas filhas criadas e só precisar de levar comigo os meus haveres – eu mesma, o meu computador e a minha roupa. Contudo, quando me convidaram a juntar-se-lhes lá no país de Molière, Curie, Balzac, Monet, Piaff, eu ponderei e optei por ficar, porque em fase de começar tudo de novo, eu quero fazê-lo em Portugal, o meu país, que também precisa de gente que fique, quando mais não seja para acender luzes aos seus antepassados.

    No entanto, com o avanço da idade, tornamo-nos mais cautelosos e ponderados, e passamos a sentir necessidade de saber onde podemos passar a fase final da nossa vida, aquela onde o “guerreiro” pode pousar definitivamente a sua armadura e descansar. No meu caso e a correrem mal os projetos que idealizo para mim e pelos quais luto com convicção, eu sei que cá terei a retaguarda da minha família para me apoiar em caso de necessidade. Contudo, a falhar-me esta opção, uma certeza nunca me abandona - no 57 ou no 24 eu teria de certeza as portas e os braços abertos de gente que me diria: “Glória, ont t’aime”, numa sonoridade exclamada em mais do que um idioma.

    Fiquei mesmo contente por ter encontrado a justificação pela minha simpatia por este número e isso deveu-se ao facto de andar também na fase “estúpida” dos porquês, em que preciso encontrar explicação para tudo o que é passado e presente, e esta “imposição” que fiz a mim mesma de procurar definitivamente uma explicação plausível surgiu quando, no trabalho comercial em part time, uma das portas me foi aberta por uma senhora de aspeto sofrido – tinha regressado do hospital por ter sido mãe, e que eu dispensei de incomodar no imediato. Ao registar o meu trabalho precisei de olhar para a referida porta que se fechava com educação... e lá estava o número “57”.

    Haveria de voltar dias depois a esta porta, que se abriu de novo, e perante uns pais ainda cansados mas também deliciados, porque a pequena Maria dormia tranquilamente, foi-me oferecida a oportunidade de ter subido mais um degrau na escalada da minha vida, quando compraram o produto que represento e fizeram com que atingisse os meus objetivos mensais, ainda mais que não porque me fiquei por aqui neste mesmo dia.

    De regresso a casa, e enquanto seguia as estrelas com quem partilho algumas das minhas reflexões, vinha feliz não só por ter encontrado a resposta que me parece ser a mais convincente, mas também porque nesta pequena viagem pelo passado pude ainda chegar à conclusão que tendo em conta que voltamos a ouvir falar, e cada vez mais, da necessidade de emigrar, felizmente que agora as malas já não são de cartão, já temos o skype, que permite falar e matar saudades dos rostos de quem nos é querido, as viagens são mais assíduas, etc., etc.. Contudo a saudade vai sempre chamar-se saudade e, para mim, o 57 há-de continuar a ser um número especial da minha vida, valendo sempre por aquilo que vale!

    Associo muitas vezes às minhas ponderações a letra da múscia de Jean Gabin que a certa altura termina dizendo: « (…) La vie, l’amour, l’argent, les amis et les roses, on ne sais jamais le bruit ni la coleur dês choses c’est tout c’que j’sais! Mais ça, j’le sais…».

    E isso, felizmente, também sei, porque a vida encarregou-se de me ensinar e eu, que aprendi, espero nunca mais esquecer!

    Por: Glória Leitão

     

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