Subscrever RSS Subscrever RSS
Edição de 31-03-2024
  • Edição Actual
  • Jornal Online

    Arquivo: Edição de 20-09-2011

    SECÇÃO: Psicologia


    Práticas parentais: o que digo e o que faço

    Um menino chora no supermercado, quer que a mãe lhe compre um chocolate. A mãe diz que não, zanga-se mas o menino continua com o chocolate na mão. A tensão acumula-se... Ambas as partes ficam tensas. A birra acaba por ser tão grande que a mãe acaba por ceder. Nervosa, tece o seguinte comentário: «Fazes sempre o que queres»..., assegurando a quem a quisesse ouvir: «Esta criança tem uma força de vontade!...».

    A interação é assaz curiosa e não tão pouco invulgar como seria aconselhável. A mãe, ao não conseguir ser firme, devolve uma imagem da criança à própria que não é das mais saudáveis: a imagem de alguém que é rebelde, que faz sempre o que quer, que tem uma força de vontade que vence a do adulto. A mãe não se apercebe que teve uma prática educativa contraditória: disse que não ia dar o chocolate mas na verdade nada fez no sentido de lhe tirar o chocolate das mãos e de fazer respeitar a sua ordem.

    Qualquer intervenção verbal direta, no sentido de impor um comportamento, deve ser acompanhada da remoção do estímulo, no caso um chocolate. As práticas parentais devem ser assim coerentes e aplicadas atendendo às necessidades emocionais das crianças, mas de uma forma firme.

    Os exemplos podem replicar-se nas mais variadas situações. O caso do exemplo é um dos mais flagrantes e dos mais frequentemente esquecidos. De facto, se pedimos ou exigimos algo às nossas crianças, o não fumar por exemplo, esse comportamento é mais difícil ser cumprido se somos, nós próprios, fumadores. Outro caso com que nos confrontamos frequentemente tem que ver com a ameaça de castigos muito severos. Neste género de situações, o pai ou a mãe ameça pôr a criança num colégio interno se ela continuar a comportar-se de determinado modo. Ela continua a portar-se mal e nada acontece. Os castigos severos, muitas vezes não são aplicados, o que acaba por provocar um certo descrédito junto da criança.

    Por outro lado, existem também os pais que constantemente castigam. Os castigos são fortes e prolongados no tempo. A criança acaba por não ter nada a perder. É o velho ditado: perdido por cem, perdido por mil. Ao longo da nossa experiência profissional ouvimos mães a dizer parece que ele/a já não quer saber dos castigos, que já não lhe importa.

    Existem dois grandes vetores no que respeita às práticas parentais: um, é a forma assertiva e eficaz com que os pais fazem valer as regras familiares; um outro, tão importante como o primeiro, tem que ver com a sintonia emocional entre pais e os seus filhos. Os educadores têm de saber ler as necessidades emocionais dos seus filhos e de algum modo estar em sintonia com elas. O ambiente que estes dois vetores acabam por criar, um ambiente de regras e de sintonia emocional, funciona como pano de fundo em que muitas das práticas parentais acima referidas evoluem, ou seja: práticas parentais corretas em ambientes desestruturados acabam também por ter efeitos contraproducentes.

    Um pouco por esse país fora têm-se organizado grupos de pais. O objetivo passa pela criação de ambientes protetores, que fomentem a partilha de experiências e a construção de percursos e redes de interajuda. Os papéis paternal e maternal são exigentes. Muitas vezes as pessoas sabem o que é correto mas não o conseguem levar à prática. Existem inúmeras variáveis emocionais que podem fazer com que uma mãe ou um pai acabem por ceder às exigências da filha ou do filho.

    A crescente taxa de divórcios também desempenha aqui um papel de relevo. O facto de os pais estarem separados acarreta a existência de dois contextos de educação, o aparecimento de outras figuras – como o padrasto ou a madrasta – e todo um campo para o surgimento de ruídos e incoerências. Mais uma vez, as variáveis emocionais nascidas do ciúme, da dificuldade em impor certas regras que são depois ignoradas pelo outro lado, tornam tudo mais difícil. Também aqui o grupo de pais pode ser uma ajuda, em termos de compreensão e troca de experiências comuns ou não tanto assim.

    Falámos em grupos de pais como um instrumento de eleição para a partilha e a evolução de muitos de nós na sua relação com o papel paternal e maternal. Mas as dificuldades são inúmeras: o contexto pós-laboral, a dificuldade em deixar os filhos em casa sem ninguém que olhe por eles... E depois já no interior do grupo: a barreira do socialmente correto, o achar que se sabe tudo e que as coisas não podem ser vistas de outra maneira... A verdade é que tudo pode ser visto de outro modo e a riqueza de um grupo reside precisamente aí, na multiplicidade de olhares e na troca de experiência.

    Vencido o socialmente correto inicia-se a partilha das práticas efetivas num contexto protector e securizante.

    Por: Rui Tinoco (*)

    (*) Psicólogo clínico, profissional da Psicogénese – Clínica de Psicologia, Medicina e Formação.

     

    Outras Notícias

     

    este espaço pode ser seu Este espaço pode ser seu Este espaço pode ser seu
    © 2005 A Voz de Ermesinde - Produzido por ardina.com, um produto da Dom Digital.
    Comentários sobre o site: [email protected].