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Edição de 31-03-2024
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    Arquivo: Edição de 15-06-2011

    SECÇÃO: Psicologia


    Não mentirás...

    No final de mais um dia de trabalho, a mãe do Rui apressa-se para o ir buscar ao jardim-de-infância.

    À chegada é abordada pela diretora do estabelecimento de ensino para esclarecer a origem de um comentário que o Rui teve logo pela manhã, no momento do acolhimento. É com grande espanto e embaraço que a mãe ouve a leitura do comentário do filho, que a diretora cuidadosamente registou no seu caderninho: «Ontem à noite o meu pai tinha mulheres nuas no escritório». A mãe do Rui, atrapalhada, precipita-se a desmentir, justificando que na noite anterior esteve em casa com a restante família, não havendo sequer hipótese de algo semelhante ter acontecido. A diretora, arqueando o sobrolho retorquiu: «As crianças não mentem, e esse tipo de ambiente não é aconselhável para uma criança». Acrescentou ainda que a mãe devia, no mínimo, desmotivar o filho de ter esse tipo comentários que colocam em causa a desejada boa reputação do estabelecimento de ensino.

    No trajeto até casa, o Rui é “massacrado” com perguntas e raspanetes, numa tentativa de aliviar toda a tensão originada pela vergonha que a mãe passou no jardim-de-infância. Já em casa decide levar o filho ao escritório, para que este lhe mostrasse o que tinha acontecido na noite anterior. Quando lhe pergunta onde viu as mulheres nuas, o Rui aponta para o computador.

    Nesse momento, a mãe depara-se com um novo dilema. É certo que está mais segura da fidelidade do marido, mas ter de confessar os seus hábitos na escola do filho é impensável. Qual a imagem que a diretora teria da sua família? Apesar de estar consciente que é o passatempo preferido de muitos, ninguém assume socialmente os seus desejos “voyeuristas”. Seria certamente mal interpretado.

    A mãe do Rui vê-se então a braços com um dos grandes problemas de quem tem a seu cargo educar uma criança. É de facto uma tarefa difícil, senão mesmo impossível, encontrar um equilíbrio entre querer tornar uma criança pretensamente sincera e, ao mesmo tempo, ficar desconfortável e desencorajar a sua espontaneidade. Se a mentira por palavras é muito feio, então porque obrigamos a criança a mentir com os seus silêncios e omissões, apreciando quando sabe ser “discreta”?

    Afirmar que as crianças não mentem é ter a ilusão de que as vigiamos, mesmo quando não estamos presentes. Quando a criança ainda pequena diz «não fui eu», logo após realizar um disparate, constitui uma tentativa de exprimir o seu desejo de que tudo deveria ter acontecido de outra maneira. Nessa altura é mais coerente da nossa parte demonstrar-lhe que percebemos que não era sua intenção provocar uma catástrofe, mas que não conseguiu controlar o seu comportamento e, cabe aos adultos ajudá-la nessa tarefa. Deus sabe que as crianças mentem, e fazem-no pelo mesmo motivo que os adultos, quando se confrontam com a impossibilidade de alcançar o ideal que tinham para si próprios. Afinal, não fomos nós, os adultos, que as ensinamos a mentir?

    Por: Rute Andrade dos Santos (*)

    (*) Profissional da Psicogénese – Clínica de Psicologia, Medicina e Formação.

     

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