Subscrever RSS Subscrever RSS
Edição de 29-02-2024
  • Edição Actual
  • Jornal Online

    Arquivo: Edição de 30-03-2009

    SECÇÃO: Editorial


    foto

    Renascer como flores de Páscoa

    Há uma infinidade de flores que associo à Páscoa, à visita pascal, à limpeza das casas, ao perfume dos lírios, do alecrim, das glicínias, do rosmaninho, das aleluias, do pão e queijo, pampilos, margaridas, lilases, e ao cheiro a lavado, era assim na vida rural, após o Inverno tudo se renovava, não só a Natureza, mas também as almas, era o renascer da vida.

    Nunca senti tanta falta desse renascer como hoje, nunca vivi uma crise como esta e sinto que tudo está a cair de podre, apetece partir do zero, mas não é possível e não sei se esta manta de retalhos nos vais conduzir a alguma coisa.

    Perderam-se as referências, nada nos diz nada, Natal, Páscoa, são férias, iguais a tantas outras, já não distinguimos as flores de Páscoa, que teimam em renascer todos os anos, não há tempo, tudo é contabilizado: dias de sol, dias de neve, quilómetros e mais quilómetros à procura da felicidade e ela às vezes aqui tão perto…

    Alguns passamos a ser alérgicos, aos perfumes, ao toque, as flores incomodam, sujam.

    Penso que temos de fazer um luto que nos ajude a encontrar outros rumos, reencontrar valores para a vida para além do consumismo em que vivemos.

    Esta crise também é fruto da educação dominante dos últimos anos nas sociedades ditas evoluídas. Aldo Naouri, pediatra conceituado, afirma: «Os maus [pais] são os que acham que a criança tem direito a tudo». E ainda: «A crise económica é já resultado de uma educação irresponsável (…). As coisas começaram a mudar a partir do momento em que entrámos numa sociedade de abundância. Antes disso, dizíamos: “Não se pode ter tudo”. A partir dos anos 1955/60, passámos a dizer: Temos direito a tudo” (…). A partir desse momento começou a crescer a importância do “eu, eu, eu”.

    (…) Os bons pais são os que permitem à criança poder desejar».

    Atafulhamos os nossos filhos, as nossas casas, com inutilidades, convencidos que são coisas essenciais, lixo que não deixa ver e olhar a Natureza, nem reflectir sobre ela.

    Atordoados na ânsia de tudo ter, passamos por este mundo numa correria constante, porque não há tempo para pensar, as estações do ano não entram nas nossas casas, as flores são todas iguais e os perfumes confundem-se, perdemos o gosto, o sentido de escolha, tudo se compra, alguém há-de decidir por mim e para mim. E quando dermos conta que nada é infinito neste planeta, que temos de saber repartir os seus recursos, que nos venderam um mundo irreal em que acreditamos, é tempo de sermos mais realistas, é tempo de Páscoa e de renovação e, como dizia o poeta:

    Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,

    Muda-se o ser, muda-se a confiança;

    Todo o mundo é composto de mudanças,

    Tomando sempre novas qualidades.

    Continuamente vemos novidades,

    Diferentes em tudo da esperança;

    Do mal ficam as mágoas na lembrança,

    E do bem, se algum houve, as saudades,

    O tempo cobre o chão de verde manto,

    Que já foi coberto de neve fria,

    E em mim converte em choro o doce canto.

    E, afora este mudar-se cada dia,

    Outra mudança faz de mor espanto;

    Que não se muda já como soía.

    De: Luís de Camões

    Por: Fernanda Lage

     

    Outras Notícias

     

    este espaço pode ser seu Este espaço pode ser seu Este espaço pode ser seu
    © 2005 A Voz de Ermesinde - Produzido por ardina.com, um produto da Dom Digital.
    Comentários sobre o site: [email protected].