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    Arquivo: Edição de 15-11-2008

    SECÇÃO: Crónicas


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    São Petersburgo

    É indiscutível que alguns homens e mulheres alteraram o sentido da História. Mas, afinal, em que consiste alterar o sentido da História? A História tem um sentido predefinido como se fosse o caudal dum rio e, em dado momento, vem um ser humano e revela-se capaz de inverter esse sentido? Como é que isso acontece e quais as qualidades que ele possui para operar tal façanha? Os gregos inventaram os semideuses, capazes de fazer o que a outros é, em absoluto, interdito. Tais feitos foram imortalizados pelo povo e cantados por rapsodos e escritores que os transmitiram à posteridade.

    Não pretendendo negar o mérito seja de quem for, julgo que as qualidades de alguém têm que ser potenciadas por circunstâncias favoráveis para que resultem em grandes proezas. Do encontro entre uma natureza excelsa e condições propícias podem advir alterações no decurso normal dos acontecimentos, a tal ponto fracturantes, que decidem o devir histórico e o futuro de nações e de pessoas. Aníbal esteve a um passo de conquistar Roma e, se o tivesse feito, o mundo seria outro, e o seu nome ficaria inscrito na galeria dos grandes heróis da Humanidade. Já Alexandre III da Macedónia construiu, no mais curto espaço de tempo, o maior império até hoje existente, e só foi vencido pela doença (tifo ou malária), impondo o Helenismo e estabelecendo reformas nunca até então conhecidas tendo por base o princípio da homonoia: igualdade de povos e de raças. Ficou mais conhecido como Alexandre, o Grande.

    Outro Grande foi Pedro I, Imperador da Rússia e fundador de uma nova cidade junto ao delta do rio Neva a que deu o nome de São Petersburgo. Tendo ascendido ao trono junto com o meio-irmão Ivan sob a regência da meia-irmã Sofia, passa a frequentar o bairro dos estrangeiros em Moscovo onde de entrega a uma vida dissoluta e trava conhecimento com o suíço Lefort, o escocês Gordon e o almirante Timmerman que lhe despertam o interesse pela arte militar e os trabalhos manuais. Em 1689, reúne alguns regimentos, prende os conselheiros de Sofia, encerra esta num convento, anula o poder de Ivan e entrega o governo a sua mãe Natália mas só começa a reinar após a morte desta em 1694. Reorganizara, entretanto, as forças militares, formara uma flotilha naval e concebera o projecto de transformar o país numa grande potência europeia. Para isso, importava, em primeiro lugar dar-lhe comunicações exteriores que só possuía através do porto de Arcangel no Mar Branco. Quase toda a costa báltica estava na posse da Suécia, o acesso ao Mar Negro, desde a Ásia à Crimeia, era-lhe vedado pela Turquia. A Polónia impedia-lhe a ligação à Europa Central. Uma primeira investida contra a Turquia convenceu-o da necessidade de uma grande reforma interna para além do exército e da marinha. Para se documentar pessoalmente, partiu, incógnito e chegou à Holanda onde se crê que trabalhou como calafate num estaleiro, passou à Inglaterra onde estudou a arte naval e as indústrias, visitou minas, fábricas e museus, observou os costumes políticos, contratou numerosos técnicos que levou consigo para a Rússia. Visitou ainda outros países europeus entre eles a Áustria onde recebeu a notícia de que dois regimentos marchavam sobre Moscovo onde pretendiam aclamar seu filho Aléxis e chacinar os estrangeiros residentes na Rússia. Os revoltosos são derrotados pelo escocês Gordon e, quando Pedro entra em Moscovo, manda executar todos os suspeitos e decreta as primeiras reformas dos costumes. Entre 1700 e 1721 envolve-se na Guerra do Norte contra a Suécia conquistando-lhe várias províncias que lhe dão acesso ao Mar Báltico. Conquista à Pérsia a entrada para o Mar Cáspio.

    Quando subiu ao poder, a Rússia era um estado asiático, atrasado do ponto de vista social, político económico e cultural. Empreende vastíssimas reformas em todos os domínios, desenvolve a agricultura, o comércio e a indústria que se encontravam num estado insignificante, Para contrariar velhos costumes teimosamente mantidos, recorre à violência e até à crueldade sem qualquer respeito pela dignidade humana. Não poupa a própria família: condena à morte o filho Aléxis, estrangulado na prisão onde se encontrava havia anos e repudia a esposa depois de a ter encarcerado num convento. Nem sequer a religião escapou à sua determinação, modificando a organização da Igreja Ortodoxa, substituindo o patriarca por um colégio de nove membros (Santo Sínodo), reduz o número de mosteiros e entrega a administração dos seus bens a uma comissão de leigos. E, sobretudo, funda a cidade de São Petersburgo para onde transfere a capital do Império.

    Com efeito, São Petersburgo (cidade de Pedro) passou a ser o símbolo da nova etapa da história russa e de grandiosas realizações nunca vistas até então. Ao lançar o desafio à natureza, o Imperador pretendia criar, num solo instável, uma colcha de névoa, um “Paradise” russo. Indiferente a todas as dificuldades e guiado apenas pela sua vontade férrea, sacrificou milhares de vidas para erguer uma cidade ímpar, fulgurante, onde os largos espaços de terra firme, as suaves linhas do rio Neva e dos canais constituíram os elementos arquitectónicos básicos a partir dos quais os criadores se dedicaram à formação de diferentes perspectivas. Aqui não se erigiam edifícios isolados, os técnicos prestavam especial atenção à formação de um conjunto harmonioso. A cidade de Pedro é também a urbe mais preconcebida: leva a sua origem nas ideias e pensamentos fixados na planta. Ela só pode ser apreciada devidamente das alturas do voo de um pássaro em que tudo se apresenta plano, desvanecem-se as irregularidades da cidade, deparamo-nos com o relevo levemente esboçado. Porém o observador tem a possibilidade de ver a cidade no molde da natureza que a circunda.

    A edificação de São Petersburgo bastaria para tornar grande o seu criador. Mas Pedro não ficou por aqui. Fortemente impressionado pelas grandes cidades da Europa, resolveu equiparar a Rússia aos países que mais admirava. Na sua época, apenas surgiam as primeiras escolas, não havia universidades. Começou por fundar a Academia das Ciências, convidando a São Petersburgo cientistas estrangeiros principalmente da Alemanha. Proporcionou-lhes a possibilidade de continuarem as suas investigações científicas por conta do Estado, com a condição de transmitirem os seus conhecimentos a jovens russos talentosos. Pedro procedeu ao contrário do que era hábito: noutros países criavam-se primeiro escolas, universidades e só quando o país já dispunha de número considerável de cientistas é que se criavam as academias. Foram convidados também pintores, arquitectos, escultores, gravadores e outros artistas que deram um notável concurso à epopeia da edificação duma cidade invulgar. A partir de agora, era ela que servia de modelo para outras capitais europeias.

    Para o turista actual São Petersburgo continua a ser uma das mais sedutoras cidades do mundo.

    Por: Nuno Afonso

     

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