Em honra de S. Lourenço
Durante anos a festa de S. Lourenço era “A Festa” da minha família.
A festa era o pretexto para a realização de um grande almoço, época de férias propícia para juntar avós, pais e filhos.
Sempre achei que a festa era nossa, a nossa casa era demasiado próxima e o portão estava aberto para tudo: água para as farturas, local seguro para os foguetes e o fogo preso, as bicicletas dos músicos, melões, melancias, e sementes, muitas e variadas sementes.
De manhã cedo os músicos tomavam o “mata-bicho” na eira, servia-se regueifa, pão de ló, queijo e “vinho fino”.
Lançados os primeiros foguetes do dia, na “alvorada”, a música tocava, ali mesmo, na eira em honra dos donos da casa.
Era o início da festa, agora era ajudar na cozinha, a pôr as mesas debaixo das ramadas de uvas brancas, o avô escolhia os melões de casca de carvalho e as melancias.
– Os melões querem-se pesados!
– As melancias leves e devem tocar como quando batemos num sapato.
O meu irmão mais velho estava atento aos foguetes e aos primos que iam chegando, e tinha sempre umas senhas que nos distribuía para para andarmos nos carrinhos de choque.
Os mais pequenos compravam brinquedos de lata e loucinha de barro.
De tarde saía a procissão, eu tinha que a ver por várias vezes: à saída da Igreja, depois caminhava ao longo do muro e acompanhava-a enquanto a minha visão o permitia, regressava a casa, e nas janelas assistia ao seu regresso.
S. Lourenço, no seu andor, levava sempre uvas da terra.
Apenas o Doutor Luís tinha uma qualidade de uvas que pintavam nesta altura – dizia a minha avó.
À noite jogavam-se matraquilhos e apreciávamos da varanda as batotas do jogo da vermelhinha. Escusado será dizer, era um jogo proibido. Para nós havia um segundo jogo, muito mais divertido: descobrir a batota e os polícias.
A feira das sementes realizava-se à 2ª feira, vinham lavradores e compradores de fora, comprava-se azevém, centeio, aveia e outras ervas para semear pastos e ainda a semente do nabal e a couve galega.
O Senhor Sá e Mello era um bom cliente, comprava sementes de ervas para os pastos na serra da Estrela.
De Barcelos vinha a Maria, uma minhota de lenço vermelho pelas costas, muito corada, mulher para saborear uma boa caneca de vinho.
Negociava em sementes e aproveitava para combinar a época da recolha do folhelho.
A Maria, mulher respeitada, na sua terra e na nossa, vinha todos os anos com um grupo de raparigas para as ceifas e desfolhadas do milho. O seu trabalho de ceifar e desfolhar era pago por troca directa, levava o folhelho que recolhia e tratava.
O folhelho era separada em função da sua espessura e suavidade, o mais grosso era desfiado e era vendido para encher colchões, o muito fininho e macio tinha fins mais delicados.
Era tempo de festa, festa que para mim era a continuação do S. Lourenço.
Mas S. Lourenço era o fogo preso!
Aquele ciclista a dar aos pedais, primeiro devagar, depois com mais força, e mais e mais até rebentar!
E o homem das cambalhotas, a rodar, a rodar…
Tudo isto visto do mirante, lugar sagrado do sonho e das descobertas, onde se via passar os comboios, se sabiam as novidades da terra, e até o sacristão avisava quem tinha morrido:
– Diga à avozinha que morreu o Senhor Fulano.
Ou então, quando não era gente da terra.
– Diga lá que foi um pára-quedista!
Por:
Fernanda Lage
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