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    Arquivo: Edição de 15-04-2008

    SECÇÃO: Opinião


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    Precariedade: uma chaga social

    O recorrente tema da precariedade no trabalho voltou à agenda política, com a Assembleia da República a dedicar-lhe honras de interpelação ao Governo. Como habitualmente, enquanto todos os partidos da oposição se associaram às preocupações do Presidente da República, ministro e PS esforçaram-se por minimizar a importância do debate que, como tantos outros, nada de novo produziu, salvo breves passagens da intervenção ministerial, premonitoras de que da revisão do Código do Trabalho, nada de bom se deve esperar quanto ao reforço das garantias de sustentabilidade do emprego. Ficou-nos a convicção, oxalá que errada, de que as situações em que actualmente a lei prevê a utilização dos contratos a termo serão alargadas e não reduzidas, para gáudio de empregadores e maior insegurança, e consequente desespero, dos trabalhadores.

    Em registo oportuno, o Presidente da República sentiu necessidade de chamar a atenção dos agentes económicos e, naturalmente, dos políticos, para o erro em que o país vem incorrendo com a precariedade do emprego, alertando para o risco das empresas deixarem de ter no seu seio quem desenvolva e transmita o conhecimento pela via da experiência adquirida, sublimada ao longo de anos de uma dedicação à empresa com o permanente e demonstrado desejo de fazer no dia seguinte mais e melhor que o conseguido no dia anterior. Só não é assim, quando a qualidade dos gestores é medíocre, porque os trabalhadores, quando têm a sorte de serem enquadrados por dirigentes qualificados, a sua prestação em quantidade e qualidade pede meças a quem quer que seja. Há no país e fora dele, exemplos que confirmam exuberantemente esta asserção.

    Quanto aos recibos verdes há também algo que não deverá alentar quem espere que a lei irá restringir o seu actual universo. Isso mesmo poderá ser perspectivado quando o ministro refere que as pessoas devem ser livres de fazer as suas opções: trabalhador por conta de outrem ou profissional independente, como se ignore que a prática corrente é a de sujeitar, quem depende do rendimento do trabalho para viver, ou sobreviver, a aceitar as regras impostas pela parte mais poderosa.

    Concedendo, reconhecemos que há na administração pública e em algumas empresas privadas, colaboradores que não querem ou não podem ter outro elo de ligação que não seja o de profissional independente. Estamo-nos a lembrar de médicos, advogados, juristas, académicos, conselheiros, consultores, etc.. Tal não invalida, porém, que se reconheça e se rejeite outras muitas situações de verdadeiros “administrativos” forçados a manter uma aparente relação de trabalhador independente, injustamente imposta pela entidade dominante.

    O Governo anuncia que está a preparar medidas para reduzir a precariedade do emprego e combater os falsos recibos verdes, não explicitando de imediato as medidas concretas que tenciona adoptar, preferindo guardá-las e enquadrá-las nas alterações a introduzir no Código do Trabalho. Não se sabe, por isso, o que por aí virá, podendo acontecer ver acolhido o entendimento do presidente da Autoridade para as Condições do Trabalho, segundo o qual, a lei deveria passar a criminalizar quem recorre ao uso de falsos recibos verdes, não esclarecendo se punindo o emitente ou o destinatário. É natural que o governo, que tem dado sobejas provas de procurar resolver os problemas através de pesadas coimas e elevadas custas judiciais, seja tentado a reincidir neste ineficaz tipo de solução. Lembremo-nos, por todos, os exagerados aumentos introduzidos nas coimas por infracções ao código da estrada, com o argumento de reduzir a sinistralidade. A ineficácia da medida está à vista de todos.

    Sem dúvida que a precariedade do emprego em resultado do uso abusivo dos contratos a termo e dos recibos verdes precisa de ser combatida, em nome do respeito pelos direitos humanos de quem vive do seu trabalho, na defesa da verdadeira competitividade da economia, da inversão do que tem sido o paradigma organizacional das empresas, porque o actual não tem sido capaz de nos catapultar para o “campeonato” dos mais bem sucedidos. E, anúncios de medidas rotuladas de eficazes, não têm faltado aos políticos. Mas o que acontece, é que os problemas se mantêm e se agravam, configurando propósitos de tudo mudar para que nada se altere. Receamos que o “combate” ministerial anunciado, poderá ser mais um desses artifícios, integrado na pré-campanha eleitoral

    Diz-se que ninguém cura doenças graves com toma de aspirinas. A prescrição deve ser adequada e dirigida às afecções que se pretenda curar. Adoptar a criminalização para o uso abusivo dos recibos verdes e maior fiscalização quanto ao recurso dos contratos a termo, é correr o sério risco de não criminalizar ninguém (como acontece com a corrupção) e de assistirmos à continuação da precariedade do trabalho pela via de (i)legais contratos a termo.

    Se concordarmos que o uso dos recibos verdes tem como alvo o não pagamento de contribuições à Segurança Social (SSocial), e os contratos a termo, o fito dos empresários manterem os trabalhadores sob a permanente ameaça de despedimento, as medidas que poderão remover da sociedade portuguesa esta chaga social passarão por soluções que contrariem os referidos objectivos. Como fazer, então? Adoptando soluções simples, mas dirigidas aos problemas.

    FISCALIZAÇÃO

    EFICIENTE

    Quanto aos recibos verdes, sofrerão forte “machadada” se os destinatários da prestação do serviço forem obrigados a suportar a contribuição para a SSocial, com uma taxa idêntica à prevista para os trabalhadores por conta de outrem (23,75%), com cobrança assegurada como hoje é o IVA e o IRS. Bastará para conseguir este desiderato, que o perfil dos actuais recibos verdes passe a conter uma “linha” em que aos honorários pagos acresça, além do actual IVA, a futura contribuição para a SSocial. Ao prestador do serviço caberá a cobrança, a retenção e a entrega à SSocial das respectivas contribuições. Processo simples que terá, entre outros, o mérito de combater a concorrência desleal, aumentar as receitas da SSocial, assegurar aos profissionais independentes benefícios sociais idênticos aos restantes trabalhadores e, principalmente, retirar aos empresários pretexto económico para preferirem os recibos verdes.

    Relativamente ao uso abusivo dos contratos a termo, a lei actual não necessita de ser alterada. A sua moralização precisa, apenas, de fiscalização eficiente. Encarregue-se o actual director da ASAE dessa tarefa e dentro de poucos meses teremos o problema resolvido.

    Por: A. Alvaro de Sousa

     

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