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    Arquivo: Edição de 15-03-2008

    SECÇÃO: Opinião


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    Expressões politicamente assassinas

    Os professores protagonizaram há dias a maior manifestação pública de que há memória. E, caso inédito, os números de participantes avançados pelos organizadores não divergiram significativamente dos calculados pelas autoridades policiais. Uns e outros, admitiram que o evento terá mobilizado cerca de cem mil docentes, concentrados em Lisboa, das mais variadas procedências, com o propósito de dizerem à ministra da Educação e ao Governo, que a dinâmica por eles imposta sob a “umbrella” das chamadas reformas da educação, tinha de ser repensada, sob pena dos protestos continuarem nos próximos tempos, com os expectáveis danos para o regular funcionamento dos estabelecimentos escolares e aproveitamento dos alunos.

    No rescaldo do mediático, civilizado e pacífico “espectáculo”, não faltaram os comentadores, cada um fazendo a sua própria leitura: a ministra a afirmar que o “processo” tinha de continuar tal como tem vindo a ser desenvolvido por não haver alternativa; as organizações sindicais triunfantes com a resposta dada pelos professores, muitos deles participando pela primeira vez numa acção de protesto, como terá sido o caso da esposa do actual presidente da Câmara de Lisboa; os comentadores a lerem os sinais da conflitualidade de conformidade com o lado político que normalmente abraçam, não faltando os “conselhos” do Prof. Marcelo e do Dr. Vitorino, no sentido dos beligerantes procurarem e encontrarem plataformas conducentes à retoma do diálogo que “pare” a escalada em que uns e outros se deixaram enredar.

    Sabe-se que os professores, ao mesmo tempo que afirmam não discordarem que o seu trabalho seja avaliado, contestam, no entanto, que o seja por colegas sem preparação para o efeito e menos ainda, que as notas dadas aos seus alunos contem para o resultado final da sua avaliação, reserva que quanto a nós tem toda a pertinência, podendo, inclusive, ser motivo de degradarmos ainda mais o nível de conhecimentos dos alunos portugueses, compreensível que é, que o professor, entre uma notação justa ao aluno ou uma majoração, certamente que não hesitará: inflacionará as notas para não se prejudicar. Os alunos ficarão contentes julgando-se uns “sabichões” e a ministra poderá exibir o “sucesso” das suas políticas: menos reprovações e menor índice de abandono escolar. Será tudo uma rotunda inverdade, mas politicamente dará muito jeito.

    Perguntar-se-á, mas então os professores não devem ser avaliados pelo seu trabalho? Naturalmente que sim. E no que ao absentismo diga respeito, podem e devem ser avaliados pelo menos uma vez por ano, num processo que preveja avaliações intercalares e uma outra final, coincidente com o termo de cada ciclo de escolaridade, na qual se tomará em consideração o aproveitamento dos alunos medido através de exames nacionais, avaliação esta determinante para progressão na carreira e definição do quantum da remuneração e de outras eventuais contrapartidas pelo trabalho desenvolvido.

    Continuar a tratar os professores todos por igual, não sujeitando o seu trabalho a avaliação, será um prémio imerecido para alguns, uma injustiça para muitos outros e um obstáculo à melhoria da qualidade do ensino. Logo, a avaliação deve ser implementada. A questão será encontrar os melhores meios para se atingir os almejados fins. Os caminhos percorridos até ao momento não se revelaram adequados. E aqui surgem as expressões politicamente assassinas: recuo, cedência, derrota, vocábulos que os políticos abominam, tudo fazendo para retirar aos adversários as oportunidades de os usarem, pela obtenção de dividendos eleitorais que normalmente produz.

    As circunstâncias, porém, nem sempre ajudam e, bem contra a vontade, uma vez ou outra os políticos não têm outra solução que não seja a de rebuscarem o discurso para desacelerarem ou voltarem atrás na sua estratégia, como agora acontece com a “famigerada” avaliação dos professores. Procurando mascarar as cedências emergentes do protesto da “Rua”, a equipa ministerial da Educação viu-se forçada a deitar mão ao “chavão ”flexibilidade, propondo às estruturas sindicais a continuação do processo, mas agora sem a obrigatoriedade ser urgente e universal, podendo ser só para as escolas que considerem ter condições para realizar as tarefas de avaliação, forma eufemisticamente adoptada para esconder o recuo, cedência ou derrota, que os partidos da oposição lhe assacam com pertinência e oportunidade.

    A prática dos políticos, quer estejam sentados nos cadeirões do poder, quer ocupem as incómodas cadeiras da oposição, de se acusarem, mutuamente, de autoritarismo quando impõem a sua vontade ao arrepio dos protestos de grandes grupos sociais, e de recuo quando cedem à argumentação dos destinatários das suas medidas, faz com que os detentores do poder evitem até às últimas consequências darem o dito por não dito, atitude que não contribui para encontrar a melhor solução para os problemas, nem concorre para, aos olhos dos cidadãos, prestigiar o regime democrático e a imagem dos seus artífices.

    Se outra fosse a “praxis” política, não faltariam ocasiões de evitar desnecessários conflitos, com resultados finais bem melhores que os obtidos por processos arrogantes, cuja durabilidade é geralmente efémera. Tomando como exemplo, o que levou os professores a manifestarem-se contra a política do Governo, não seriam outros bem mais proveitosos os ganhos se, atempadamente, fosse tomada a decisão de considerar a avaliação deste ano sem consequências para a carreira dos docentes, servindo apenas para testar o “modelo”, aproveitando o período das férias da Páscoa para todas as escolas procederem às necessárias avaliações? Afastariam a “contundente” argumentação de falta de tempo e de perturbação das aulas que tem sido brandida, forçando, assim, os opositores a recorrerem a outra argumentação ou a colaborarem. Ancoraram-se na teimosia do “quero, posso e mando”, para depois saírem derrotados com a cedência imposta pela “Rua”. As chamadas entradas de leão com saídas de sendeiro. Esperemos que os governos de maioria absoluta aprendam com esta nova “derrota” averbada, arrepiando caminho sempre que esteja em causa medidas que afectam significativamente a vida dos portugueses, procurando o sucesso no diálogo democrático sério, para não terem de se vergarem ao poder da rua que, como foi demonstrado, continua a ser uma arma mais mortífera que os discursos parlamentares.

    Por: A. Alvaro de Sousa

     

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