Subscrever RSS Subscrever RSS
Edição de 31-03-2024
  • Edição Actual
  • Jornal Online

    Arquivo: Edição de 28-02-2007

    SECÇÃO: Editorial


    foto

    Mulheres

    Nunca será demais lembrar o papel da mulher no mundo actual e reconhecer que ainda está muito por fazer, a mulher é marginalizada, é um ser inferior em muitas sociedades. Nada justifica tradições culturais ou religiosas que, em pleno século XXI, obrigam, em todo o mundo, a que as mulheres vivam em condições insuportáveis, vítimas dos mais cruéis abusos e violências.

    Não ficaria de bem com a minha consciência se me limitasse a falar da minha experiência como mulher que, comparada com a maioria, é privilegiada.

    Embora dando-me sempre melhor com homens do que com mulheres, eu gosto muito de ser mulher e nunca questionei ou me senti inferior, em nada, por isso, antes pelo contrário. Nós as mulheres fazemos tudo o que os homens fazem. E as mulheres têm o privilégio de gerar os filhos dentro de si.

    As famílias tradicionais da nossa terra eram famílias matriacais, não vou falar de fadas do lar, nem dos exemplos do velho ditado “ lá em casa manda ela mas nela mando eu”, não, não me refiro a essa tradição portuguesa da mulher subordinada às regras dos homens, vou falar de uma família cuja história me é próxima e que eu apenas conheço desde 1875.

    Num diário que encontrei pode ler-se: «Casei-me no dia 19 de Julho, a uma segunda-feira no ano de 1875. Tinha 24 anos e minha mulher 28. O casamento foi feito em S. Lourenço d’ Asmes, conselho de Vallongo».

    Não me pareceu estranho que sendo maiatos se tivessem casado (a uma segunda-feira), em Ermesinde – velha terra da Maia.

    foto
    Tratava-se de Joaquim da Silva Martins e de Maria Rosa das Neves. Analfabeta, como era regra nos meados do século XIX, era no entanto dotada de uma grande simpatia na sua terra, o que contribuiu para que tivesse uma grande quantidade de afilhados.

    Lavradeira, bonita, esperta e dinâmica, esta mulher assumiu toda a gestão das terras enquanto o seu marido trabalhava no Porto, nas hidráulicas. Dela segredou-me, um dia, o padre Avelino Assunção, pároco de Ermesinde, quando eu era muito pequena: «Maria Rosa das Neves era a lavradeira mais bonita e elegante de Nogueira da Maia, montada no seu cavalo percorria as terras a seu encargo levando sempre consigo a sua caixa de rapé».

    Os filhos deste casal, duas raparigas e dois rapazes, Manuel da Silva Martins, padre formado em Teologia, e Augusto da Silva Martins, matemático, de quem Leonardo Coimbra diria: «Intelectualmente um matemático, metafisicamente um emotivo com melancolia paisagística do cristianismo festivo da sua aldeia». As duas raparigas, lavradeiras. Uma delas, Ana Rosa, teve seis filhos, dois rapazes e quatro raparigas. Destas, uma foi a primeira mulher a obter uma licenciatura na sua terra. Uma outra seria uma lavradeira empreendedora, inteligente e trabalhadora. Com um grande sentido de responsabilidade educou os filhos responsabilizando-os pelos seus actos, dando-lhes toda a liberdade de escolha. Não foi por acaso que a sua filha viria a ser arquitecta. Quatro gerações de mulheres lutadoras e conscientes da importância da cultura e do saber, que tudo fizeram para que os seus filhos tivessem acesso à cultura, não se conformando com as práticas tradicionais das famílias de lavradores da sua época, caracterizadas por passarem as suas terras de geração em geração através do filho varão.

    É evidente que estas mulheres tiveram a seu lado homens que marcaram profundamente as suas atitudes, nomeadamente a profunda influência de Augusto Martins. Cito Cláudio Bastos: «Era um professor como poucos o poderão ser – prestigioso pela dedicação profissional, pelo interesse científico, pelo saber vasto, seguro, originalmente alicerçado, e pela orientação educadora do seu ensino, tendente a espertar e libertar o raciocínio dos alunos, deles fazendo homens.

    (…) Augusto Martins era superior no cérebro, na alma, na cultura, na actividade».

    É este homem que irá ser sempre referência nesta família e a marcou profundamente, no respeito e liberdade que todas estas mulheres passaram aos seus filhos, netos e bisnetos, a importância do saber e da cultura.

    Acredito que o mundo tem que mudar e vai mudar, mas nada se faz sem luta, sem esforço e saber, as mulheres não têm que imitar os homens, o mundo será melhor se homens e mulheres se entenderem e derem as mãos sem preconceitos.

    Por: Fernanda Lage

     

    Outras Notícias

     

    este espaço pode ser seu Este espaço pode ser seu Este espaço pode ser seu
    © 2005 A Voz de Ermesinde - Produzido por ardina.com, um produto da Dom Digital.
    Comentários sobre o site: [email protected].