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    Arquivo: Edição de 30-04-2020

    SECÇÃO: Crónicas


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    A GUERRA COLONIAL PORTUGUESA (8)

    As campanhas de pacificação em Angola - A CAMPANHA DO CUAMATO

    Face ao insucesso que foi a expedição de 1904, que veio a redundar no desastre a que aludimos na nossa última crónica, o governo português nomeou para governador do distrito da Huíla o recém-regressado da Índia, capitão Alves Roçadas, a quem incumbiu de preparar e comandar uma expedição militar, com o fim de vingar essa afronta que foi o massacre do Vau do Pembe, perpetrado pelo Povo Cuamato.

    Logo no ano seguinte, 1905, mal acabou de tomar posse, Alves Roçadas deu início à sua campanha militar contra esses povos rebeldes, tendo ocupado e submetido a região dos Mulondo, a leste da Huíla, mais precisamente na margem direita do rio Cunene, um povo igualmente aguerrido, aliado dos da outra margem, o povo Cuamato, tendo matado o seu soba, Haugalo. Entretanto, foi avançando para oriente e, no ano seguinte, já na margem esquerda do Cunene, em território Cuamato, fundou o Forte Roçadas, uma base operacional para as suas tropas e que, ao mesmo tempo, servia de provocação e ameaça a esses povos rebeldes.

    Em torno deste Forte Roçadas veio a nascer a Vila Roçadas, antiga e actual Xangongo.

    A partir desta base operacional ou posto avançado, iam sendo realizadas incursões no terreno hostil, utilizando para o efeito, particularmente em missões exploratórias ou de reconhecimento, grupos de auxiliares, isto é, militares africanos recrutados localmente, inclusive em Moçambique, missões essas nem sempre com o almejado êxito, pois os rebeldes nativos não se coibiam de repelir ou tentar repelir por todos os meios ao seu alcance, por mais rudimentares que fossem, a presença daquele que consideravam o exército dum povo invasor. Aliás, vezes houve em que tais missões foram completamente rechaçadas, tendo-se esses auxiliares posto em fuga, abandonando, no campo da batalha, homens e armas.

    Perante esta dificuldade, em 1907, o governador da Huíla, capitão Alves Roçadas, veio ao reino, a fim de preparar uma expedição em força, mas que englobasse mais efectivos da metrópole. Conseguiu, então, mobilizar duas companhias, com recurso a voluntários, uma da armada, outra de infantaria.

    Após o seu desembarque em Moçâmedes, tiveram de percorrer cerca de 500 quilómetros, até chegarem ao Humbe, local da concentração, atravessando todo o tipo de terreno, desde as areias escaldantes do deserto, até às altas montanhas que suportam a oeste o planalto da Huíla, nomeadamente, da Humpata e da Chela, sob um clima inóspito onde predomina a falta de água. Ao longo desta marcha,que terá demorado cerca de mês e meio, foram-se-lhe juntando mais efectivos recrutados localmente, designadamente no Lubango, onde, para além de bóeres, descendentes de colonos maioritariamente holandesesque se haviam fixado na África do Sul, havia já uma significativa comunidade de ilhéus da Madeira. De referir que o transporte das tropas, material bélico e víveres, inclusive tanques de zinco à última hora improvisados no Lubango, para o transporte de água, já que os esperados carros Lefèvre não haviam chegado a tempo, era feito em carros bóeres, puxados por 10 a 12 juntas de bois, carregando cada um cerca de duas toneladas.

    Reunidas as tropas, cerca de dois mil e duzentos homens, várias centenas de cavalos e bovinos, e organizada a expedição, iniciou-se a marcha em formação (três colunas), a 26 de Agosto, guiada por um nativo de nome Calipalula, rumo ao coração do Povo Cuamato. Uma marcha necessariamente lenta, tal a necessidade de romper caminho pelo meio duma mata de espinheiros, a que acrescia toda aquela pesadíssima logística constituída, como se disse, por pesadíssimas viaturas e centenas de animais de tracção e cujo percurso tinha de ser necessariamente condicionado pela travessia de libatas,onde, em princípio, haveria as chamadas cacimbas, poças de água, para que homens e animais, sobretudo estes, se pudessem dessedentar. Daí a prestimosíssima colaboração do guia Calipalula, um régulo que participou no ataque de 1904, no Vau do Pembe, mas que, perseguido pelo soba do Cuamato, que por ele pressentia o seu poder ameaçado, resolveu juntar-se aos portugueses. Ora, este Calipalula, além de pessoa culta, para o meio, era um profundo conhecedor da região, o que veio a revelar-se determinante para o êxito da expedição.

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    Esclarece-se que libata é um aldeamento indígena com diversos grupos de cubatas, construções rudimentares feitas em madeira (paus entretecidos e ligados por lama, uma espécie de adobe), cobertas de colmo. A cada grupo corresponde uma família, sendo que todo o aldeamento é cercado por uma paliçada feita de troncos de madeira, tendo, no seu interior e/ou nas imediações, as tais cacimbas para o seu abastecimento de água. À medida que as nossas tropas avançavam no terreno e iam alcançando essas libatas, elas eram de imediato saqueadas, apropriando-se dos produtos agrícolas e animais abandonados pela população em fuga, servindo os mesmos para alimentar a expedição. De seguida, eram incendiadas, reduzidas a cinza. A libata onde vivia o soba e a sua corte designava-se embala.

    E as três colunas lá foram progredindo, ora rompendo através de matas, ora de chanas (grandes descampados, planícies onde prevalece o capim), até que, a 27 de Agosto, numa delas, conhecida por chana de Mufilo, a sua passagem é barrada por um enorme contingente de tropas indígenas emboscadas nas matas circundantes.Travou-se, de imediato um renhido combate, traduzido no desencadear dum intenso tiroteio de ambos os lados, com as nossas tropas formadas em quadrado. Nesta batalha, que durou quatro horas, com numerosas baixas para ambos os lados, o inimigo, na perspectiva dos portugueses, contou com 26000 (vinte e seis mil) homens, entre Cuamatos, Cuanhamas, Cuambis e outros aliados, dispondo de 6000 (seis mil) espingardas, para além das armas brancas individuais. Uma vez vencido, o inimigo bateu em retirada. Um combate onde a organização e a disciplina táctica dos portugueses, apesar de em muito menor número, mas mais bem equipados, nomeadamente com o recurso a peças de artilharia que permitiam manter o inimigo à distância, para além da cavalaria, foram determinantes para a vitória alcançada.

    A cerca de um quilómetro deste local, mais precisamente em Aucongo, numa libata recentemente abandonada pelos nativos, as tropas portuguesas montaram o seu acampamento (bivaque, em linguagem militar), em quadrado, dotando-o de abrigos construídos com troncos de madeira e sacos de terra, e trincheiras para sua própria defesa. Contudo, durante alguns dias em que ali permaneceram, nunca tiveram descanso, tendo sido constantemente flagelados pelos nativos, a partir das matas, protegidos pelas árvores e pelos morros da formiga salalé.

    A partir deste acampamento, as forças expedicionárias foram procedendo a diversas missões de reconhecimento, sendo que em todas elas sofreram ataques dos indígenas que, com toda a tenacidade, foram procurando defender o seu território e os seus haveres dos invasores.

    Ali permaneceram as nossas tropas até ao dia 12 de Setembro, data em que rumaram às embalas (Embala Grande, no então designado Cuamato Grande - Naloeque) e Embala Pequena, no Cuamato Pequeno (Mogogo), o último objectivo da expedição, já que era nelas que habitavam os sobas das duas principais tribos em que se havia dividido o povo Cuamato, tendo a primeira como soba Chaúlo, e a segunda Chietaquelo, sobrinho daquele, um líder tirano, ainda jovem, mas muito aguerrido, tido como o principal responsável por toda a resistência e ataques perpetrados sobre os expedicionários.Tribos que, apesar de internamente divididas, sempre se aliaram contra o inimigo comum, em defesa do seu território. Porém, uma vez chegados a Mogogo, a 22 de Setembro, depararam com a Embala Pequena, onde, como se disse, residia o soba Chietaquelo, completamente deserta, reduzida a cinzas, logo, sem qualquer oposição das forças nativas.

    (...)

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    Nota: o autor opta por utilizar a grafia anterior ao Novo Acordo Ortográfico.

    Por: Miguel Henriques

     

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