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Edição de 31-03-2024
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    Arquivo: Edição de 31-12-2016

    SECÇÃO: Crónicas


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    Vícios que nos identificaram mas não nos dignificaram

    se… - dúvida, incerteza, condição-o tempo é dinheiro, - asserção, conhecimento participado…, então, eu tenho sangue judeu. Poupar está nos genes do povo de Israel. Nos meus também, presumo ou não será mais do que ensinamento precoce dos meus educadores que intuí como dever? Suponho que a pontualidade há de ser considerada como um dos meios de que os judeus sempre lançaram mão para atingirem os seus objetivos. Desperdiçar tempo é prejuízo,logo menos aforro, défice a evitar. Se quiséssemos e houvesse a possibilidade de fazer um exame rigoroso à nossa tradicional pobreza enquanto povo, talvez a História nos apontasse como causa importante o incumprimento de horários, diria até a nossa críticaàqueles que respeitam a escrupulosa obediência ao tempo acordado e são vítimas do nosso tradicional mau costume.

    Perdoem-me a imodéstia mas detesto atrasos e orgulho-me de ter a pontualidade como lema. Dói-me chegar para além da horaainda que sem culpa… o transporte que demorou mais do que estava estabelecido… obras em dado ponto do percurso… um imprevisto… um acidente… sem ter em conta a importância do aprazamento e as consequências da sua violação. Seja o encontro ou não da minha conveniência. Para tanto, saio bem antes da hora marcada. Aprendi a respeitar os horários desde muito cedo, na aldeia onde me criaram, quando os adultos saíam para o campo mal rompia a primeira claridade matinal e todos em casa tínhamos deveres a cumprir, depois, quando passei a frequentar o Seminário e a "cabra" não nos concedia trégua, ao seu grito estridente forçoso era pôr os pés fora da cama, proceder à higiene indispensável ao asseio que o Regulamento prescrevia como indeclinável dever sociale, cumpridos os tempos marcados dia afora, ei-la que abria a goela irritante mormente quando se tratava de deveres religiosos, de aulas ou de estudo; mais adiante, no trabalho, quando tinha que entrar no estabelecimento meia hora mais cedo para preparar tudo antes de abrir as portas aos primeiros clientes porque um atraso de poucos minutos podia resultar em perda de fregueses que, por seu turno, tinham de "picar o ponto" à hora estabelecida pelos seus patrões ou chefes de serviço, qualquer falha no primeiro elo da cadeia multiplicando-se nas etapas seguintes a exigir esforços compensatórios no balanço final diário. Além disso, a concorrência estava alerta, ganhava mais quem fosse mais obediente ao horário pré-estabelecido. De retorno à vida escolar como aluno na Faculdade ou como profissional nas Escolas onde exercia as minhas funções letivas, havia que calcular o tempo necessário à viagem com algum acréscimo para evitar desagradáveis surpresas refletidas em penalizações que, embora suscetíveis de justificação, implicavam quebra no processo de aprendizagem ou deixavam marcas no cumprimento dos planos de aula. Porém, se um atraso de alguns minutos poderia ser compensado no ritmo das atividades, nem sempre evitaria consequências na fixação das matérias o que tornaria mais penosa a aquisição dos conhecimentos.

    Em décadas de vida ativa, não me recordo de ter chegado tarde aos meus compromissos profissionais salvo por razões de força maior, ao contrário lembro-me de obstáculos imprevistos que pude superar graças à margem de erro que impunha a mim próprio. Certo dia, quando me aprestava para entrar no automóvel, reparei que um dos pneus estava vazio. Olhei para o relógio e admiti que havia de chegar a tempo ainda que fizesse a substituição do pneu furado. Sem atabalhoamento, pus-me ao trabalho. Tarefa executada, pus o carro em funcionamento e segui para a escola ali chegando antes de a campainha haver tocado para a primeira aula. Noutra ocasião, acordei com dores intestinais muito fortes. Não obstante a dificuldade em manter-me de pé, fui para a escola a conduzir o automóvel e cheguei a tempo de dar a primeira aula. Acedi à sala com intenso e notório sacrifício. Contrariamente ao que era habitual, sentei-me, suscitando grande surpresa e perplexidade aos meus alunos. Com esforço, dei início às atividades mal conseguindo emitir sons audíveis. Não sei como a notícia chegou ao Conselho Diretivo porque, alguns minutos mais tarde, a Professora Helena Abreu e Lima entrou na sala e, ao ver a minha cara de sofrimento, mandou-me sair apoiando-me e convocando alguém que me substituísse na vigilância aos alunos. Ofereceu-se para me levar ao médico mas compreendi que ela não podia deixar o seu posto de trabalho para me acompanhar. Regressei a casa, tal como viera, a conduzir o automóvel.

    Nesse tempo, a lei permitia que os professores faltassem à escola dois dias por mês justificáveis ao abrigo do chamado Artigo 4º. Raríssimas vezes utilizei esse privilégio tendo em conta o interesse dos alunos, afinal eram eles a razão de ser do nosso trabalho.

    Peço aos leitores que me perdoem esta aparente falta de modéstia. Quem escreve olha para fora e não para dentro. Na verdade, ao olhar para dentro, a minha intenção é pedagógica, utilizo a minha experiência pessoal não em atitude autocontemplativa, narcísica se quiserem, mas no sentido construtivo de tornar mais racional o esforço de cada um em proveito de todos.

    Feliz Ano Novo para os nossos leitores e respetivas famílias.

    Por: Nuno Afonso

     

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