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    Arquivo: Edição de 30-06-2013

    SECÇÃO: Património


    TEMAS ALFENENSES

    O Pároco Manuel Martins de Castro Ferreira, o Conde de Ferreira e o Cemitério Paroquial

    Por certo, milhares de alfenenses terão transposto dezenas, senão centenas, de vezes o portão, em ferro forjado, que serve de entrada nobre ao Cemitério Paroquial, situado bem no centro da respetiva frontaria, em cantaria de granito e grade em ferro trabalhado. Porém, poucos terão parado ou, sequer, atenuado o passo para o contemplar com a atenção que merece.

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    Bem na parte superior e a toda a largura do portão uma inscrição, em letras soltas de ferro fundido, diz que foi «DADO PELO SNR ABADE M. M. C. F.», e, um pouco mais acima, bem ao centro, «1884».

    Vamos pois, procurar saber quem foi o Sr. Abade M. M. C. F. e que larguezas o terão levado a oferecer a frontaria nobre do nosso Cemitério Paroquial.

    Manuel Martins de Castro Ferreira nasceu no lugar de Ervedosa, da Freguesia de S. Pedro da Cova, em 11 de dezembro de 1840, filho de João Martins e de Petronilha Ferreira. Foi batizado pelo Padre António Martins, pároco de S. Cosme de Gondomar e foram padrinhos Joaquim Ferreira dos Santos e o Padre João Martins, pároco de S. Pedro da Cova. Debrucemo-nos, agora, um pouco sobre a festa do batizado daquele que viria a ser, durante mais de quarenta anos, pároco de Alfena, em especial, sobre as personalidades aí presentes.

    Joaquim Ferreira dos Santos, futuro Conde de Ferreira, e o Padre João Martins, os padrinhos, presentes na cerimónia, militavam, empenhadamente, em causas opostas que, naqueles tempos, dividiam profundamente os Portugueses; tempos de revolta, de grande agitação social e guerra civil a que só a humilhante e vexatória intervenção militar estrangeira conseguiu pôr termo, com a Convenção de Gramido, assinada em 29 de julho de 1847, no lugar do mesmo nome da Freguesia de Valbom, Gondomar.

    Não consta que deste encontro entre estes dois homens, ambos com poder e influência nos seus meios, mas de convicções firmes e profundamente antagónicas, tenha resultado qualquer polémica ou, sequer, uma discussão política um pouco mais acesa. Admitamos que ambos deixaram a política fora da porta e que, apenas, se concentraram nos rituais da cerimónia do Batismo do afilhado, com o mais absoluto recato e atenção.

    Contenção esta, que da parte do Padre João Martins não seria fácil, acérrimo correligionário de D. Miguel, não era seu hábito perder a mínima oportunidade para a defesa da respeciva causa ou para atacar a causa oposta.

    Contava-se que, após a Convenção de Évora--Monte, que impôs o exílio de D. Miguel, em 1834, enviava, com frequência, a Valongo um seu criado para saber novidades sobre o tão desejado regresso do Rei absolutista, até que um dia, tendo-se aproximado em demasia de um grupo para lhe ouvir as conversas, foi tomado por espião e severamente sovado. Para grande desgosto do velho Abade, o criado não mais acedeu a deslocar-se a Valongo para saber novidades sobre o tão ansiado regresso de D. Miguel.

    Aos mendigos que lhe pediam esmola, perguntava: – Achas que o Senhor D. Miguel voltará? Os que lhe conheciam as preferências políticas, respondiam afirmativamente e, satisfeito, o velho Abade obsequiava-os com uma boa esmola; pelo contrário, se lhe respondiam que D. Miguel jamais regressaria, despachava-os com uma esmola mínima, vociferando que não percebiam nada do assunto.

    Quinto e último filho de um casal de agricultores do lugar de Vila Meã, Joaquim Ferreira dos Santos nasceu em 19 de fevereiro de 1782. Ao irmão mais velho Manuel coube o património agrícola da família, como era de tradição; o segundo seguiu a carreira religiosa, foi pároco em S. Cosme de Gondomar, como vimos atrás.

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    Com a idade de 17 anos emigrou para o Brasil, recomendado a um familiar afastado. Fez parte do surto migratório, de adolescentes da classe média da época, relativamente instruídos, para o Brasil, ocorrido entre meados do Séc. XVIII e princípios do séc. XIX, que alguns autores designam como «emigração dos caixeiros», que precedeu a emigração pobre, em massa, muito mais numerosa, para trabalhar nas plantações de café, em substituição da mão de obra escrava.

    Chegados ao Brasil, os jovens caixeiros, em poucos anos sucediam aos donos do negócio, fosse por regresso do patrão à terra natal, pelo casamento com uma das filhas, ou fundando eles mesmos o seu próprio negócio.

    Assim aconteceu com Joaquim Ferreira dos Santos, que em breve inicia o comércio com a Argentina e, após a compra do seu próprio navio, o brigue “Activo”, desloca-se por duas vezes a Angola, onde estabelece relações com casas comerciais de Luanda e se relaciona com Régulos em Cabinda, aos quais adquire os escravos que depois vende no Brasil aos senhores de engenho, normalmente por troca direta por açúcar e outros produtos, tais como, peças de pano, ferragens, pólvora, vinho, aguardente, que vendia na ida, em Angola, já que na volta regressava ao Rio de Janeiro com o “Activo” pejado de escravos, até mais não caber.

    Calcula-se que só o tráfico esclavagista lhe terá rendido cerca de 900 contos de reis, pela venda de mais de 10 000 escravos, entre 1816 e 1828.

    Em 1832, depois de alguns incidentes que muito o desgostaram, em especial, a acusação de ter continuado o tráfico de escravos, então já proibido, regressa a Portugal, com o seu “Activo” carregado de açúcar e outros produtos de origem brasileira.

    Desembarca em Lisboa, em 8 de setembro de 1832 e recomenda ao seu irmão o Padre António Ferreira Martins, pároco de S. Cosme, para ir de sua parte beijar a mão de S. M. o Rei D. Pedro IV, então cercado na cidade do Porto, cuja expedição havia financiado, ainda no Rio de Janeiro, a pedido do então Imperador.

    De regresso ao Porto retoma a sua atividade comercial em diversas áreas, adere à causa de Costa Cabral na qual se empenha ao ponto de colocar ao dispor da Junta Provisória os seus próprios capitais. Em troca, é nomeado Par do Reino, depois nobilitado com os títulos de Barão, Visconde e Conde de Ferreira.

    Deixou legados a asilos, confrarias, misericórdias, em especial a do Porto e do Rio de Janeiro. Não esqueceu os familiares, criados, afilhados e amigos. À sua afilhada D. Luísa, filha de Costa Cabral, deixou 60 contos de reis e 30 contos ao próprio Costa Cabral. Legou verba suficiente para a construção de 120 escolas, em sedes de concelhos, incluindo casa para o professor. Com o restante mandou construir o hospital de alienados.

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    Voltemos ao Padre Manuel Martins de Castro Ferreira, agora já sacerdote no desempenho de funções paroquiais.

    Foi pároco na Freguesia de Penamaior, no Concelho de Paços de Ferreira, durante seis anos, de 1868 a 1874, ano em que toma posse da Paróquia de Alfena.

    Curiosamente, a primeira referência a seu respeito que consta nos registos paroquiais de Alfena é o batizado, em 20 de janeiro de 1874, de uma menina nascida no lugar de Baguim, que recebeu o nome de Florinda. Esta era irmã do comendador Matos.

    Pelos relatos ouvidos aos mais velhos era homem afável, de fácil trato e bom conversador. Devotado aos desfavorecidos e mais necessitados fundou uma obra de caráter social denominada Comissão de Assistência, da qual foi presidente e reconhecido benfeitor.

    Na qualidade de presidente da Junta da Paróquia da Freguesia de Alfena, mandou publicar no “Jornal de Notícias”, em 20 de maio de 1900, um edital em que consta «terem de ser vistoriados, medidos e avaliados os seguintes bocados de terrenos baldios, a saber: um bocado frente ao campo das Pereiras; outro no lugar de Sebadouro, no lugar de Transleça; dois bocados na Serra Amarela, um em frente à casa de António Moreira, no lugar do Outeiro; outro denominado Pedroso, no lugar da Ferraria; uma pedreira ao nascente do Ribeiro Secco, no lugar de Baguim; e outro em frente à casa do fallecido António de Sousa Carneiro, no lugar da Igreja». «E eu António José Fernandes, secretário da Junta o escrevi e subscrevi». Este António José Fernandes era professor oficial em Alfena, o único à época.

    Já em idade avançada, mandou construir uma moradia, que, por sinal nunca chegaria a habitar, que doou à sua sobrinha, de apelido Moura, que com ele vivia, daí ser conhecida pela «Casa da Moura». Esta moradia, antes com certa imponência, que se destacava das casas vizinhas todas térreas, ainda hoje existe, embora bastante descaracterizada devido a alterações posteriores. Situa-se na Rua de Aldeia Nova, 335/355 e também com acesso pela Rua de S. Vicente, 1874.

    Por razões de saúde pública, em 1835, o regime liberal proibiu, por Lei, os enterramentos no interior das igrejas, autorizando-os, porém, nos adros até que se aprontassem os respetivos cemitérios. Em Alfena, a 12 de maio de 1884, em carta ao Cardeal D. Américo, Bispo do Porto: «Diz Manuel Martins de Castro Ferreira, Parocho da Freguezia de S. Vicente de Alfena, (...) que achando-se concluído o novo cemitério Parochial, (...) P. a V.Emº se digne conceder-lhe licença para poder proceder às ditas bênçãos do cemitério...».

    O auto de Vistoria, realizada em 7 de junho de 1884, refere «uma grade de ferro que embellesa a sua frente, no centro da qual realça um bonito e bem desenhado portão metálico que dá ingresso para o mesmo...»

    Voltando ao início desta crónica: que larguezas o terão levado a oferecer a frontaria do Cemitério Paroquial?

    Um pouco mais atrás fizemos referência ao facto de o Conde de Ferreira, no seu testamento, não ter esquecido familiares e afilhados. Manuel Martins de Castro Ferreira e sua mãe Petronilha eram, simultaneamente, seus sobrinhos e afilhados. Coube-lhes um quinhão de dois contos e quinhentos e de quatro contos de reis, respetivamente. Uma boa maquia para a época.

    Tudo leva a crer que terão sido estas as “larguezas” que lhe permitiram tal dádiva.

    O Padre Manuel Martins de Castro Ferreira faleceu aos 77 anos de idade, em 1915, em Alfena.

    Por: Arnaldo Mamede - Al Henna

     

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