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    Arquivo: Edição de 08-02-2013

    SECÇÃO: Crónicas


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    Cousas da vida

    Nos meus pedacinhos de escrita, quando refiro alguém de forma mais particular é essencialmente porque ao fixar-me na fisionomia ou no nome é mais fácil sair-me o texto e isto claro que sempre acompanhado de música, a minha música. Nunca por nunca seria para “julgar” ou expor o que é do foro íntimo de cada um – iria fazê-lo pelos meus próprios padrões ou, pior, deixar-me-ia levar pelo que ouço dizer ou pelo que se ouviu fazer e isso já é por si desleal porque algumas vezes, muitas vezes, até nem faremos ideia do porquê de cada um e penso que não nos devemos levar pela “interpretação dos outros” – por isso se deveria evitar andar à volta, ouvir os outros e antes, termos a coragem de perguntar diretamente mas isso se calhar tirava-nos aquele gostinho a “cusquice”, uma característica do ser humano em “dose individuais” mais ou menos elevadas, mas nunca “nulas”.

    Claro que esta introdução se deve ao facto de me ir atrever a falar de um homem polémico e contestado até pela sua irreverência, pela sua ousadia, pela sua frontalidade, pela sua fé e pelas suas crenças e convicções. Mas o que está aqui implícito é o que me passa no meu registo e na minha perceção de infância e juventude, o que de melhor recolhi ao conhecer e conviver com este homem, a forma como “eu” o identificava. Uma pessoa que se acreditasse ia para a “luta”, e isto era mais do que evidente nas homilias do Padre Rego (o nosso “Padre Cousas”). Tendenciosas sim, mas onde ele colocava todo o ênfase do seu carácter irreverente e até indomável, incluídos também alguns puxões de orelhas porque tinha dificuldade em aceitar as nossas traquinices de crianças que provocávamos na catequese. Também, desde que me conheço o ouvia “incendiar-se” quando se sugeria que a Maia queria alienar a freguesia de Vermoim.

    Este homem, que já em adulto escolheu ser padre, de batina sempre vestida, tanto podia ser visto em cima de uma escada a podar as suas árvores como caminhar a pé pelo seu “território”, sempre atento a ver se não tinham mexido nos marcos que delimitavam a nossa freguesia, que ele considerava e defendia como se sua fosse também. Na Câmara da Maia, o Presidente da altura, já se esquivava o mais que podia de tanto ser massacrado pelas suas exigências e seria depois o Dr. Vieira de Carvalho, que dedicava a este pároco uma sapiência e paciência que o deliciava e não lhe tirava o orgulho de referir que se preciso fosse «falava com o senhor Presidente». Certo é que quando a Câmara foi procurada por um tal Sr. Jorge Ferreirinha que precisava de uns terrenos para instalar uma empresa de metalurgia, recebeu como resposta «quem o poderá ajudar nesse sentido é o Padre Rego» – e foi. Os terrenos existiam mas tinham parcelas pendentes de vendas por “aforro”, que ele agilizou para que se remissem e o terreno ficasse liberto para que nascesse lá uma fábrica, que daria emprego a tanta gente e uma oportunidade a tantas famílias de se organizarem nas suas vidas.

    Às vezes ouve-se dizer que se os antigos ressuscitassem ficariam chocadas com as mudanças a que todos assistimos – uns se calhar ficariam felizes e outros (se calhar muitos), ficariam desgostosos e eu colocaria o Padre Rego no grupo dos desgostosos porque iria presenciar o “assalto” a tal alienação ou junção de terras a que se está a assistir por esse país fora (a tal agregação de que muito se fala e querem adotá-la em nome da “poupança”, dizem os entendidos) e que a sua freguesia, Vermoim acabou por ser “unida” (o termo brando que estão a utilizar como nova nomenclatura) com a Maia. Até eu, que tenho como filosofia que não se devem construir “muros” mas sim pontes, me custa saber que com o tempo Vermoim ficará a fazer parte da nossa história e para as gerações futuras isso só passará a ser “tudo do mesmo”.

    É mais que lógico que este homem, àquela data, encabeçaria uma “revolução popular” mas penso que ele sabe também que nos tempos de agora as “causas” mudam de figura e são traídas por altos interesses que se levantam. Num cruzar de braços com os quais nunca concordaria pois de certeza nos diria: «Que vos ensinei eu?», tinha que compreender que com o tempo o nosso país está a retroceder a passos largos e até os padres já não poderiam defender assim as suas paróquias porque por serem tão poucos não têm mãos a medir tendo em conta que têm à sua responsabilidade duas, três e mais freguesias e que com esta “fusão” possivelmente até algumas igrejas fecharão portas. Com esta crise que se mostra avassaladora, as máquinas de lavar e secar terão que se desligar por uma questão de poupança, já se começa a andar a pé porque sabemos que já há gente que não tem dinheiro para a senha do autocarro, que por ser muito cara já representa mais do que dois litros de leite – e tanto mais que ele iria ver.

    Mas também nem tudo seria mau e os seus olhos brilhariam de orgulho por ver que a tal empresa metalúrgica de que sempre se terá sentido “padrinho”, ainda mais que foi o pároco que a abençoou ao abrigo da sua fé (e também lá do seu altar anunciava a precisão que tinham na admissão de colaboradores), já não tem o seu nome de origem (“Eurofer”), mas continua a laborar e felizmente que está entre as muitas empresas corajosas que se estendem pelo nosso país fora, que têm sabido adaptar-se, adotando novas formas de fazer, o que as torna acima de tudo, competitivas.

    Para mim, que pessoalmente também discordava de alguns dos seus pontos de vista (mas fui sempre ensinada a respeitá-lo), mesmo para os que não “iam muito com a sua cara” acredito que de alguma forma nos orgulhamos e achamos merecido o reconhecimento que lhe foi feito num “batismo” ao seu nome: a Avenida do Padre Manuel Alves do Rego, um dos párocos que passou por uma freguesia, quando ainda só se chamava Vermoim.

    Por: Glória Leitão

     

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