A morte
«(…) A morte afronta-nos e confronta-nos com tudo o que fomos e somos. Obriga a pensar em respostas que não existem. Faz-nos sentir emoções que marcam para sempre a vida. A morte dita a forma como se vive a vida». (1)
«(…) Na verdade ninguém morre para sempre. A sua voz, a sua luz existe e persiste enquanto continuar vivo na memória dos afectos de quem fica.» (1)
Com o aproximar do dia dos Fiéis Defuntos, Dia dos Mortos ou Dia dos Finados, lembrei-me da morte, do conceito de «bela morte e morte bela».
No século XIX os burgueses morriam em casa. Aos seus olhos o hospital era «lugar de horror», onde morriam aqueles que não tinham dinheiro nem família.
Desde o século II que alguns cristãos rezavam pelos falecidos visitando o túmulo dos mártires. No entanto parece que foi a partir do século XIII que se passou a comemorar o dia dos fiéis defuntos a 2 de Novembro.
Vivi muitos anos junto da igreja e do cemitério, habituei-me a ver passar os funerais e a distingui-los, sempre me fez muita impressão os funerais com três padres e os meninos órfãos, vestidos de cinzento e de cabeça rapada, que rezavam e cantavam algo que me chocava mas não entendia. Muitas vezes perguntei à minha avó quem eram, porque lhes rapavam o cabelo!
Eram uns belos funerais! …
Tal como em vida há classes nos funerais, os rituais também se diferenciam em função das crenças religiosas e dos hábitos das regiões.
Em Ermesinde quando morria alguém que fosse conhecido na terra ia um grupo de homens de porta em porta comunicar o falecimento – não havia telemóveis!
No século XIX e até meados do século XX a morte era integrada na própria concepção do alojamento.
Em 1875 o abade Chaumont escreve que o quarto conjugal era um «santuário» que um dia abrigaria a agonia. Por isso há que colocar lá uma «doce mas instrutiva imagem da morte de S. José». (2)
A morte era acompanhada pelos membros da família que se revezavam à cabeceira do moribundo.
Nalgumas terras recorria-se às carpideiras, mulheres treinadas para chorar os mortos.
Enquanto o morte permanecesse na sua residência estava sempre acompanhado de familiares e amigos, o velório era contínuo e durante a noite serviam-se café e biscoitos.
Com o crescimento das grandes cidades, a construção de apartamentos cada vez mais diminutos tornou impossível para o maior número de pessoas este acompanhamento. Por outro lado uma maior preocupação com a higiene leva a que a morte, que até então estava de certa forma integrada na vida, comece a ser mais escondida, passando a ser usual num hospital. A proximidade da morte é encarada como algo de penoso que se tenta evitar.
Esta questão de evitar o contacto com a morte leva a que as pessoas não se preparem para encarar uma realidade da vida, que é o seu fim, independentemente das convicções religiosas de cada um.
É aqui que eu penso: O que será uma bela morte?
Uma morte em paz, sem sofrimento!...
Hoje está a chegar a Portugal um negócio da morte que oferece uma morte bela, se possível o mais parecida com a vida, preparam-se os mortos para que estes pareçam vivos e belos…
Para quem fica é muito importante fazer o luto, que não é sinónimo de vestir de preto.
Fazer o luto não significa esquecer quem partiu, mas aceitar essa partida guardando tudo o que de melhor nos ficou do convívio com esses nossos familiares, amigos ou simplesmente gente que admirámos em vida.
(1) Strecht, Pedro, “Uma Luz no Meio de Nós. As Crianças e os Adolescentes Perante a Morte”, Assírio & Alvim.
(2) Ariés, Philippe, e Duby, George, “História da Vida Privada. Da Revolução à Grande Guerra”, Edições Afrontamento.
Por:
Fernanda Lage
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