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    Arquivo: Edição de 10-12-2008

    SECÇÃO: Opinião


    Como o Estado promove a precariedade

    O preâmbulo da Portaria n.º 192/96, de 30 de Maio, que regula os Programas Ocupacionais (ou POC, como são conhecidos e adiante os designaremos), refere que o papel dos mesmos «não é a execução de tarefas produtivas no mercado de trabalho, mas a ocupação socialmente útil de pessoas desocupadas enquanto não lhes surgirem alternativas de trabalho».

    Desde a criação dos POC que, um pouco por todo o lado, vemos instituições públicas a integrarem, nos seus colectivos de trabalhadores, ao abrigo deste programa, pessoas que se encontram desempregadas.

    As expectativas de quem aceita participar neste projecto passam, como não poderia deixar de ser, por um dia poder ser recrutado para desempenhar funções nessas instituições, mas, na maior parte dos casos, o interesse das instituições mais não é do que obter a força de trabalho necessária ao desenvolvimentos das suas actividades de forma mais económica, assim preenchendo os postos de trabalho existentes e não ocupados ou dispensando a criação daqueles que teriam de ser constituídos se não existissem iniciativas como esta.

    A realidade actual é que os POC não são utilizados com vista à prossecução dos objectivos definidos na Portaria que os criou, mas são antes usados para assegurar necessidades fundamentais – as mais das vezes permanentes – das instituições.

    Para além disso, nunca é possível garantir que, mesmo com um excelente trabalho, esse profissional venha a ser integrado na instituição em que desenvolveu actividade. E isto porque não só os concursos públicos não dão qualquer preferência a estas pessoas, mas igualmente porque as instituições preferem insistir na perpetuação da precariedade: acaba o período de vigência de um POC, substitui-se o mesmo por outro.

    Só na Escola EB 23 de S. Lourenço, 35% dos trabalhadores estão ao abrigo deste programa.

    Mas não é só o Governo que faz uso deste programa para colmatar a falta de trabalhadores, a Junta da Freguesia de Ermesinde é também um bom exemplo deste modelo de actuação. Dos trabalhadores que desenvolvem actividade na instituição, dezenas fazem-no ao abrigo desta iniciativa. Sem eles, uma parte muito importante dos serviços da Junta – limpeza de bermas e valetas, trabalho de secretaria, manutenção dos cemitérios, do mercado e feira, etc. – não funcionariam.

    O recurso – sem qualquer critério – a este programa é tal que, neste momento, prevê-se a utilização dos POC para preencher lugares em categorias em que não existem, nem nunca existiram, funcionários, bem como em categorias cujo trabalho está longe de ter um carácter temporário ou sazonal, necessitando, pelo contrário, de estabilidade e continuidade no tempo.

    Para ilustrar melhor o ponto a que chegamos, vale a pena tomar em atenção o que aconteceu com o projecto da Junta de Ermesinde de criação de um “Gabinete de Acção Social”. PSD e PS, ao verem a necessidade de abertura de um concurso para contratar um técnico superior da área da intervenção social, optaram por recorrer a um POC, que não dá a este importante projecto quaisquer garantias de continuidade: no máximo, durará 5 meses. Para além disso, o profissional em causa, cujo mérito, registe-se, não está aqui em discussão, não foi submetido a um processo de selecção, especialmente relevante quando se visa abrir uma área de trabalho múltipla e complexa como esta, tendo o Presidente da Junta escolhido o mesmo sem consultar ninguém.

    E o que acontecerá daqui a 5 meses? Vai ser aberto um concurso, no qual todos os concorrentes estarão em pé de igualdade? Ou vai ser recrutado outro POC? Por quantas mãos passarão os processos das famílias que vierem a recorrer ao Gabinete de Acção Social? Quando poderá a intervenção assumir um carácter sistemático e continuado? Começar-se-á de novo o trabalho a cada cinco meses, a cada mudança de POC?

    Se não fosse tão grave, a situação teria a sua ponta de ironia: um trabalhador precário e sem qualquer vínculo à instituição onde desenvolve actividade, com dúvidas quanto ao seu futuro imediato e ao seu projecto de vida, a tentar apoiar a resolução de situações de precariedade e a procurar ajudar a estruturar os projectos de vida de outros.

    Por: Sónia Sousa

     

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