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    Arquivo: Edição de 10-12-2008

    SECÇÃO: Cultura


    CONFERÊNCIAS NA BIBLIOTECA MUNICIPAL

    Luandino VieIra em Valongo: «Causa-me muita estranheza chamarem-me escritor»

    Fotos MANUEL VALDREZ
    Fotos MANUEL VALDREZ
    O número de pessoas presentes no auditório da Biblioteca Municipal de Valongo não deixou margem para dúvidas: o convite era, de facto, aliciante. Luandino Viera, pseudónimo literário de José Vieira Mateus Graça, esteve de visita à Biblioteca Municipal de Valongo, na noite do passado dia 5 de Dezembro. A sua presença despertou curiosidade e provocou euforia.

    Entoando cânticos de Natal os “Pequenos Cantores de S.Mamede” (Valongo) deram-lhe as boas vindas, também eles ansiosos, pela chegada do escritor que afirma não gostar de escrever.

    Luandino Vieira entrou discretamente no auditório e até pediu desculpa pelo “incómodo” da reorganização das mesas para que pudesse começar a tal conversa que o amedrontava há algum tempo. «O convite para vir cá foi-me feito há alguns meses e desde aí mantive sempre a esperança que pudesse ser esquecido, mas não foi», revela esboçando um sorriso.

    Os lugares vagos no auditório já há muito tinham esgotado e era praticamente impossível entrar na sala completamente preenchida. Perante o olhar atento dos presentes, Luandino Vieira confessou a sua timidez e o medo de não corresponder às expectativas: «Tenho receio de vos defraudar». Esta declaração provocou risos entre os presentes. Ficou claro que ninguém o levou a sério.

    Como é que uma conversa com o Prémio Camões, em 2006 – maior galardão literário para a Língua Portuguesa; Prémio da Sociedade Portuguesa de Escritores, em 1965; Grande Prémio de Novelística da Sociedade Portuguesa de Escritores (1965) e mais recentemente Prémio Nacional de Cultura Angolana (apenas para referir os mais importantes) poderia não ser produtiva?

    OITO ANOS

    EM CATIVEIRO

    NO TARRAFAL

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    A um percurso profissional ímpar, acrescenta-se uma vasta experiência pessoal fruto de vivências marcantes que impõem respeito e despertam curiosidade pela bravura e obstinação. Luandino Vieira nasceu em Portugal, na Lagoa do Furadouro, Santarém, em 1935, mas tornou-se cidadão angolano pela participação no Movimentação de Libertação Nacional (MPLA) e contribuição para o nascimento da República Popular de Angola. Saiu de casa aos 15 anos e passou toda a sua infância e juventude em Angola, onde exerceu profissões variadas.

    Foi preso em 1959 e foi mais tarde libertado, depois em 1961, foi de novo preso e condenado a 14 anos de prisão e medidas de segurança. Posteriormente, em 1954, foi transferido para o Campo de Concentração do Tarrafal, onde passou oito anos e finalmente foi libertado em 1972, em regime de residência vigiada em Lisboa.

    A sua vasta obra, foi maioritariamente escrita em cativeiro e cinge-se a histórias contadas por companheiros de prisão. Alguns exemplos são os livros “Nós, os do Makulusu” – obra escrita em apenas uma semana, em 1967, no Campo de Concentração do Tarrafal – apelidada pela crítica como a obra mais complexa de José Luandino Vieira, onde há interferências entre as línguas portuguesa e quimbunda (complexo dialectal falado em Angola numa área correspondente aproximadamente aos distritos de Luanda e Malange); e “O Nosso Musseque” – livro escrito na prisão da PIDE, em Luanda em Dezembro de 1961 e Abril de 1962 – publicado 40 anos depois de ter sido escrito. A obra literária de José Luandino Vieira está centrada nos musseques, bairros pobres e, portanto, vítimas da discriminação e opressão económica.

    «FIZERAM-ME

    ESCRITOR!»

    Apesar de uma história de vida singular e uma vasta obra, alvo de variados prémios, Luandino Viera revela uma modéstia extraordinária e chega mesmo a declarar, para espanto do público, que não é um verdadeiro escritor. «Escrevi apenas por uma razão: foi a maneira que arranjei para contar tudo o que tinha para contar», declarou. «Causa-me muita estranheza chamarem-me escritor», confessou. Luandino justificou a sua posição afirmando que «todos nós temos histórias para contar e se as circunstâncias da vida nos atirarem para uma situação em que possamos escrever, passamos a escrever».

    Atribui esta profissão de escritor a uma coincidência: «Quando saí da prisão em liberdade condicional como não tinha emprego decidi arranjar um numa editora. Eu não me fiz escritor, fizeram--me escritor!».

    «NÃO GOSTO

    DE DINHEIRO!»

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    Totalmente receptivo às perguntas do público, quando questionado sobre o seu gosto pela escrita, afirma decididamente que não gosta de escrever, porque não gosta de fazer nada: «É pura preguiça. Um simples tomar de café é um prazer superior ao de escrever», declarou. «Mas quando escrevo, tenho prazer em escrever!», acrescentou.

    Relativamente à sua opinião sobre o seu melhor livro, Luandino surpreendeu outra vez com a sua clara modéstia: «Não há um melhor porque nenhum deles é bom! O livro que publicar a seguir, esse sim, vai ser bom», revelou provocando sorrisos entre os presentes.

    As razões pelas quais recusou o Prémio Camões, em 2006, já foram mais do que discutidas mas, inevitavelmente a questão surgiu. Luandino Vieira, explicou muito calmamente que não seria justo ele receber a distinção, uma vez que tinha publicado a última vez em 1972, enquanto os outros escritores haviam publicado várias obras ao longo dos anos. A outra razão dizia respeito ao dinheiro: «Não gosto de dinheiro, não sei viver com dinheiro!». «Este ano recebi o Prémio Nacional de Cultura Angolana mas foi-me atribuído pela via da literatura, é um prémio pela minha identidade e portanto recebi-o sem senhum problema de consciência e sem problemas de valores», concretizou.

    Luandino Viera viria a pôr fim ao prolongado silêncio editorial (desde 1972) com o livro “De Rios Velhos e Guerrilheiros - O Livro dos Rios”, em 2006.

    Houve ainda tempo para uma jovem poetisa do concelho de Valongo dedicar um poema a Luandino Vieira, o escritor agradeceu comovidamente. No final da palestra, autografou os livros dos presentes.

    Por: Teresa Afonso

     

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