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    Arquivo: Edição de 30-11-2007

    SECÇÃO: Crónicas


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    Baía de Todos os Santos

    O Nordeste brasileiro foi uma região durante muito tempo esquecida, “terras do fim do mundo”, assim lhe chamaram e assim Vargas Llosa titulou um dos seus livros sobre esta região, ainda que o epíteto atinasse mais ao interior do que à orla litorânea onde, de há pouco mais que uma década, se tem registado um grande incremento turístico. Bem merecido, diga-se em respeito pela verdade.

    Mas porquê o enorme investimento dos agentes dessa indústria no litoral nordestino quando o Brasil é tão extenso e tão variado na sua geografia quer física, quer humana? As praias, sem qualquer dúvida. O turista europeu “pela-se” por boas praias daquelas em que o Nordeste é milionário. Quase poderíamos afirmar que toda a costa brasileira é um sem-fim de maravilhas, mas, desde o Maranhão ao sul da Baía, há uma sequência de esplêndidas zonas balneares com palmeiras ou sem elas, de areia alva e finíssima como o beijo da farinha de trigo ou mais densa e morena a parecer-se com os corpos das ninfas que as frequentam.

    E, no entanto, o Brasil é muito, muitíssimo mais do que as praias, e o verdadeiro está ainda por descobrir. Neste país há todas as espécies de turismo: o histórico-cultural com a profusão de igrejas, em que a arte barroca é presença constante, os requintados casarões (sobrados) do século XVIII, as cidades-presépio como Ouro Preto, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Mariana, S.João d’El Rei, Parati e outras, cuidadosamente preservadas, quais teriam sido durante a exploração das jazidas mineiras e o embarque do ouro para Portugal; o de habitação em fazendas modelo, espalhadas um pouco por todo o território nacional, em que o visitante tem o privilégio de comungar da natureza envolvente, acompanhar a labuta dos trabalhadores rurais e tomar parte nas suas festas e tradições; o natural com as variadíssimas e grandiosas paisagens de que são exemplos o Pantanal, as Cataratas do Iguaçu, a Mata Atlântica em muitos lugares, a biodiversidade, predominantemente nas matas da Amazónia e de Mato Grosso; o artístico-literário na senda dos grandes escritores e artistas brasileiros… Se houver tempo, podem combinar-se todas estas categorias o que constituirá uma experiência inigualável e a não mais esquecer.

    Ilhéus é paisagem luxuriante, são praias por centenas de quilómetros desde Mangue Seco até à fronteira do Estado do Espírito Santo, são as faraónicas mas decadentes habitações dos coronéis, as lembranças e cenários do grande Jorge Amado, são os maravilhosos resorts e hotéis como aquele em que ficámos instalados, é a gastronomia baiana em toda a sua variedade e esplendor. No restaurante do Cana Brava, tivemos a oportunidade de degustar a enorme variedade da culinária regional: moquecas de peixe, de camarão e de siri, bobó de camarão, vatapá, caruru, acarajé, associada aos comeres tradicionais de outras regiões brasileiras como a feijoada que admite muitas variações no tipo do feijão, na qualidade e nas quantidades dos acompanhamentos. Nestas terras há cópia de frutos tropicais e são conhecidos e afamados os sumos (sucos) como os de graviola, açaí e acerola, verdadeiras delícias.

    No que respeita ao ciclo do cacau, que já não passa de memórias, além da exportação do produto havia, na cidade e arredores, dezenas de fábricas de chocolate. Não posso garantir, mas julgo ter ouvido a seu Joaldo que resta apenas uma, onde ele nos levou. Antes de entrarmos no estabelecimento, posámos de Nacib e de Gabriela nas molduras ali existentes. No interior, observámos a variedade dos produtos à base do apreciado fruto. A moça chamou a nossa atenção para duas novas espécies de licor. Numa bandeja, encontravam-se as garrafas e um pequeno cálice. A prova exigia o pagamento de dois reais, cerca de oitenta cêntimos de euro. A Carminda insurgiu-se:

    - Ó menina, lá na minha terra, a prova é gratuita, é publicidade da casa!

    A funcionária sorriu contrafeita e seu Joaldo, fosse pelo dito, pelo sotaque ou por ambos riu-se com gana, contagiando todos os presentes.

    Não obstante a nossa curta permanência no Cana Brava, a despedida foi emocionada. Daniel Zacarias e José Emerson vieram abraçar-nos e posaram para a objectiva. Embora com algum atraso, de que me penitencio, já trocámos mensagens por e-mail com o primeiro. A versão on-line de “A Voz de Ermesinde” tem agora mais leitores Além-Atlântico. Oi, amigos!

    Seu Joaldo conduziu-nos ao aeroporto. Meia hora depois, estávamos novamente em Salvador, desta vez para conhecermos com mais vagar a primeira capital do Brasil, talvez a mais rica do ponto de vista cultural. Ali, a cada passo, tropeçamos na história. São as centenas de igrejas ricamente decoradas a ouro, das quais a mais exuberante é a do Convento de S.Francisco em cujos altares dizem ter mais de 800 Kg do nobre metal, o claustro e o interior da igreja revestidos de azulejos azuis, representando cenas da vida do Poverelo e pintados por Bartolomeu de Jesus, um dos grandes mestres da azulejaria portuguesa. Dignas de serem visitadas também a igreja da Ordem Terceira de S. Francisco, a do Santíssimo Sacramento, a Catedral Basílica, quarta versão do templo onde pregou o Padre António Vieira e estudou o grande poeta brasileiro Gregório de Matos, a Igreja de Nª Sª do Rosário dos Pretos onde, às terças-feiras pelas dezoito horas, é celebrada uma missa nada convencional em que os fiéis rezam ao som de atabaques, tamborins e repiques e entoam cânticos em ritmo afro. Os escravos que ergueram o templo formaram uma das primeiras confrarias de negros do Brasil e trabalhavam nos seus raríssimos momentos de folga. Por isso, a construção levou quase cem anos a ser construída. Esta é uma das mais evidentes provas do sincretismo religioso da Baía.

    A história está presente também nos grupo de baianas, com seus trajes característicos e enfeitadas com balangandans, que vêm ter connosco para o folclórico retrato de grupo, nas que, igualmente enfeitadas com os seus quindins, vendem os quitutes que muito devem às longínquas tradições africanas. À entrada do Centro Histórico, no Terreiro de Jesus, visitámos a Catedral Basílica e fomos contactados pelo Cláudio, um nativo que se propôs guiar-nos pelos locais de maior interesse. Com ele visitámos o Pelourinho que, ao invés da tradicional coluna de pedra levantada no centro duma praça, designa toda a zona histórica, as seculares ruas e becos com os sobrados de outrora onde viveram sucessivas gerações, que moldaram épocas de fausto e efervescência cultural, salpicada de igrejas e lugares de referência. Almoçámos num típico restaurante do bairro e regateámos com o guia a continuação da visita por toda a cidade. Descemos o Elevador Lacerda, fizemos compras no Mercado Modelo, fomo-nos detendo nos lugares mais emblemáticos dos tempos da colónia, observámos vários fortes com os respectivos canhões, que defenderam a cidade dos ataques de outros povos europeus e de corsários, cobiçosos das riquezas que supunham existir numa povoação tão bela. O Forte do Monte Serrat, talvez o mais importante, constitui uma das mais bonitas construções militares do Brasil e tinha por missão defender a entrada da Baía de todos os Santos. Dali tem-se uma vista espectacular da entrada, com Salvador de um lado e Itaparica do outro.

    Por: Nuno Afonso

     

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