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    Arquivo: Edição de 30-06-2007

    SECÇÃO: Opinião


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    Nova “machadada” à vista no contrato social

    Os governos dão o que têm e o que não têm para se reclamarem de reformistas e, efectivamente, todos ou quase todos, deixam como marca de passagem pelo poder alterações legislativas que modificam a vida dos cidadãos. Pena é que em consequência dela, os pobres ficam cada vez mais pobres e muitos dos classificados como pertencendo à classe média, são espoliados do direito de viverem como “remediados”.

    O discurso político é sempre o mesmo: é imperioso tomar estas medidas para que o país se modernize; a Segurança Social seja sustentável; o Serviço Nacional de Saúde responda cada vez melhor às solicitações dos utentes; a economia seja competitiva. Numa palavra, que os portugueses apertem hoje o cinto para viverem amanhã muito melhor. Infelizmente, a realidade é diametralmente diferente para pior, e os sinais não auguram nada de bom. O poder de compra dos cidadãos é cada vez menor; a carga fiscal não pára de aumentar; os serviços públicos estão tomados pela síndrome de aumentos constantes; a economia cresce menos que as congéneres europeias; o número de desempregados aumenta em vez de diminuir. Enfim, as promessas de que os sacrifícios seriam compensados com uma qualidade de vida melhor e sustentável, vem sendo uma miragem que atormenta muitos milhares de famílias que, finalmente, dão sinais de terem percebido o logro em que caíram, sendo sintomático desse desencanto as sondagens editadas no “Diário de Notícias” de ontem (29.06.2007).

    O “cartão amarelo” mostrado evidencia estar esgotada a credibilidade do processo instituído pelos governantes de encomendarem estudos a personalidades ditas especialistas, as quais, não desejando desagradar ao cliente e muito menos perder novas encomendas, por certo que terão o cuidado de antes de iniciar o trabalho perguntarem ao promotor que objectivos persegue com a encomenda que faz, para que as conclusões do relatório possam coincidir com os fins em vista. Como exemplo disso, temos os recentes relatórios que apontam: um para que a saúde passe a ser paga duplamente (pela via dos impostos e pelo pagamento directo do serviço) e outro para que os limites de horários diários desapareçam da legislação laboral, além de outras sugestões do “cardápio de maldades”, na versão de um dirigente dos parceiros sociais.

    Claro que, na esteira da estratégia habitual, ambos os ministros já vieram “acalmar” os destinatários das medidas recomendadas, com o não menos recorrente sonífero de que se trata de documentos preliminares que não serão aplicados tal qual os peritos aconselham. Contudo, ensina a história que as recomendações acabam por ser úteis ao poder político que as toma como base de discussão e, quando não obtém consenso, implementa-as respaldado nas conclusões de relatórios elaborados por especialistas de reputada credibilidade, por vezes até rotulados de independentes. É só esperar pelo “timing” politicamente adequado.

    A este propósito vale a pena transcrever o que diz o redactor principal de Economia do DN, António Perez Metelo. Escreve ele, na citada edição do referido jornal, a propósito do Relatório da Comissão do Livro Branco das Relações Laborais presidida pelo Prof. António Monteiro Fernandes: «Causa surpresa e incredulidade ler o conjunto de medidas que (a título provisório, é certo) a comissão técnica vem propor. Reduzir subsídios, tornar normais períodos alargados de trabalho, baixar suplementos do trabalho extraordinário, reduzir períodos de férias – tudo aponta numa mesma direcção e serve um mesmo propósito: o de reduzir o custo de cada hora efectivamente trabalhada ao longo do ano. A estas medidas juntam-se simplificações processuais nos despedimentos e alargam-se conceitos justificativos de despedimento individual com justa causa”. E Perez Metelo continua: «Quanto a medidas para acabar com os falsos recibos verdes, nada. Pelos vistos, as normas em vigor, que não atacam o problema, satisfazem a comissão. E os contratos a prazo, que um em cada quatro trabalhadores por conta de outrem se vê forçado a aceitar, parecem aceitáveis aos peritos, já que nada propõem nesta matéria. Será que este conjunto de remédios propostos fortalece as empresas, motiva os seus empregados, promove a necessária produtividade?». E conclui: «Creio bem que terão o efeito contrário: para quê estudar de novo, fazer um esforço de capacitação acrescida, se o que é proposto a três milhões de trabalhadores dependentes é rapar rendimento em tudo o que for possível sem escândalo público intolerável?”

    Confrontando o que eram as condições de quem trabalhava, antes da revolta popular de Maio de 1986, quando se buscava o lucro através de baixos salários; quando se comprometia a saúde física e mental dos trabalhadores com jornadas de trabalho que se estendiam até às dezassete horas; tempos em que descanso semanal e pensões de reforma não existiam, comparando tudo isto com as propostas do Livro Branco das Relações Laborais apresentado pelo ministro aos parceiros sociais, onde se propõe que deixe de existir limites de horários diários, podendo o trabalhador ter de ficar fora de casa vinte e quatro horas seguidas afecto à actividade da empresa; quando se sugere que o subsídio de férias seja reduzido; quando se defende que a concretização dos despedimentos seja mais fácil, é natural que os trabalhadores por conta de outrem se interroguem se não estaremos a voltar aos tempos anteriores à revolta de Chicago, que teve como razão principal, a redução da jornada de trabalho de 13 para 8 horas diárias.

    Num país que se debate com baixíssima taxa de natalidade e com uma população envelhecida, certamente que não será com políticas destas que Portugal se modernizará e muito menos se aproximará dos restantes países europeus, cujos cidadãos usufruem um padrão de vida substancialmente superior. Perante realidade tão evidente cabe perguntar: por que razão não há sinais, leves que sejam, de comparar as margens de lucro dos nossos empresários com as dos seus concorrentes estrangeiros? O Governo que tanto se apressa a mandar estudar formas de empobrecer os trabalhadores, por que razão não manda estudar, por idênticos especialistas, os sinais exteriores de riqueza dos empresários que aplaudem as propostas da Comissão do Livro Branco considerando--as ainda insuficientes? Quando o fizer, talvez se venha a concluir que a solução para o problema da competitividade resida mais nas inapropriadas práticas dos empresários e menos nas regalias dos trabalhadores.

    Por: A. Alvaro de Sousa

     

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